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Proc. Nº 53/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrentes V... e outros e como recorrida a C..., EP, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão nº 15/2000, no qual decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações, enquanto determina a actualização da indemnização devida de acordo com a evolução do índice dos preços no consumidor.
Os recorrentes, notificados do referido aresto, requereram a reforma do Acórdão, ao abrigo do artigo 669º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, invocando manifesto lapso 'em diversas qualificações efectuadas no âmbito de categorias jurídico-constitucionais decisivas que, devidamente recortadas, teriam certamente conduzido ao julgamento de inconstitucionalidade, nos termos peticionados'. Na perspectiva dos recorrentes, 'as qualificações menos conseguidas' são as seguintes: A - A tutela constitucional da justa indemnização garantida aos expropriados
(art. 62º da Constituição) implica uma actualização da indemnização jurisdicionalmente fixada de modo a que, para além da desvalorização da moeda, os expropriados sejam compensados pela simultânea indisponibilidade do bem expropriado e do sucedâneo pecuniário entre a produção dos efeitos expropriativos e o pagamento da indemnização. B - A obrigação de indemnizar a cargo das entidades expropriantes ou beneficiárias da expropriação é uma obrigação líquida, pois o Código das Expropriações estabelece expressamente os critérios e a metodologia a adoptar na determinação do seu montante.
A recorrida pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido de reforma. O artigo 669º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, prevê a reforma da sentença quando ocorre manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
Os recorrentes afirmam que o Tribunal Constitucional procedeu a duas
'qualificações menos conseguidas'. Na perspectiva dos recorrentes, a actualização da indemnização jurisdicionalmente fixada implica a compensação pela indisponibilidade do bem expropriado, assim como o sucedâneo pecuniário entre a produção dos efeitos da expropriação e o pagamento da indemnização. Por outro lado, os recorrentes entendem que a obrigação é líquida, na medida em que o Código das Expropriações estabelece os critérios e metodologias a adoptar para determinar o respectivo montante.
Ora, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 15/2000, considerou que, no quadro normativo regulador do processo expropriativo (devidamente descrito, nos seus aspectos relevantes para a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada, no ponto nº 6), a regra contida no nº 2 do artigo
62º da Constituição apenas impõe que a indemnização seja actualizada de modo a colocar o património do expropriado na situação em que se encontraria caso não tivesse ocorrido a expropriação.
De seguida, e confrontando a norma em apreciação com o princípio da igualdade, o Tribunal Constitucional entendeu que a situação dos expropriados, no que respeita ao reconhecimento de um direito ao pagamento de juros legais, equipara-se à de um qualquer credor. Para tanto, o Tribunal procedeu a uma breve descrição dos preceitos do Código Civil relativos à mora do devedor, assim como
à invocação de um Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre uma questão substancialmente idêntica.
Os recorrentes discordam dos fundamentos do Acórdão nº 15/2000. Desse modo, e invocando um manifesto lapso de qualificação jurídica dos factos, afirmam que o Tribunal Constitucional procedeu a duas 'qualificações menos conseguidas'.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que, ainda que se pudesse invocar no caso uma 'qualificação menos conseguida', tal figura, de recorte técnico-jurídico pouco definido, seguramente não se confundiria com um
'manifesto lapso (...) na qualificação jurídica dos factos'. Com efeito, entre as duas expressões existe uma diferença de grau, evidenciada pela própria literalidade, que impede uma total sobreposição das figuras.
Não obstante, e agora decisivamente, cabe reter o seguinte. A alínea a) do nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil prevê a reforma da sentença nas situações de erro manifesto de julgamento de questões de direito, erro esse que terá, portanto, de ser evidente, patente e virtualmente incontrovertível, para que possa fundamentar um pedido de reforma
(verificar-se-ia um erro desta natureza se o Tribunal Constitucional afirmasse, por exemplo, que o direito à justa indemnização em matéria expropriativa tem apenas consagração infraconstitucional, julgando, com esse fundamento, improcedente o recurso de constitucionalidade - cf., dando exemplos semelhantes, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, p. 444).
Já não estará, porém, abrangida pela norma em questão a mera discordância em relação aos fundamentos do juízo formulado pelo Tribunal, já que, após a prolação da decisão, se esgota o poder jurisdicional do Tribunal
(artigo 666º do Código de Processo Civil), apenas sendo possível a alteração do decidido em situações particularmente evidentes de lapso ou erro (cf. artigos
661º, 668º e 669º do Código de Processo Civil).
Confrontando o que os recorrentes afirmam com a fundamentação do Acórdão nº 15/2000, verifica-se que apenas existe um entendimento divergente em relação às questões tratadas. Com efeito, os recorrentes sustentam uma abrangência do direito à indemnização e uma leitura das regras relativas à mora do devedor (e à liquidação da obrigação) que o Tribunal Constitucional, fundamentadamente, não acolheu. Tal divergência não consubstancia, obviamente, a identificação de um manifesto lapso de qualificação jurídica dos factos e não permite, naturalmente, a alteração do Acórdão nº 15/2000, que procedeu à apreciação de todas as questões suscitadas, fundamentadamente, ponderando e respondendo a todos os argumentos invocados pelos recorrentes, com pacífica unanimidade de todos os juizes.
Na verdade, os recorrentes, desvirtuando flagrantemente o mecanismo processual invocado, pretendem uma nova apreciação do objecto do recurso, de modo a obterem uma decisão favorável. Contudo, tal não é possível, não podendo, manifestamente, servir de fundamento ao pedido deduzido o disposto no artigo
669º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Indefere-se, nessa medida, o presente pedido de reforma. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir o pedido de reforma deduzido, confirmando, consequentemente, o Acórdão nº 15/2000.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 10 Ucs. Lisboa, 22 de Março de 2000 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa