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Processo nº 679/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. F. P., com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, do despacho do Mmº Juiz da 7ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, de 5 de Julho de 1999, que declarou perdoado um ano da pena de prisão em que fora condenado, ao abrigo da Lei nº 29/99, de 12 de Maio (chamada Lei da Amnistia), sob a condição resolutiva prevista nos artigos 4º e 5º, nºs 1 e 2 da mesma lei, ou seja, a de no prazo de 90 dias a contar da notificação para esse efeito, reparar o lesado, através do pagamento da indemnização em que foi condenado. O referido despacho reparou, 'nos termos permitidos pelo artº 414º nº 4 do CPP', com base num recurso interposto para o tribunal de relação pela parte assistente, um outro anterior que havia perdoado ao arguido o mesmo tempo de prisão, mas sem a dita condição resolutiva. O arguido e ora recorrente não impugnou, como ele próprio reconhece, dentro do prazo legal, o referido despacho de reparação (artigo 744º, nº 3, do C. P. Civil). Desta segunda decisão, de 5 de Julho de 1999, foi ele notificado no dia 21 do mesmo mês de Julho. Em 6 de Outubro do mesmo ano, considerando que se encontravam esgotados todos os recursos ordinários por haver decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição (cfr. artigo 70º, nº 4, da Lei nº 28/82, na versão do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), suscitou o recorrente perante este Tribunal, por via do competente recurso de constitucionalidade, a questão de inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 5º da citada Lei
29/99 (recorde-se que a reclamação para o Presidente de tribunal de relação se configura como recurso ordinário para efeitos de interposição de recurso de constitucionalidade). No seu entender, e no essencial, tal norma, ao estabelecer como condição resolutiva para a concessão do perdão, o pagamento da indemnização em que o arguido é condenado, coloca em situação de desvantagem aquele que não dispõe de meios económicos para satisfazer essa condição (seria a sua situação) perante aquele outro que a pode satisfazer por dispor desses meios, violando-se assim o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
2. Nas suas alegações adiantou o recorrente as seguintes conclusões condensadas no articulado 47º daquela peça:
'É claro, assim, que na sua globalidade o regime estabelecido equivale, na prática, a cercear os mais desfavorecidos economicamente do beneficio do perdão de penas, em violação do artigo 13°, nº 2 da Constituição: a) A verificação da condição resolutiva prevista no nº 1 do artigo 5° da Lei nº
29/99 de 12 de Maio depende (necessariamente) da disponibilidade de meios económicos para efectuar a reparação do lesado no prazo legal; b) A reparação do lesado, no prazo legal, é pressuposto necessário para a manutenção do perdão; c) Essa reparação só estará ao alcance daqueles que possuam os suficientes meios económicos para tal; d) A norma do artigo 5° da Lei nº 29/99 de 12 de Maio estabelece um tratamento indiferenciado para todas as pessoas prejudicadas pela condição resolutiva, sejam elas ricas ou pobres; e) A única diferenciação de tratamento contemplada na mesma norma tem cariz puramente formal, consistente na possibilidade de prorrogação do prazo para a reparação por 90 dias. f) A igualdade, sendo uma exigência da justiça, não contende com a dualidade de critérios, desprovida de qualquer fundamento material; g) O legislador penal condicionou o beneficio do perdão com absoluta desconsideração material da situação económica dos condenados; h) De facto, ao eleger como facto condicionante a 'reparação ao lesado', traduzi da no pagamento de uma 'indemnização civil', o legislador não contempla de forma minimamente adequada ou proporcionada as situações em que se verifica uma especial debilidade económica do condenado i) A identidade de tratamento legal entre condenados ricos e pobres operada pelo artigo 5° da Lei nº 29/99 de 12 de Maio equivale a discriminação ilegítima, desprovida de qualquer fundamento material, com claro prejuízo para estes
últimos; j) A razão do discrímen de tratamento, com claro prejuízo para os mais carenciados, é exclusivamente económica; k) Esta situação tanto mais grave, na medida em que a condição resolutiva estabelecida na lei é impossível, eis que a ausência de recursos resulta da impossibilidade de trabalho decorrente da privação da liberdade, situação em que se encontra o recorrente, como também todos os outros condenados presos. l) Só a solução de inconstitucionalidade do preceito em causa guarda o conteúdo essencial de sentido ínsito no princípio da igualdade consagrado, em especial, no nº 2 do artigo 13° da Constituição; m) A diferenciação derivada de deficiências económicas com simples apelo a improfícuo critério de forma, em que se traduz, afinal, o alargamento do prazo para reparação, não satisfaz a dimensão substancial de permitir a possibilidade de cidadãos desfavorecidos economicamente beneficiarem do perdão de penas. n) Nenhuma ilegalidade imaginável é mais grave e evidente do que a que resulta da ofensa de direitos fundamentais, os quais indiscutivelmente merecem particular relevo no domínio do direito penal'.
3. Notificado o Ministério Público das alegações do recorrente, levantou aquela entidade nas contra-alegações uma questão prévia: a da intempestividade de interposição do recurso ( para além de sustentar a improcedência do recurso 'por não traduzir solução arbitrária ou discricionária, violadora do princípio da igualdade, a que se traduz em condicionar a outorga ao arguido de medidas de clemência à efectiva reparação dos danos, materiais e morais, causados ao ofendido com o conhecimento do crime'). Pelo seu pertinente interesse transcreve-se o que aquela entidade a tal respeito ponderou:
'O arguido – que se encontra preso – foi notificado da decisão proferida a fls.
35 e segs. no dia 21 de Julho de 1999 (fls. 44), apenas sendo interposto o presente recurso de constitucionalidade em 6 de Outubro seguinte (fls. 46). Não tratou o arguido, no caso dos autos, de impugnar perante a Relação o despacho de reparação proferido sobre o recurso interposto pelo assistente – usando, para tanto, o específico meio impugnatório previsto no artigo 744º do Código de Processo Civil. E efectivamente – perante a nova redacção do nº 4 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (emergente do disposto na Lei nº 13-A/98) – não recaía sobre o arguido o ónus de efectiva exaustão dos recursos ordinários possíveis, bastando que os mesmos, por qualquer razão de natureza procedimental, se mostrassem já precludidos à data da interposição do recurso de constitucionalidade. Questão diversa é, porém, a que consiste em saber se tal regime deverá implicar a atribuição ao recorrente de uma prorrogação legal do prazo para a interposição do recurso de constitucionalidade – contando-se os 10 dias para tal efeito, não da notificação da decisão impugnada (por força do disposto no artigo 685º, nº 1, do Código de Processo Civil) mas do momento em que se torna (aparentemente) definitiva a decisão proferida na ordem dos tribunais judiciais. Pese embora a posição doutamente sustentada por A. Ribeiro Mendes (Recursos, 2ª edição, pág. 332) e a que aderiu o acórdão nº 457/99, da 1ª Secção, temos fundadas reservas que – de um ponto de vista do direito constituído – seja enquadrável a situação dos autos na excepcional prorrogação do prazo para recorrer contida no nº 2 do artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional. É que a hipótese prevista neste preceito é precisamente a oposta à que ocorre no caso dos autos: ter a parte optado pela interposição do recurso ordinário, na sua
óptica possível, confrontando-se com decisão que julga irrecorrível a sentença ou acórdão proferido. Nesta específica situação, bem se compreende a solução legalmente estabelecida no nº 2 daquele artigo 75º, traduzida em contar o prazo para interpor o recurso de constitucionalidade apenas a partir do momento em que se torna definitiva a decisão que não admitiu o recurso ordinário interposto: é que – qualquer outra solução ou regime processual – implicaria que se fizesse recair sobre o recorrente todo o risco decorrente de possíveis interpretações divergentes acerca dos pressupostos de admissibilidade do recurso ordinário que a parte diligentemente procurou esgotar, antes de lançar mão da fiscalização concreta da constitucionalidade. Pelo contrário, na situação de que ora nos ocupamos, não se questiona a efectiva existência de meios impugnatórios da decisão proferida dentro da ordem jurisdicional em que se situa o tribunal que a proferiu, assentando a preclusão de tais vias impugnatórias 'normais' numa voluntária (e discricionária) opção
(expressa ou tácita) do recorrente. Ora – a nosso ver – o regime constante do nº 2 do artigo 75º da Lei nº 28/82 tem de se configurar como claramente excepcional – já que contende (e derroga) com a própria figura do caso julgado – o que inviabilizará, salvo melhor opinião, a sua aplicação analógica a situações que se não enquadram minimamente no âmbito da respectiva previsão normativa: na verdade, decorrido o prazo para interposição do recurso ordinário, com vista à impugnação de certa decisão, proferida no âmbito de determinada ordem jurisdicional, transita em julgado a própria decisão proferida, o que naturalmente é susceptível de inviabilizar a interposição de um recurso de constitucionalidade, que não está perspectivado no nosso ordenamento jurídico como 'recurso extraordinário', que se sobreponha (ou inutilize) o caso julgado formado na ordem dos tribunais judiciais' (e na conclusão 1ª das alegações disse o Ministério Público: 'A norma constante do nº
2 do artigo 75º da Lei nº 28/82, ao determinar a prorrogação do prazo de interposição dos recursos de fiscalização concreta, facultando-os num momento em que, pelas regras gerais, a decisão recorrida teria já transitado em julgado, tem natureza excepcional, não sendo susceptível de extensão, por analogia, a casos diversos dos nela expressamente previstos'). E acrescenta ainda o mesmo Magistrado:
'Uma outra razão conduz ainda à intempestividade do presente recurso, interposto num processo penal em que o arguido se encontra preso – e que, portanto, se configura obviamente como um processo urgente, devendo ser praticados no decurso das férias os actos processuais a ele atinentes (cfr. artigos 43º, nºs 3 e 4, da Lei nº 28/82, na redacção emergente da Lei nº 13º-A/98, artigo 104º, nº 2, do Código de Processo Penal e artigo 144º, nº 1, do Código de Processo Civil (na parte em que determina que se não suspendem durante as férias judiciais os prazos relativos a actos a praticar em processos que a lei considere urgentes) Ora, no caso dos autos, cumpria ao recorrente ter usado o meio impugnatório previsto no artigo 744º do Código de Processo Civil (conjugado com o disposto no nº 4 do artigo 414º do Código de Processo Penal) nos dez dias posteriores à data da notificação da reparação do recurso interposto pelo assistente – ou seja, até
2 de Agosto passado, nos termos do artigo 104º, nº 2, do Código de Processo Penal. E – mesmo na óptica da posição sustentada no acórdão nº 457/99 – deveria ter sido interposto o recurso de constitucionalidade nos dez dias imediatos, ou seja, até ao dia 12 de Agosto, por força da citada norma do artigo 144º, nº 1, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo constitucional (e sendo certo que o nº 4 do citado artigo 43º da Lei do Tribunal Constitucional apenas faculta excepcionalmente a suspensão durante o mês de Agosto dos prazos para apresentação de alegações ou respostas pelos interessados detidos ou presos, não sendo, porém, tal regime aplicável à interposição dos recursos de fiscalização concreta)'.
4. Em resposta à questão prévia suscitada nas contra-alegações do Ministério Público, veio dizer o recorrente (nºs 7º a 17º da resposta):
'Enquadrando-se o caso concreto precisamente na hipótese de o recurso para o Tribunal Constitucional se dar com fundamento em esgotamento dos recursos ordinários por decurso do respectivo prazo sem a respectiva interposição, salta aos olhos a estrita impossibilidade lógica de aplicação da regra geral de contagem de prazos a esta hipótese específica, Com efeito, se o recurso para o Tribunal Constitucional apenas se abre - tornando-se possível - uma vez constatado o esgotamento do prazo de recurso ordinário sem que este haja sido interposto, é óbvio, de modo solar, que o
«dies-a quo» para a contagem do prazo de recurso para o Tribunal Constitucional só pode ocorrer a partir do «dies ad quem» do prazo para a interposição do recurso ordinário da decisão que se impugna, Por outras palavras, se a lei admite o recurso para o Tribunal Constitucional na hipótese de esgotamento do recurso ordinário (de agravo) por decurso do prazo, é logicamente impossível computar o prazo para este recurso a partir do «dies a quo» do prazo da notificação da decisão recorrida (como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO), e isto precisamente porque a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional apenas se inaugura no respectivo «dies ad quem» (por força do citado artigo 70° da Lei n° 28/82), Além disso, como conta o MINISTÉRIO PÚBLICO, pergunta-se, o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na hipótese prevista no nº 4 do artigo 70° (precisamente a do caso vertente), ou seja, a do esgotamento de recurso ordinário pelo decurso do respectivo prazo sem que este haja sido interposto ? Imagine-se, por exemplo, que a notificação da decisão impugnada foi proferida no dia 1 de Janeiro do ano 2000 e que, como sucede na realidade, o prazo para a interposição do recurso ordinário cabível é de 10 dias a contar da notificação da decisão impugnada (por força do disposto no n° 3 do artigo 744° do C PC). O esgotamento do prazo de Recurso Ordinário ocorrerá ao fim do 10° dia a contar da notificação. De harmonia com a «teoria» do MINISTÉRIO PÚBLICO, ou seja, que o «dies a quo» do recurso para o Tribunal Constitucional deve contar-se a partir da notificação ocorrida em 1/1/2000, seria logicamente impossível o recurso para o Tribunal Constitucional com o fundamento em esgotamento do prazo, pois na data em que este último terminaria (igualmente ao fim do 10° dia), também aí extinguir-se-ia a possibilidade de recurso ordinário (verificando-se só então, na mesma data, o necessário requisito de «esgotamento»). Ou seja, posto que tanto o prazo de recurso de agravo como o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional são de 10 dias (arts. 744° n° 3 do CPC e 75° nº 1 da Lei n° 28/82), segundo a contagem do MINISTÉRIO PÚBLICO o necessário esgotamento do prazo para a interposição do agravo nunca aconteceria antes do
'dies a quo» de recurso para o Tribunal Constitucional, tornando-o virtualmente impossível, a não ser (o que não é manifestamente o caso) que o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional excedesse aquele estabelecido para o recurso ordinário de gravo. O aleijão racional da «teoria» do MINISTÉRIO PÚBLICO está em considerar que os dois prazos correm paralelamente, terminando pois no mesmo dia, e não sucessivamente como a lógica impõe se se quiser respeitar ( como seria dever do MINSTÉRIO PÚBLICO fazê-lo) o preceituado no n° 4 do artigo 70° da Lei n° 28/82, que permite o recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento em ' esgotamento». Obviamente não existe aqui qualquer «prorrogação de prazos», nem 'interpretação analógica da lei», mas simples lógica jurídica. O paralogismo per omissione ou per abductione resultou claramente da desconsideração do citado nº 4 do artº 70° (aquele aplicável ao caso concreto), o qual derroga em razão de especialidade a regra geral de contagem de prazos invocada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO' E, quanto à 'outra razão' invocada pelo Ministério Público, relacionada com a natureza urgente do presente processo, veio responder o recorrente do seguinte modo (nºs 18º a 25º da resposta):
'O segundo paralogismo per omissione ou per abductione utilizando na argumentação do MINISTÉRIO PÚBLICO resulta mais uma vez de uma errada aplicação da lei processual penal: a) por um lado quando desvirtua o sentido ínsito constante da norma do nº 2 do artigo 104º do CPP, na redacção da lei vigente; b) por outro lado quando omite no seu raciocínio a norma constante do artigo 5º, nº 2 alínea a) do CPP relativamente à aplicação da lei processual penal no tempo. De novo a premissa de que parte o MINISTÉRIO PÚBLICO é verdadeira e inconteste:
'correm durante as férias judiciais os prazos em processos nos quais devem praticar-se os actos relativos a arguidos detidos ou presos' (artigo 104º, nº 2 do CPP). Simplesmente, o MINISTÉRIO PÚBLICO parece ignorar que desde a sua redacção primitiva tal regra foi construída e desenvolvida exclusivamente em beneficio da defesa, sem que nunca possa ser invocada com o objectivo oposto, sob pena de se estabelecer ( o que não se compreenderia e seria, decerto, inconstitucional) que um arguido preso tivesse menos tempo para recorrer do que se estivesse solto.
É verdade, porém, que a formulação literal da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto veio suprimir a ressalva que havia sido expressamente aditada na parte final do artigo 104° nº 2 do CPP pelo Decreto-Lei n° 317°/95, de 28 de Novembro, que dispunha categoricamente: 'excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa'. Contudo, desde a publicação do citado Decreto-Lei tem sido entendido que o objectivo de tal aditamento foi apenas deixar claro que o prazo para praticar um acto relativo a arguido detido ou preso corre em férias, salvo para a defesa ( e só para ela, sem interferência alheia), pois a mesma pode escolher livremente que o seu acto possa ser praticado em férias ou no prazo normal estabelecido para arguido não detido ou preso. Daí que, mesmo na sua redacção actual, aquela norma contenha uma regra - 'correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) e h) do n. 2 do artigo anterior...' - e uma excepção que se mantém implícita no preceito - 'salvo quando tal possa redundar em prejuízo da defesa', sendo que tal excepção havia sido expressamente aditada pelo Decreto-Lei n° 317°/95, de 28 de Novembro, tendo sido posteriormente suprimida (por desnecessária e redundante) na redacção da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto. Tanto assim é exacto, que se com a supressão da parte final do nº 2 do artigo
104° da lei anterior (pela nova Lei nº 59/98) o legislador penal pretendesse inverter uma regra que indiscutivelmente fora construída e desenvolvida sempre em beneficio da defesa, no sentido de doravante passarem a correr os prazos judiciais em férias ainda que em prejuízo dos arguidos presos ou detidos, como pugna o MINISTÉRIO PÚBLICO, então meritíssimos, convenhamos, certamente o legislador teria optado por revogar a parte final daquele preceito substituindo-a por outra de sentido oposto, por exemplo, 'mesmo que tal possa redundar em prejuízo da defesa', ou 'ainda que em prejuízo da defesa', ao invés de (como fez) ter decidido por simplesmente suprimir a parte final do preceito. Por outro lado, e mesmo que assim, porventura, se não entendesse, a consequência jurídica da interpretação literal do artigo 104°, nº 2 do CPP na sua redacção vigente, como defende o MINISTÉRIO PÚBLICO, seria a sua não aplicação imediata ao caso concreto, dado que isso representaria um agravamento sensível da situação processual do arguido em frontal violação do princípio da legalidade
(artigo 5°, número 2 alínea a) do CPP). Na realidade, em comparação com o regime estabelecido na lei vigente à data do início do processo, a nova lei assim interpretada literalmente equivaleria a cercear um importante prazo de defesa estabelecido a favor dos arguidos presos, não podendo deixar de se concluir que o direito do RECORRENTE continuaria a reger-se pelo mesmo artigo 104°, nº2 do CPP, mas na redacção do anterior Decreto-Lei nº 317/95, ou seja, com a ressalva categórica 'excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa'.
5. Tudo visto, cumpre decidir. Reportando-se sempre a questão prévia suscitada nas contra-alegações do Ministério Público à 'tempestividade do recurso de fiscalização concreta interposto', embora com duas facetas distintas, é indiferente começar por uma ou por outra destas facetas, não havendo qualquer precedência entre elas. Assim, e por mera comodidade, começar-se-á pela tal 'outra razão' que 'conduz ainda à intempestividade do presente recurso, interposto num processo penal em que o arguido se encontra preso', como é o presente caso, podendo já adiantar-se que assiste razão ao Ministério Público. Na verdade, e por aplicação do artigo 43º, nºs 3 e 4 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, naquele tipo de processo, 'os prazos processuais previstos na lei ocorrem em férias judiciais', ressalvando-se apenas, e 'durante o mês de Agosto', o caso de
'apresentação de alegações ou respostas pelos interessados detidos ou presos', suspendendo-se então os prazos nesse mês para o dito efeito. Ora, como sustenta o Ministério Público, ' no caso dos autos, cumpria ao recorrente ter usado o meio impugnatório previsto no artigo 744º do Código de Processo Civil (conjugado com o disposto no nº 4 do artigo 414º do Código de Processo Penal) nos dez dias posteriores à data da notificação da reparação do recurso interposto pelo assistente – ou seja, até 2 de Agosto passado, nos termos do artigo 104º, nº 2, do Código de Processo Penal'.
'E – mesmo na óptica da posição sustentada no acórdão nº 457/99 – deveria ter sido interposto o recurso de constitucionalidade nos dez dias imediatos, ou seja, até ao dia 12 de Agosto, por força da citada norma do artigo 144º, nº 1, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo constitucional (e sendo certo que o nº 4 do citado artigo 43º da Lei do Tribunal Constitucional apenas faculta excepcionalmente a suspensão durante o mês de Agosto dos prazos para apresentação de alegações ou respostas pelos interessados detidos ou presos, não sendo, porém, tal regime aplicável à interposição dos recursos de fiscalização concreta)' E, não tendo sido respeitado pelo recorrente aquele prazo, pois o recurso de constitucionalidade só se mostra interposto em 6 de Outubro de 1999, é fácil concluir pela intempestividade da sua interposição. Registe-se, por último, que, contrariamente ao que pretende sustentar o recorrente, em nada se altera esta posição face ao estatuído no artigo 104º, nº
2, do Código de Processo Penal, que, com a redacção introduzida pela Lei nº
59/98, de 25 de Agosto, reverteu à redacção originária resultante de 1986, pois, como o Tribunal Constitucional decidiu no acórdão nº 353/97 (in Acórdãos, 36º vol., págs. 923 e seguintes) 'se a solução consagrada no nº 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal quanto à contagem dos prazos de recurso em casos de arguidos presos era constitucionalmente conforme na sua versão originária (...), por maioria de razão há-de sê-lo na sua actual redacção' (a resultante do Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro), sendo que, in casu, nada invocou o recorrente quanto a um presumível 'prejuízo de defesa', quando interpôs o recurso de constitucionalidade sem respeito pelo prazo legal. Tanto basta para considerar procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, nesta faceta agora abordada, dispensando-se, assim, o Tribunal de apreciar a outra faceta da mesma questão.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso, por intempestividade, e condena-se o recorrente nos autos, com a taxa de justiça fixada em 6 unidades de conta. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida quanto à questão prévia pelo essencial das razões da declaração de voto de vencida aposta ao Acórdão nº 47/95) José Manuel Cardoso da Costa