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Proc. nº 297/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. M. G. instaurou junto do Tribunal do Trabalho da Comarca de Lisboa acção de impugnação de despedimento contra A.C...., SA.
M. G. reclamou da especificação e do questionário, sustentando que o matéria constante dos quesitos 7º e 8º (nos quais se questionava se as condições de financiamento em vigor na A.C... correspondiam ao aceite de letras e se à data das transacções não havia nenhuma letra vencida por pagar, mas apenas letras com data de vencimento posterior) devia ter sido considerada admitida por acordo, nos termos do artigo 490º, nº 1, do Código de Processo Civil. A reclamação foi indeferida, por despacho de fls. 202 e ss.
O Tribunal do Trabalho de Lisboa, por sentença de 14 de Fevereiro de
1997 (fls. 253 e ss.), julgou a acção improcedente, absolvendo, consequentemente, a ré do pedido.
M. G. requereu a rectificação de um lapso de escrita constante da sentença e interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Fevereiro de
1998, negou provimento ao recurso, remetendo para a fundamentação da sentença recorrida, nos termos do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil.
M. G. requereu a correcção de uma inexactidão do acórdão, assim como a sua aclaração. Tal requerimento foi indeferido por acórdão de 6 de Maio de
1998.
2. M. G. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso apresentadas, sustentou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, por violação do artigo 205º, nº 1, da Constituição. Sustentou também que no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa havia impugnado o despacho que indeferiu a reclamação deduzida contra a especificação e o questionário, matéria sobre a qual o tribunal não se pronunciou, dando assim lugar à nulidade da decisão recorrida.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de Março de 1999, julgou procedente a nulidade arguida, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento da matéria sobre a qual se verificou a omissão de pronúncia. O Supremo Tribunal de Justiça considerou, por outro lado, que a norma do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, não enferma de inconstitucionalidade, julgando, consequentemente, improcedentes os argumentos invocados pelo recorrente.
3. M. G. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça , ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
A. O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/03/99, ora recorrido, decidiu pela não verificação da inconstitucionalidade da norma constante do artº. 713º, nº 5 do CPC, inconstitucionalidade que fora suscitada na sequência da interpretação e aplicação concreta que dela fez o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso de apelação de sentença absolutória proferida na 1ª instância; B. Na verdade, embora o recorrente tenha produzido alegações que punham em causa a própria sentença, à qual assacou vícios e contradições que aquela não considerou, nem podia considerar, limitou-se a Relação de Lisboa a remeter para a sentença e para os respectivos fundamentos; C. Aplicando o referido artº 713º, nº 5, do CPC com uma interpretação que, em concreto, esvazia o dever de fundamentar as decisões judiciais que não sejam de mero expediente a uma mera formalidade sem qualquer conteúdo; D. Assim ofendendo directamente o artº 205º, nº 1, da Constituição, que faz apelo - sob pena de inversão metodológica - a um conceito material de fundamentação, a que a lei ordinária, ou a interpretação que dela num caso concreto se faça, deve obediência.
Por seu turno, a recorrida contra-alegou, sustentando a não inconstitucio-nalidade da norma impugnada e a irrelevância da questão suscitada, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça julgou procedente a nulidade então invocada pelo recorrente.
O recorrente, em resposta à questão prévia suscitada pela recorrida, sustentou a utilidade do recurso, dado a nulidade declarada pelo Supremo Tribunal de Justiça apenas se referir à não pronúncia sobre o despacho que indeferiu a reclamação da especificação e do questionário.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Questão prévia
5. A recorrida sustenta que o presente recurso não tem utilidade, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça julgou procedente uma nulidade invocada no recurso interposto por M. G. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 713º, nº
5, do Código de Processo Civil, que permite a fundamentação por remissão para a decisão recorrida. Relativamente a essa questão, o Supremo Tribunal de Justiça considerou não verificada a inconstitucionalidade arguida durante o processo, tendo decidido, consequentemente, em definitivo a questão da aplicação de tal norma nos presentes autos.
É verdade que o Tribunal da Relação de Lisboa vai ter de se pronunciar sobre a decisão de indeferimento da reclamação da especificação e do questionário. Porém, não terá, necessariamente, por força do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de alterar a sua decisão no que respeita à aplicação da norma ora impugnada nem de reponderar tal decisão.
A questão de constitucionalidade normativa suscitada encontra-se decidida pelas instâncias, não dependendo a sua solução da apreciação da reclamação sobre a qual o Tribunal da Relação de Lisboa vai ter de se pronunciar. Mantém-se, deste modo, a utilidade do presente recurso, pois um eventual juízo de inconstitucionalidade implicará necessariamente a alteração da decisão recorrida na parte em que confirmou a aplicação da norma impugnada.
Julga-se, nessa medida, improcedente a questão prévia suscitada. B A conformidade à Constituição da norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil
6. A conformidade à Constituição da norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade já foi apreciado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 151/99, de 9 de Março (DR, II Série, de 5 de Agosto de 1999).
Com efeito, confrontando nesse aresto a norma em apreço com o disposto no artigo 205º, nº 1, da Constituição, o Tribunal Constitucional considerou que a exigência constitucional em matéria de fundamentação das decisões judiciais 'limita-se a devolver ao legislador ordinário o encargo de definir o âmbito e a extensão do dever de fundamentar, conferindo-lhe ampla margem de liberdade constitutiva', não podendo, porém, tal 'significar, evidentemente, discricionariedade legislativa susceptível de afastar o dever de fundamentar as decisões'.
Por outro lado, o Tribunal entendeu que a norma questionada não elimina a fundamentação judicial, 'porquanto o que se passa é que o tribunal superior recebe ou perfilha os fundamentos indicados pelo tribunal inferior', consagrando-se, assim, 'uma forma célere e simplificada de apreciação, fundamentação e decisão dos recursos'.
Em consequência, o Tribunal Constitucional concluiu pela não inconstitucio-nalidade da norma em apreciação.
7. Nos presentes autos seguir-se-á a linha decisória do aresto mencionado (remetendo-se para a respectiva fundamentação).
O recorrente sustenta, porém, que o tribunal recorrido fez uma interpretação do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, redutora, na medida em que, de acordo com tal interpretação, o Tribunal da Relação de Lisboa não apreciou argumentos apenas apresentados no recurso então interposto e, portanto, não ponderados na decisão da 1ª instância.
Ora, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resulta que o preceito em questão foi interpretado no sentido de somente permitir a fundamentação por remissão quando os fundamentos em que assentou a decisão recorrida conduzirem, sem mais, à decisão do recurso. A interpretação normativa que resulta do acórdão recorrido pressupõe, naturalmente, que os argumentos apresentados no recurso não são, em si mesmos, dada a sua limitada relevância, susceptíveis de alterar a decisão confirmada, não reclamando uma ponderação da razão decisória essencialmente diferente daquela.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Desatender a questão prévia suscitada pelo recorrido; b. Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, negando provimento ao recurso e confirmando, consequentemente, a decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Bravo Serra Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa