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Processo n.º 1378/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos dois recursos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. O recorrente identificou do seguinte modo o respetivo objeto:
- Recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11 de julho de 2013 (requerimento de interposição do recursão de fls. 1546):
«O recurso tem em vista declarar que o art. 127 do CPP viola os arts. 20º e 32º-1 da Lei Fundamental – Princípio da Presunção de Inocência – na dimensão interpretativa do art. 169-1 do Cód. Penal».
- Recurso interposto do Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, proferido em 29 de outubro de 2013 (requerimento de fls. 1605 em resposta ao despacho a convidar ao aperfeiçoamento de fls. 1603):
«1- As normas aplicadas nos autos foram:
-art. 169-1 do Cod. Penal, que serviu de base à condenação do arguido.
-arts. 127, 421, 422, 429, 430 e 431 do CPP.
2- A peça processual foi o recurso interposto para do Douto Tribunal Judicial da Lourinhã para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa nas Conclusões 14ª, 17ª, 18ª e 33ª, conforme conclusões de recurso transcritas no Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa de 11-7-2013.
3- As nulidades invocadas são de conhecimento oficioso.
4- inexiste participação nos autos e inexistem Ofendidos!!!!
5- A prostituição é livre em Portugal e não é censurável penalmente o comportamento de quem decide viver na noite e do sexo. Sendo certo que a vontade de quem se dedica á prostituição é livre e esclarecida !!!
6-A inexistência de crime traduz NULIDADE o que é de conhecimento oficioso.
7- Acresce que a não audição do recorrente pelo Tribuna1 da Relação e não convocação para aí assistir ao julgamento traduz nulidade insanável.
Os arts. 127, 421, 422, 429, 430 e 431 do CPP e 169-1 do Cod. Penal violam os arts. 2º do Protocolo 7º, 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1º, 32° e 205 da Lei Fundamental na hermenêutica expendida no Acórdão da Relação Lisboa que secundou a Decisão do Tribunal Judicial da Lourinhã.»
3. Pela Decisão Sumária n.º 200/2014 (cfr. fls. 1607-1608) decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
“3. Ao Tribunal Constitucional compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º Constituição da República Portuguesa), cabendo-lhe a apreciação da conformidade constitucional de normas aplicadas pela decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante do processo, quando o recurso seja interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Ora, nos requerimentos em apreciação o recorrente não identifica nenhuma dimensão normativa extraída do conjunto de preceitos legais que enumera, limitando-se, no primeiro recurso, a remeter para um preceito legal do Código Penal (artigo 169.º, n.º 1) e, no segundo, a reclamar a declaração das nulidades invocadas nos autos e que afirma serem de conhecimento oficioso.
Desta forma, o recorrente mais não faz do que pedir a intervenção do Tribunal Constitucional como uma instância de recurso adicional na ordem dos tribunais judiciais, como se o Tribunal Constitucional fosse competente para apreciar a conformidade constitucional de decisões judiciais, o que lhe está constitucionalmente vedado (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição).
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do objeto dos recursos interpostos, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).”
4. Inconformado, vem agora reclamar daquela decisão (fls. 1615), apresentando as seguintes conclusões:
“1 -um Principio basilar do Estado de Direito é o acesso à Justiça em tempo útil e a apreciação das pretensões do Povo: os Senhores Juízes julgam para o Povo - art 202 da CRP.
2- o arguido A. sente-se injustiçado pois foi condenado na Lourinhã por “crime” que na maioria dos Países mais avançados não existe.
3 - Este Alto Tribunal teve conhecimento das normas indicadas pelo recorrente que, atempadamente, indicou a pretensão ao abrigo dos arts. 127 CPP, 20° e 32- 1 da CRP, 169- 1 Cod. Penal e outros normativos...; vem agora a Colenda Juíza Conselheira decidir que o recorrente não indica nenhuma dimensão normativa e que pede a intervenção deste Tribunal Constitucional como mais uma instância de recurso adicional...
4- o recorrente não alcança, quiçá por deficit cognitivo do advogado signatário, que, embora dotado de cérebro e coluna vertebral desde que foi equipado, qual a razão por que, sendo o Tribunal Constitucional o último pilar do Estado de Direito, não toma conhecimento do recurso e ainda condena em 7 Ucs…
5- A JUSTIÇA PORTUGUESA NÃO PODE SER ASSIM! Nos tempos do Sr. Prof Salazar e na maioria dos Estados de Direito civilizados a prostituição não é punível e não é tipificado o ato de quem cede uma casa para as meninas do “trottoir” exercerem a mais antiga profissão do mundo.
6- As normas aplicadas nos autos foram: -art. 169-1 do Cod. Penal, que serviu de base à condenação do arguido; arts. 127, 421, 422, 429, 430 e 431 do CPP.
7- As nulidades invocadas são de conhecimento oficioso; a prostituição é livre em Portugal e não é censurável penalmente o comportamento de quem decide viver na noite e do sexo. Sendo certo que a vontade de quem se dedica á prostituição é livre e esclarecida!!! A inexistência de crime traduz NULIDADE que é de conhecimento oficioso.
8- Acresce que a não audição do recorrente pelo tribunal da Relação e não convocação para aí assistir ao julgamento traduz nulidade insanável. Por certo os Senhores Juízes de Estrasburgo terão opinião bem diferente da Justiça Portuguesa.
Os arts. 127, 421, 422, 429, 430 e 431 do CPP e 169-1 do Cod. Penal violam os arts. 2º do Protocolo 7º, 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1º, 32º e 205 da Lei Fundamental, o que deve ser decidido na Conferencia.”
5. Notificado, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido do indeferimento da reclamação e da confirmação da Decisão Sumária reclamada.
II – Fundamentação
6. Nos presentes autos foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, por não cumprimento dos pressupostos constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em especial a ausência de identificação de «dimensão normativa extraída do conjunto de preceitos legais que enumera», por o recorrente se limitar, «no primeiro recurso, a remeter para um preceito legal do Código Penal (artigo 169.º, n.º 1) e, no segundo, a reclamar a declaração das nulidades invocadas nos autos e que afirma serem de conhecimento oficioso».
7. A presente reclamação apresenta a seguinte motivação:
Considera sentir-se «injustiçado» pela condenação, considerando igualmente que «não alcança (…) qual a razão por que (…) o Tribunal Constitucional (…) não toma conhecimento do recurso» (cfr. n.os 1 e 4 da reclamação, fls. 1615);
Reitera que «as normas aplicadas nos autos foram: -art. 169-1 do Cod. Penal, que serviu de base à condenação do arguido; -arts. 127, 421, 422, 429, 430 e 431 do CPP» (cfr. n.os 3 e 6 da reclamação, fls. 1615);
E que se verificam nulidades insanáveis de conhecimento oficioso (cfr. n.os 7 e 8 da reclamação, fls. 1615).
Cumpre apreciar.
8. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição não prevê o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional».
Assim, como refere a decisão sumária reclamada (cfr. n.º 3), não deve o Tribunal Constitucional ser encarado «como uma instância de recurso adicional na ordem dos tribunais judiciais, como se o Tribunal Constitucional fosse competente para apreciar a conformidade constitucional de decisões judiciais, o que lhe está constitucionalmente vedado (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição)».
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos - uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
9. Ora, tal não ocorre no presente recurso, como foi constatado pela decisão sumária reclamada. E não resulta da reclamação qualquer elemento demonstrativo da alegação de uma dimensão normativa do recurso que justifique a alteração da apreciação efetuada pela decisão sumária.
O reclamante não formula a «interpretação normativa» que estaria em causa com caráter de generalidade, independentemente do caso concreto – remetendo a questão de inconstitucionalidade para as decisões concretas do tribunal a quo de condenação pela prática de crime e decisão quanto às nulidades por ele invocadas. Pretende, assim, o reclamante que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dessas decisões concretas e não das normas por estas aplicadas. Ora, como já foi referido, o Tribunal Constitucional, na ordem jurídica constitucional portuguesa, não tem função de «instância de recurso adicional na ordem dos tribunais judiciais», não lhe cabendo sindicar as decisões das instâncias, mas as normas por si aplicadas.
9. Desta forma, não existem motivos para alterar o juízo formulado na decisão sumária reclamada. Assim, se determina, pela ausência de objeto normativo identificada na decisão sumária reclamada, o não conhecimento do recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, não conhecer do objeto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.