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Processo nº 75/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): E... Recorrido(s): R..., Ldª
I. Relatório:
1. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Coimbra, de 16 de Dezembro de 1998, que rejeitou o recurso que o arguido interpusera da sentença da 1ª Instância, que, no processo crime por cheque sem provisão, o tinha condenado a pagar à demandante (dita R...) a quantia de 657.121$00, acrescida de juros, à taxa de 10%, desde 31 de Dezembro de 1995 até efectivo e integral pagamento (tal processo foi mandado arquivar quanto à parte penal).
Pretende o recorrente que se aprecie a constitucionalidade das normas dos artigos 412º e 420º do Código de Processo Penal, interpretadas 'no sentido em que, por falha meramente formal, seja a não subordinação das conclusões a artigos e falta de indicação do sentido em que devessem ser aplicadas as normas violadas, quando é este evidente, fundamentam a rejeição do recurso'.
2. O relator, por entender que se não verificava o pressuposto da suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, nem era caso de dispensar o recorrente do ónus do seu cumprimento, proferiu decisão sumária a não conhecer do recurso.
Desta decisão reclama, agora, o recorrente, pedindo o prosseguimento do recurso, uma vez que – diz – não é 'justificável exigir do recorrente que houvesse antecipado e surpreendido a intencionalidade da aplicação da norma num sentido que a Constituição proíbe, ao arrepio da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como condição necessária da viabilidade do recurso por inconstitucionalidade'.
A recorrida não respondeu.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Na decisão sumária escreveu-se: Pressupostos do recurso interposto são, entre outros, os seguintes:
(a). ter o recorrente suscitado, durante o processo (ou seja: em regra, antes de proferida a decisão de que se recorre), a inconstitucionalidade da interpretação que pretende ver confrontada com a Constituição;
(b). ter a decisão recorrida aplicado as normas que constituem objecto do recurso como suas rationes decidendi, na interpretação cuja inconstitucionalidade fora suscitada. Pois bem: o artigo 412º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal foi, na verdade, aplicado pelo acórdão recorrido, pois – como claramente decorre desse aresto - o que fundamentou a rejeição do recurso foi o facto de as conclusões da motivação não se encontrarem 'formuladas por artigos', 'não havendo nenhuma síntese (resumo) das razões' dos pedidos feitos, como impõe o referido nº 1; e de se não ter acatado a alínea b) do nº 2, uma vez que, 'nesta sede e lugar, o impugnante nada diz sobre o que na norma se exige, limitando-se a indicar secamente e sem mais as normas violadas, não especificando e indicando os erros de interpretação e/ou aplicação das mesmas'. Simplesmente, o recorrente não suscitou, na dita motivação de recurso, a inconstitucionalidade de tais normas – recte, das exigências que elas fazem e que ele não cumpriu. Assim sendo, faltando o pressuposto da suscitação da questão de inconstitucionalidade, durante o processo, não pode conhecer-se do recurso.
É que não é caso de dispensar o recorrente do cumprimento desse ónus: desde logo, porque, dada a clareza do dito artigo 412º, não pode vir invocar-se, como faz o recorrente, 'o carácter imprevisto da decisão' proferida.
5. O recorrente, no propósito de demonstrar que o acórdão recorrido adoptou uma
'interpretação e aplicação' 'surpreendente e imprevista' do artigo 412º do Código de Processo Penal, que, em seu entender, se afasta 'da jurisprudência uniformemente firmada, porventura ao ponto de ofender os preceitos constitucionais relevantes na matéria', cita três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. No sumário de um deles pode ler-se: 'as falhas dos aspectos puramente formais de ossatura das mesmas motivações – encerramento da motivação pelas conclusões, subordinação destas a artigos, e inclusão nelas da indicação das normas violadas – não tem relevo suficiente para conduzir a rejeição do recurso quando sejam facilmente cognoscíveis, pela própria motivação, quais as conclusões e quais as normas que se reputam violadas pela decisão de que se recorre' (acórdão de 9 de Janeiro de 1991). No sumário de um outro, escreveu-se:
'ainda que as conclusões de um recurso não obedeçam rigorosamente ao disposto no nº 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal, se contiverem a indicação do preceito jurídico pretensamente violado, o recurso é motivado' (acórdão de 3 de Fevereiro de 1994). O sumário de outro acórdão (de 8 de Julho de 1991), reza assim: 'a fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal)'. Nada disto, porém, abala a conclusão de que se não deve conhecer do recurso. De facto, o recorrente, durante o processo, não suscitou a inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal, na parte em que, no que aqui importa, exige que a motivação deve terminar pela 'formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido' (nº 1); e em que, quando essas conclusões versem matéria de direito, exige que elas indiquem, sob pena de rejeição – para além das normas violadas –
'o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou e aplicou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada'. Ora, se entendia que essas exigências ofendem 'os preceitos constitucionais relevantes na matéria', devia ele ter suscitado a inconstitucionalidade de tal norma, pois que ela fulmina com a rejeição a falta de indicação do sentido com que foi (e com que devia ser) interpretada cada uma das normas violadas. E fá-lo sem deixar margem a qualquer dúvida.
É, de resto, inútil argumentar com o facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter decidido que, não deve rejeitar-se o recurso quando, não obstante as 'falhas puramente formais' da motivação, é possível ficar a saber-se, 'pela própria motivação, quais as conclusões e quais as normas que se reputam violadas', para, daí, concluir que, no caso, não era exigível que o recorrente suscitasse a inconstitucionalidade da norma em causa. Na verdade, este Tribunal não pode ir ajuizar se a Relação podia ficar a saber quais as conclusões da motivação. Esse é um juízo que escapa aos seus poderes de cognição. E, não podendo fazer esse juízo, nunca podia concluir que a interpretação feita pelo acórdão recorrido era – como pretende o recorrente –
'surpreendente e imprevista'.
No caso, pois, para abrir a via de recurso de constitucionalidade, era exigível que o recorrente, na motivação do recurso para a Relação, tivesse suscitado a inconstitucionalidade da norma por ela aplicada para rejeitar esse recurso. Não
é, por isso, caso de o dispensar do cumprimento do ónus, que ele não cumpriu, da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo. Não pode, assim, conhecer-se do recurso. E, por essa razão, deve confirmar-se a decisão sumária reclamada.
III. Decisão:
3. Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). confirmar a decisão sumária reclamada,
(b). e, em consequência, não conhecer do recurso;
(c). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Abril de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida