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Processo nº 103/96
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho de 16 de Julho de 1993 do Juiz do 9º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, de fls. 2561, foi parcialmente indeferido o pedido de apoio judiciário formulado por J..., um dos réus na acção proposta pela C..., A.S., em liquidação, no âmbito da qual foi interposto o presente recurso, acima identificado, por entender que ele tinha 'uma situação económica desafogada, não preenchendo, obviamente, o padrão daqueles que podem beneficiar na totalidade da dispensa do pagamento de preparos e custas'. Considerando, todavia, o 'valor consideravelmente elevado da (...) acção', dispensou-o 'do pagamento de preparos e custas em 60%'. O réu, porém, uma vez que, ainda assim, teria de pagar mais de 1300 contos só de preparos, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, afirmando ser
'imperioso a atribuição (...) do benefício de apoio judiciário na totalidade das modalidades que requereu, sem o que se estará a impossibilitar o seu recurso à Justiça e a violar, entre outros, o disposto nos arts. 1º, N. 1 e 31º, N. 3 todos do Decreto-Lei nº 387-B/87 de 29 de Dezembro, bem como o artigo 20º na Constituição, preceitos que o despacho recorrido claramente violou'. O Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de fls. 2627), porém, por um lado considerando que, em rigor, o despacho recorrido era nulo por insuficiência de fundamentação de facto e por omissão de fundamentação de direito mas, por outro, tendo em conta que podia suprir a nulidade, negou provimento ao recurso. Recorreu então o réu para o Supremo Tribunal de Justiça. De novo foi julgado improcedente o recurso, por acórdão de 3 de Outubro de 1995 (de fls. 2657), segundo o qual 'a matéria de facto alegada e provada não permite a este Tribunal afastar a conclusão das instâncias de que o benefício a conceder ao recorrente não pode ultrapassar os 60% dos montantes a pagar'. Notificado das custas em que foi condenado por este acórdão, veio pedir a respectiva reforma, quanto ao que agora interessa, assim concluindo:
'(...) deve a presente reclamação ser deferida e reformada a conta de modo a:
a) Incluir como valor da causa o da sucumbência;
b) Isso não só por aplicação directa do nº 3 do artº 8º do CCJ mas também por no requerimento inicial do recurso em 1ª Instância se ter referido a sucumbência e um valor;
c) Sendo sempre de aplicar tal valor, mesmo que se considerasse que a indicação do valor da sucumbência não foi inteiramente expresso pois a parte final do nº 3 do artigo 8º e os artigos 16º e seguintes do CCJ são inconstitucionais, o primeiro nestes casos de apoio judiciário, e os restantes sempre, por não estabelecerem limite máximo da taxa de justiça, assim violando todos eles o disposto no artigo 20 da Constituição.
(...)' O pedido de reforma não foi atendido, tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, por acórdão de 9 de Janeiro de 1996, de fls. 2684, que 'a conta, ora reclamada, respeitou os critérios legais de determinação do valor tributário' e que não ocorria a inconstitucionalidade suscitada, quer porque nada na Constituição obrigava à gratuitidade da justiça, quer porque a decisão de que o reclamante tinha capacidade económica para suportar 40% dos encargos respeitava
'o seu direito de acesso à justiça'. Recorreu então J... para o Tribunal Constitucional do acórdão 'que decidiu sobre a reclamação da conta, e por se lhe afigurar ser inconstitucional por violar o disposto no artº 20 da Constituição da República Portuguesa ao aplicar como o fez o disposto na parte final do nº 3 do artigo 8º e os artºs 16º e seguintes do Código das Custas Judiciais'. O recurso foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Já no Tribunal Constitucional, pelo despacho de fls. 2695, o recorrente foi convidado a completar o requerimento. Respondendo ao convite, J... esclareceu que recorria ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e que a inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada havia sido suscitada no requerimento em que pediu a reforma da conta de custas. Notificado para alegar, o recorrente veio sustentar, em síntese, que a aplicação da regra contida no nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais, segundo a qual, nos recursos, caso o recorrente não indique no requerimento de interposição qual o valor da sucumbência, se considera relevante para efeitos de tributação o valor da causa (por conjugação com a al. v) do nº 1 do mesmo artigo), e não o da sucumbência, aos recursos de decisões proferidas no âmbito de pedidos de apoio judiciário põe em causa o princípio constitucional do acesso
à justiça. Em particular, no caso dos autos, essa violação seria flagrante, uma vez que o valor da causa era extraordinariamente elevado e tinha sido concedido ao recorrente a dispensa de suportar 60% dos encargos da lide, quando requereu a concessão de apoio judiciário. Só havia decaído, portanto, em relação a 40% desses encargos. Logo, a conta deveria ter tomado como valor de referência esses
40%, correspondentes à sucumbência, e não o valor total da acção. O seu direito de acesso à justiça, constitucionalmente tutelado (artigo 20º da Constituição), foi, portanto, gravemente atingido com a interpretação e aplicação feita pelo tribunal a quo da parte final do nº 3 do artigo 8º citado. Quanto às normas dos artigos 16º e seguintes do Código das Custas Judiciais, a sua inconstitucionalidade residiria na circunstância de 'não estabelecerem limites máximos para a taxa de justiça o que cria condições objectivas que impedem o acesso ao direito de grande parte dos cidadãos quando as causas são de valor muito elevado'. A imposição de custas de valor muito elevado, possibilitada pela ausência desse limite, poderia implicar 'a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos'; para além disso, o excesso quebraria o princípio de que 'traduzem a contrapartida de um serviço', pondo ainda em causa 'os princípios da segurança, da confiança e da boa fé e da protecção da confiança na previsibilidade do direito (cfr. artigo 2º da Constituição)'. A liberdade de definição dos critérios de cálculo das custas, que cabe ao legislador, não lhe permitiria optar por soluções tão onerosas que impossibilitassem ao cidadão médio o acesso
à justiça, diz, apoiando-se em jurisprudência deste Tribunal.
No caso concreto, a interpretação e aplicação das normas cuja constitucionalidade questiona teriam conduzido a tonar 'o acesso aos tribunais insuportável para o Recorrente, por excessivamente gravoso'. Seriam, por isso, normas 'constitucionalmente ilegítimas'. Os recorridos não contra-alegaram. Ao ter visto do processo, o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser facultada ao Estado, representado pelo Ministério Público, a possibilidade de produzir contra-alegações, por ser o interessado directo em contradizer o recorrente. Notificado para o efeito, veio então o Ministério Público dizer, em síntese, o seguinte: Quanto ao objecto do processo, estarem em causa duas questões: em primeiro lugar, a de saber se 'ofenderá o direito de acesso aos tribunais' a lei que determina que, em matéria de apoio judiciário, se calcule o valor tributário em função do valor da causa, sendo este fixado de acordo, no caso, com o artigo
35º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, sem a definição de um valor máximo possível; em segundo lugar, saber se a imposição ao recorrente, pelo nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais, do ónus de indicar, no requerimento de interposição de recurso, o valor da sucumbência, sob pena de ser considerado o valor da causa para o mesmo efeito, 'colidirá com o direito fundamental estabelecido no artigo 20º da Constituição'. Relativamente à primeira questão, entende o Ministério Público não se poder retirar do texto constitucional e dos seus princípios 'os valores com base nos quais irá ser calculado o concreto montante da taxa de justiça devida pela prestação ou como contrapartida do custo deste serviço público'. A garantia do acesso à justiça é assegurada pelo apoio judiciário, que é concedido em medida adequada à relação entre os custos e as reais possibilidades económicas dos interessados, não sendo lesada pela circunstância de ser muito elevado o valor da causa. No caso concreto, aliás, nunca poderiam estar em causa os critérios estabelecidos pelos artigos 16º e seguintes mas, antes, o disposto na al. v) do vº 1 do artigo 8º, uma vez que está em causa a tributação num incidente de apoio judiciário. Ora a constitucionalidade desta norma não foi questionada pelo recorrente. Finalmente, e ainda quanto à primeira questão, o Ministério Público lembra que não cabe no âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas avaliar 'do acerto ou da razoabilidade das decisões recorridas'. Já quanto à segunda questão, admite o Ministério Público que 'o estabelecimento
– em termos formalmente rígidos e preclusivos – deste ónus de indicação do valor da sucumbência é susceptível de, em certas situações, traduzir restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de acesso à justiça'. Com efeito, a utilidade económica de um recurso, tendo em conta as regras processuais vigente, não pode exceder a do montante da sucumbência. Impor o ónus em apreço, com a consequência de se passar a atender ao valor da causa, quando o objecto do recurso se mantém inalterado, torna desproporcionada a exigência imposta ao recorrente, sobretudo tendo em consideração a consequência do seu não preenchimento. A desproporcionalidade deste ónus é particularmente evidente quando a decisão de que se recorre respeita à concessão (parcial) do apoio judiciário requerido, já que, para efeitos de tributação, vai relevar, caso o ónus não tenha sido cumprido, a parcela em que o tribunal já reconheceu a insuficiência económica do litigante. Mostra-se, assim, violado o artigo 18º da Constituição, porque o nº 3 do artigo 8º, na sua parte final, impõe uma restrição desproporcionada e excessiva ao direito fundamental consagrado no artigo 20º. Conclui, assim, quanto aos dois pontos em questão:
1º- Mostrando-se suficientemente acautelado, através dos mecanismos do apoio judiciário, o acesso à justiça, sem discriminações decorrentes de uma possível insuficiência económica da parte, situa-se no âmbito da discricionaridade legislativa o estabelecimento das taxas de justiça devidas nas várias causas, não sendo inconstitucional a circunstância de os artigos 16º e segs. do Código das Custas Judiciais não estabelecerem limites máximos para as quantias a tal título devidas;
2º- A norma constante da parte final do nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais, ao cominar, em termos estritamente formais e preclusivos, relativamente ao recorrente a quem já foi parcialmente deferido o apoio judiciário, o ónus de indicar no requerimento de interposição de recurso o valor da sucumbência, sob pena de ser tributado pelo valor da acção – sem atentar na margem de insuficiência económica já reconhecida – constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito de acesso à justiça, violadora do artigo 18º da Constituição.
3- Termos em que deverá proceder o presente recurso, no que se refere à questão da alegada inconstitucionalidade do regime constante da parte final do nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais, enquanto aplicado em sede de processos de apoio judiciário'.
2. Corridos os vistos, cumpre decidir. Em primeiro lugar, há que fazer a seguinte prevenção: está decidido, e é inquestionável por este Tribunal, que o recorrente tem capacidade económica para suportar os encargos decorrentes da acção em que é réu – e, portanto, dos recursos que nela forem interpostos. Todas as considerações feitas, nomeadamente nas suas alegações, sobre o acerto desta decisão não podem ser tidas em conta, já que não é a decisão que constitui o objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade mas as normas que nela hajam sido aplicadas. Precisado este ponto, há então que definir com rigor o objecto do recurso, o que, no caso, assume particular relevo porque o recorrente pediu que o Tribunal julgasse inconstitucionais os artigo 16º e seguintes do Código das Custas Judiciais. Trata-se, como é evidente, do Código então vigente, o Decreto-Lei nº nº 44329, de 8 de Maio de 1962, já que o actual, aprovado pelo Decreto-Lei nº
224-A/96, de 26 de Novembro, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997, posteriormente, portanto, ao acórdão recorrido. Com efeito, só podem constituir objecto do recurso de fisclização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, as normas (ou uma sua dimensão interpretativa) cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente durante o processo e que tenham efectivamente sido aplicadas pela decisão recorrida. Assim, constituem objecto do presente recurso:
– a norma, constante da parte final do nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais de 1962, segundo a qual se, no requerimento de interposição de recurso de uma decisão que negou parcialmente o pedido de apoio judiciário, o recorrente não indicar o valor da sucumbência, considera-se relevante, para o efeito da tributação desse recurso, o valor da acção a que respeita o pedido de apoio judiciário (por remissão para a al. v) do nº 1);
– a norma, constante do nº 1 do artigo 35º do mesmo Código, segundo a qual a taxa de justiça a aplicar no mesmo recurso é igual a metade da que consta 'da tabela anexa'. Foi efectivamente em aplicação destas normas que o pedido de reforma da conta de custas foi negado pelo acórdão recorrido. Não se verifica nenhum obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso.
3. Sustenta o recorrente que as normas cuja inconstitucionalidade questiona violam o direito fundamental do acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição. Este Tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a caracterização deste direito na sua dupla dimensão de garantia (de defesa dos direitos) e de imposição ao Estado do dever de assegurar que ninguém fica impedido de aceder à justiça, para essa defesa, por insuficiência de meios económicos (ver, a título de exemplo, o acórdão nº 467/91, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20º, pág. 289 e segs., e J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed., pág. 451 e segs. maxime
456-457), em termos que respeitem o princípio fundamental da igualdade. E já por diversas vezes afirmou que não implica a gratuitidade da justiça, cabendo ao legislador o poder de, na observância deste e de outros princípios (como o da proporcionalidade), definir os custos correspondentes à utilização da máquina da justiça (ver, nomeadamente, os acórdãos nºs 433/87 e 352/91, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10º, pág. 479 e segs., e 19º, pág. 549 e segs., respectivamente, e 495/96, in Diário da República, II Série, de 17 de Julho).
É através do instituto do apoio judiciário, hoje regulado pelo Decreto-Lei nº
387-B/87, de 29 de Dezembro), que o legislador se propôs cumprir esta obrigação de garantir o acesso aos tribunais a quem não disponha de meios económicos que lhe permitam suportar as despesas inerentes. Como justamente se salienta no acórdão nº 495/96 já citado, não sendo necessariamente gratuito o recurso à justiça, não tem o apoio judiciário, naturalmente, de ser prestado a todos os cidadãos; é como que um remédio para a insuficiência económica referida, apenas. Mas se é essa a função deste instituto, então a liberdade do legislador de fixar os custos do acesso à justiça está limitada pela razoabilidade e proporcionalidade – ou seja, neste contexto, pela acessibilidade ao cidadão médio, do ponto de vista das suas disponibilidades económicas, sem ter que recorrer ao apoio judiciário. A definição de custos não acessíveis a essa generalidade tornaria ilegítima – inconstitucional –, justamente por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais, a lei que assim procedesse ( ver, nomeadamente, os acórdãos nºs
467/91 e 495/96, já citados).
4. Estas considerações valem para afastar a alegada inconstitucionalidade, por ausência da fixação de limites máximos, da norma constante do nº 1 do artigo 35º do Código das Custas Judiciais, lida conjuntamente com a tabela anexa, que refere. Segundo este preceito,
'1. As taxas de justiça a aplicar nas apelações, revistas e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções e seus incidentes são iguais a metade das que constam da tabela anexa'. A referida tabela define a taxa de justiça em função do valor da causa, não contemplando, efectivamente, nenhum limite máximo. Sustenta o recorrente que essa ausência, particularmente nas causas de valor muito elevado, em que 'circunstâncias incertas (como seja o montante total a que podem ascender os encargos em acções particularmente onerosas) (...). Principalmente quando são suscitados incidentes, produção de prova complicada, etc. (...)', lesa o direito de acesso à justiça e aos tribunais, sendo, portanto, inconstitucional, 'porque não há limites máximos para a taxa de justiça, pode a concessão de apoio judiciário e o princípio constitucional do acesso ao direito vir a ser esvaziado de conteúdo'. Ora a verdade é que não ocorre, por este motivo, qualquer infracção da lei fundamental, como, aliás, já se julgou no acórdão nº 467/91. Existiria essa inconstitucionalidade se a lei que define o recurso ao apoio judiciário o excluísse nessas circunstâncias; e seria então essa lei, e não a norma em apreciação, que violaria a Constituição. Sempre se diz, todavia, que isso não sucede; a incapacidade económica que justifica a concessão de apoio judiciário é aferida tendo em conta os custos concretos de cada acção e a disponibilidade da parte que o solicita, não estando excluído que seja concedido, em maior ou menor medida, a cidadãos com capacidade económica bem superior à média, se o valor da causa assim o justificar. Este raciocínio vale, como também já decidiu este Tribunal, para a tributação dos recurso interpostos no âmbito de um pedido de concessão de apoio judiciário: como se considerou no acórdão nº 495/96, a propósito da al. v) do nº 1 do artigo
8º do mesmo Código, com plena aplicação à apreciação do nº 1 do artigo 35º,
'estando os processos judiciais sujeitos a custas, e constituindo os incidentes de apoio judiciário um procedimento judicial, encontram-se, também eles, sujeitos a essas mesmas custas, do pagamento das quais sempre ficará isento o requerente quando lhe seja concedido o apoio; já em caso de sucumbência do seu pedido, deverá o interessado suportar as custas do incidente a que deu origem...'. E a verdade, afinal, é que estas considerações genéricas nunca colheriam no presente recurso.
É que, aqui, não está em causa a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas constantes do artigo 16º e seguintes do Código das Custas Judiciais
(como, em relação a algumas delas, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, sucedeu no acórdão nº 467/91), mas sim um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade relativo, tão somente, ao nº 1 do artigo 35º. E, sobretudo, não podemos esquecer que este recurso vem interposto de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça proferida num pedido de reforma da conta de custas, estando (necessariamente) em causa um valor certo e determinado a pagar. Para além disso, note-se ainda que o nº 1 do artigo 35º tem de ser conjugado com o disposto no nº 3 do artigo 8º do mesmo Código, segundo o qual o valor dos recursos, para efeitos de tributação, é apenas o da sucumbência, e que o artigo
42º do mesmo Código prevê a redução da taxa de justiça no incidente do apoio judiciário. Quanto mais não fosse, a redução genérica contida no nº 1 e a possibilidade de redução excepcional prevista no nº 2 chegariam para afastar a acusação, feita pelo recorrente, de que a ausência do referido limite máximo infringiria ainda o princípio de que as taxas de justiça traduzem a contrapartida de um serviço, por poderem atingir montantes elevadíssimos (ver o acórdão nº 467/91 citado, em particular o seu ponto VI). O mesmo se pode dizer quanto às alegadas violações dos 'princípios da segurança, da confiança e da boa fé e da protecção da confiança na previsibilidade do direito', que o recorrente filia no artigo 2º da Constituição, sem todavia concretizar se são ofendidos em alguma medida, para além da alegada violação da garantia do acesso ao direito e aos tribunais. É sabido que este princípio é, efectivamente, uma exigência do princípio do Estado de Direito, cuja afirmação constitucional se encontra no referido artigo 2º. Afastada a violação do nº 1 do artigo 20º, consideram-se igualmente rebatidas aquelas acusações, não se vendo outras que pudessem ser levantadas. Diga-se, a terminar este ponto, que as considerações feitas pelo recorrente relativamente às implicações da inexistência de limites no artigo 35º (por inclusão nos artigos 16º e segs., naturalmente) não seriam decisivas neste recurso. Não foi em virtude da aplicação do disposto no nº 1 do artigo 35º que o recorrente foi condenado num montante tão elevado de custas. Essa regra foi, efectivamente, aplicada para o cálculo, e considerada correctamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, quando indeferiu o pedido de reforma. Mas o que determinou a elevação anormal desse montante foi a inobservância, pelo recorrente, do ónus imposto pelo nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais.
5. Passemos, então, à análise da alegada inconstitucionalidade da norma contida no na parte final do nº 3 do artigo 8º do Código das Custas Judiciais, já atrás definida a propósito do objecto do recurso, aplicada, portanto, a um recurso interposto de uma decisão que negou o pedido de reforma da conta de custas elaborada em recursos de decisões que concederam apenas parcialmente o apoio judiciário requerido (rectius, da decisão que o concedera, quanto à primeira instância, e da que a confirmara, quanto ao Tribunal da Relação de Lisboa), dispensando o requerente 'do pagamento de preparos e custas em 60%'. Segundo o referido nº 3, introduzido no Código das Custas Judiciais pelo artigo
1º do Decreto-Lei nº 387-D/87, de 29 de Dezembro, 'para efeito de tributação dos recursos, o valor da causa mede-se pelo valor da sucumbência'. Esta regra, no fundo, é uma aplicação combinada dos princípios de que o valor de uma causa deve reflectir a sua utilidade económica ( nº 1 do artigo 305º do Código de Processo Civil) e de que o objecto do recurso tem como máxima amplitude 'tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente', constante do nº 2 do artigo 684º do mesmo Código. Impõe este nº 3 ao recorrente, todavia, o ónus (que, no entanto, não tem o efeito de inverter a regra de definição do valor do recurso, como sustenta o recorrente) de, 'no próprio requerimento de interposição de recurso', indicar esse valor, sob pena de ser considerado, antes, o valor definido nos 'números anteriores'. Aplicada esta remissão aos recursos interpostos de decisões tomadas no âmbito de pedidos de apoio judiciário, significa que se considera 'o da acção a que respeita' (al. v) do nº 1 do artigo 8º). O que significa que, se o recurso for interposto de uma decisão que deferiu parcialmente o pedido de apoio judiciário
– reconhecendo, nessa medida, incapacidade económica ao interessado para suportar as despesas decorrentes da lide –, vai ser utilizado como referência um valor que se sabe ser excessivo do ponto de vista dessa incapacidade. Tem, assim, plena razão o Ministério Público quando sustenta que, nesta dimensão, a parte final do nº 3 do artigo 8º lesa o direito de acesso aos tribunais, tutelado pelo nº 1 do artigo 20º da Constituição, sofrendo, portanto, de inconstitucionalidade material. Independentemente de saber se, em recursos interpostos de outras decisões, se justificaria constitucionalmente a imposição deste ónus, cuja razão de ser se situa, apenas, no domínio do formalismo processual, ou se seria desproporcionada
às vantagens conseguidas, a norma que o prevê é, seguramente, inconstitucional na dimensão com que foi aplicada ao caso concreto, pelo menos na medida em que não estabelece a necessidade de convidar o recorrente a indicar o valor da sucumbência. Note-se que foi eliminada pelo actual Código das Custas, como se pode verificar no respectivo artigo 11º.
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do nº 1 do artigo 35º do Código das Custas Judiciais de 1962, o Decreto-Lei nº 44329, de
8 de Maio de 1962, negando, nesta medida, provimento ao recurso;
b) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 1 do artigo 20º da Constituição, a norma constante da parte final do nº 3 do artigo 8º do mesmo Código, quando aplicada em recursos de decisões que concederam apenas parcialmente o apoio judiciário requerido, na medida em que não estabelece a necessidade de convidar o recorrente a indicar o valor da sucumbência, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com este julgamento de inconstitucionalidade. Lisboa, 29 de Abril de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida