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Processo n.º 414/14
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de março de 2014, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante.
2. Na reclamação para a conferência, o reclamante oferece, no essencial, os seguintes argumentos:
«(...)
1. Sempre com o devido e muito respeito, permite-se o Reclamante discordar com o entendimento explanado pelo Venerando Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, quando decide pela não admissão do recurso interposto para este Egrégio Tribunal Constitucional por a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada não haver sido aplicada na decisão que indeferiu a Reclamação apresentada.
2. Isto porque, ainda que com todo o devido e merecido respeito, entende o Recorrente que tal decisão se mostra indevidamente ajuizada, na medida em que, a questão da inconstitucionalidade normativa do art. 43.º do C. Penal, ainda que não tenha sido alvo da douta Decisão de indeferimento da Reclamação, havia sido alvo de decisões anteriores, mormente do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que se teve então como irrecorrível.
3. Donde, e ainda que como bem refere o Venerando Juiz Conselheiro que tal norma, do art. 43.º do C. Penal, não haja sido aplicada naquela douta Decisão, sempre se dirá que a mesma havia sido aplicada, sim, em decisão da qual já não se podia recorrer, diretamente para este Egrégio Tribunal, porquanto os autos se encontravam então no Supremo Tribunal de Justiça, a “aguardar” a decorrência do prazo de trânsito em julgado da Decisão que havia indeferido a reclamação apresentada e não qualquer outra.
4. Motivo pelo qual, só após uma tal Decisão de Indeferimento da Reclamação apresentada se poderia, como se fez, interpor o recurso de constitucionalidade.
5. Mas, no entanto, um tal recurso de inconstitucionalidade não tinha, como não tem, como “alvo” a aludida douta Decisão do STJ, mas sim, como aliás naquele requerimento expressamente se refere, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o qual, sem margem para quaisquer dúvidas, aplicou o dito art. 43.º no sentido que se aponta e se entende como inconstitucional.
6. Pelo que, porque a inconstitucionalidade que se levanta não tem por “base” a Decisão do STJ, mas porque, uma tal Decisão é efetivamente a última proferida, e aquela que levará ao competente trânsito em julgado, em caso de inexistência de uma qualquer reação à mesma, de modo algum se justificava uma qualquer outra atuação ao Recorrente, pois que, conforme havia suscitado perante aquele STJ, que da mesma não conheceu em razão da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, entende-se por inconstitucional a interpretação efetivada do art. 43.º do C. Penal.
7. E, nessa sequência, sempre se entende que a decisão proferida, da qual agora se reclama, se mostra indevidamente ajuizada, pois que, não é aquela a decisão que se “ataca” e porque, o recurso de constitucionalidade, como patente, não tem por alvo um tal douta Decisão, mas antes sim, toda uma interpretação normativa efetivada ao longo de todos os autos.
8. Sendo absolutamente claro e patente do requerimento de interposição de recurso apresentado, qual a questão levantada, no momento em que foi levantada e qual a decisão concreta em que uma tal interpretação que se entende por inconstitucional foi efetivada.
9. Tendo então, o Recorrente especificado, devidamente, qual a questão da inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada, no que ao dito art. 43.º do C. Penal se refere, a qual foi suscitada no decurso do processo.
10. Donde, o juízo de constitucionalidade, ou não, da norma em apreço, e o direito de sindicar e suscitar tal juízo perante este Egrégio Tribunal, sempre incide e advém de todo o processado e não unicamente sobre a aludida Decisão de indeferimento da Reclamação apresentada.
(...)»
3. O reclamante foi condenado em 1.ª instância pelo cometimento de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e, cumulativamente, em 130 dias de multa à taxa de € 6, no montante total de € 780,00.
Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 11 de setembro de 2013, confirmou a decisão recorrida. Seguiu-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não admitido por despacho de fls. 59, com fundamento no preceituado no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal (CPP). O reclamante apresentou, então, reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, louvando-se, para tanto, no seguinte arrazoado:
«(...)
1. Sempre com o devido respeito, permite-se o Reclamante discordar com o entendimento explanado pelo Venerando Sr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, quando alude à irrecorribilidade da decisão proferida por aquela Relação, decidindo assim pela não admissão do recurso interposto pelo Recorrente, ora Reclamante.
Senão porque,
2. Em caso de não admissibilidade do recurso interposto, fica o ora Reclamante completamente desprovido de um qualquer meio legal de “defesa”, chamemos-lhe assim, contra a inconstitucionalidade verificada no douto Acórdão recorrido, no que respeita à interpretação efetivada, em tal douto Acórdão, da norma contida no art. 43.º do C. Penal,
3. Porque efetivada no sentido de se poder entender a suspensão da execução, prevista no art. 50.º C. Penal, como qualquer uma das penas de substituição que aquele art. 43.º impõe sejam aplicadas quando se decide pela condenação em medida inferior a 1 (um) ano de prisão.
4. A que acresce ainda o facto de, poder ficar mesmo precludido o seu direito de Recurso perante o Tribunal Constitucional, no que se refere à por si alegada Inconstitucionalidade verificada no douto Acórdão proferido pela Veneranda Relação do Porto,
5. Porquanto, e por não estarmos perante uma Inconstitucionalidade já anteriormente julgada por aquele Egrégio Tribunal Constitucional, nos termos do preceituado na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei do Tribunal, poderá não ser tomado conhecimento de um seu recurso em tal matéria por se entender não haver tal Inconstitucionalidade sido suscitada durante o processo.
6. Sendo certo que, por se tratar de Inconstitucionalidade verificada no próprio douto Acórdão proferido pela Veneranda Relação do Porto, tal questão teria que ser forçosamente suscitada perante este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, conforme o fez o ora Reclamante.
7. De modo que, e atento o exposto, requer-se a V. Exa. seja admitido o Recurso interposto pelo ora Reclamante, do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
8. Até porque, assim não sucedendo, sempre será de questionar a própria constitucionalidade dos arts. 400.º, n.º 1, als. e) e f) e 432.º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal, na medida em que, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso interposto na parte respeitante a uma eventual inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto do recurso, sempre viola o direito do ora Reclamante ao recurso, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.
9. Pois que, ao não se admitir o Recurso interposto pelo ora Reclamante, o qual tendo por base, desde logo, a violação do preceituado no art. 205.º da CRP, se colocará automaticamente em “xeque” o seu direito de ir perante o Tribunal Constitucional discutir, via recurso próprio para o efeito, a constitucionalidade da interpretação efetuada naquele Acórdão e que fundamentou o mesmo.
(...)»
Por decisão de 19 de fevereiro de 2014, do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi indeferida a reclamação, considerando que:
«(...)
1 – No caso, a conjugação da norma do art. 432.º, n.º 1, alínea b), com as situações de (ir)recorribilidade de decisões da relação definidas no art. 400.º do CPP, determina, por um lado, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, que são irrecorríveis os “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade” e por outro, dispõe a alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo que são irrecorríveis os “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
No caso, o acórdão da Relação, confirmativo da decisão da 1.ª instância que condenara o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução e em pena de multa, não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art. 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.
2 – Por outro lado, não é fundamento de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a eventual inconstitucionalidade do acórdão da Relação, no que respeita à interpretação da norma contida no art. 43.º do CP, conforme vem invocado.
Com efeito, decorre das várias alíneas do n.º 1 do art. 400.º do CPP, por remissão da alínea b) do n.º 1 do art. 432.º do mesmo Código, que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça se afere pela natureza da decisão – os acórdãos condenatórios da 2.ª instância e também os que conheçam, a final, do objeto do processo.
Ora, sendo o acórdão da Relação irrecorrível, nos termos das alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não é a invocação de uma eventual constitucionalidade que transforma esse mesmo acórdão em decisão recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
3 – O reclamante questiona a constitucionalidade dos arts. 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, quando interpretados no sentido da inadmissibilidade do recurso, por violação do art. 32.º da CRP.
Mas sem razão.
O direito ao recurso não é absoluto, tanto mais nos casos em que a questão já foi apreciada em duas instâncias.
E cada vez mais se acentua a tendência para considerar o Supremo Tribunal de Justiça com vocação de Juízo de revista tendo como escopo primeiro o de uniformizar jurisprudência.
Por outro lado, o art. 32.º, n.º 1, da CRP, que inscreve o direito ao recurso como uma garantia de defesa do processo penal, que é de considerar exercido para efeitos constitucionais com o julgamento em segundo grau de jurisdição, como ocorreu no caso dos autos.
(...)»
O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, requerendo a apreciação da seguinte questão de constitucionalidade:
«(...)
Por considerar que o art. 43.º do C. Penal foi interpretado de forma inconstitucional na douta Sentença proferida em 1.ª instância, e ora confirmada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, por violação dos arts. 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto efetivada no sentido de se poder entender a suspensão da execução, prevista no art. 50.º do C. Penal, como qualquer uma das penas de substituição que aquele art. 43.º impõe sejam aplicadas quando se decide pela condenação em medida inferior a 1 (um) ano de prisão.
Na verdade, deverá decidir-se pela inconstitucionalidade do art. 43.º quando, no caso de aplicação de pena de prisão em medida inferior a 1 (um) ano, se interpretar no sentido de se decidir, ao invés do ali legalmente “imposto”, não pela substituição da tal pena de prisão por pena de multa ou outra não privativa da liberdade, mas, pela suspensão da dita pena de prisão na sua execução.
Isto porque, sempre a aplicação daquele art. 43.º do C. Penal só poderá ser afastada no caso de o cumprimento da pena ser exigido para evitar o cometimento futuro de crimes, o que “caiará” perante a não substituição de tal pena mas a sua suspensão na execução, facto claramente revelador da não necessidade do cumprimento de tal pena de prisão.
(...)»
Seguiu-se o despacho de não admissão do recurso, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a fls. 78 dos autos, com fundamento na circunstância de “a norma do art. 43.º do Código Penal, cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada não ter sido aplicada na decisão que indeferiu a reclamação”.
4. O Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação deduzida.
II. Fundamentação
5. Decorre do despacho de fls. 78 que a não admissão do presente recurso de constitucionalidade assentou no facto de a norma cuja constitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada – o artigo 43.º do Código Penal - não ter sido aplicada na decisão recorrida.
Tal despacho não merece qualquer censura, uma vez que, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 7), o reclamante identificou a decisão recorrida como sendo o despacho de fls. 64, ou seja, o despacho que indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP. Ora, o fundamento determinante de tal decisão não foi, como é bom de ver, o artigo 43.º do Código Penal, mas antes o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP, preceito que não integra o objeto do recurso delineado pelo (então) recorrente.
Tanto basta para, atento o caráter instrumental dos recursos de constitucionalidade, indeferir a reclamação apresentada, confirmando o despacho de não admissão do recurso proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III. Decisão
6. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.