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Proc. nº 507/94
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 – H... (ora recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Estado Maior da Força Aérea (ora recorrido), de 9 de Setembro de
1987, que, em decisão de recurso hierárquico, lhe negou o pedido de revisão do processo disciplinar em que lhe foi aplicada a pena de rescisão do contrato que mantinha como agente de 1ª classe da Base Nato de Maceda, Ovar.
2 – O recurso contencioso interposto veio, porém, a ser julgado improcedente, por acórdão da 2ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de
24 de Março de 1992 (fls. 104 a 112).
3 – Inconformado com o assim decidido recorreu o impugnante para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 29 de Setembro de
1994, negou provimento ao recurso interposto, por considerar que não se verificavam os pressupostos necessários ao pedido de revisão do processo disciplinar (fls. 139 a 143).
4 – É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. No respectivo requerimento de interposição (fls. 147) o requerente delimita nos seguintes termos o seu objecto:
'A norma que está em causa é, directamente, o art. 122º, e em especial os nºs 2 e 3 da CR (versão originária, em vigor à altura dos actos em questão nos autos), na leitura que dela se fez no acórdão recorrido e que, na perspectiva do recorrente, viola o correcto entendimento da sanção-inexistência- que o referido nº 3 comina. Outrossim se pretende que o decidido deve ser alterado no que respeita ao art.
76º do RDM, por não terem sido retiradas, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral decretada pelo Acórdão nº 90/88 (DR. I, de 15.3.88), as consequências que dele advém, violando-se, quer o mesmo acórdão, quer as disposições do art. 18º, 2, e 52º da CR em que se funda'.
5 – Notificado para alegar, o que fez, o recorrente concluiu nos seguintes termos:
'A) O acto de rescisão do contrato em causa nos autos é inexistente, nos termos conjugados do art. 122º, nºs 3 e 4 – redacção originária – e do art. 2º, nº 1, al. b), do Dec. 365/70, de 5.8. B) Sem prejuízo da conclusão anterior, a inconstitucionalidade já declarada com força obrigatória geral do art. 76º do RDM leva à necessária reapreciação da rescisão, ex tunc, ou, pelo menos, com efeitos desde aquela data declaração de inconstitucionalidade. C) Com entendimento diferente, o acórdão recorrido violou as normas indicadas e o acórdão do TC que declarou a inconstitucionalidade, daquele art. 76º do RDM, devendo, pois, ser o acórdão do STA anulado.'.
6 – Por parte do recorrido não foi apresentada, dentro do prazo determinado, qualquer alegação.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7 – Questão prévia. A possibilidade de conhecer do objecto do recurso.
Importa, antes de mais, começar por delimitar e decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso. O requerimento de interposição do recurso constitui, de acordo com o que tem sido a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal, o acto idóneo à delimitação do respectivo objecto. Importa, por isso, começar por averiguar quais as normas que, nos termos daquela peça processual, o recorrente pretende ver apreciadas, para, num segundo momento, verificar se estão preenchidos os pressupostos de que depende a possibilidade do conhecimento do objecto assim delimitado.
7.1. - Começa o recorrente por referir, no requerimento de interposição do recurso, que 'A norma que está em causa é, directamente, o art. 122º, e em especial os nºs 2 e 3 da CR (versão originária, em vigor à altura dos actos em questão nos autos), na leitura que dela se fez no acórdão recorrido e que, na perspectiva do recorrente, viola o correcto entendimento da sanção
-inexistência- que o referido nº 3 comina'.
É, porém, manifesto, que o recorrente não identifica, neste ponto, nenhuma norma
– ou dimensão normativa – cuja constitucionalidade pretenda ver apreciada por este Tribunal. A única referência normativa que é feita refere-se ao artigo
122º, nºs 2 e 3 da Constituição. Acrescenta ainda o recorrente que 'Outrossim se pretende que o decidido deve ser alterado no que respeita ao art. 76º do RDM, por não terem sido retiradas, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral decretada pelo Acórdão nº
90/88 (DR. I, de 15.3.88), as consequências que dele advém, violando-se, quer o mesmo acórdão, quer as disposições do art. 18º, 2, e 52º da CR em que se funda'. Também nesta parte o recorrente não identifica claramente a norma - ou dimensão normativa - cuja constitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal. Pode, contudo - embora não sem dificuldade - entender-se que nesta parte o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da interpretação que, no seu entender, a decisão recorrida deu ao artigo 76º do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), por entender que a norma que nessa interpretação se extrai do referido preceito viola quer a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral decretada pelo acórdão nº 90/88, quer os artigos 18º, nº 2 e
52º da Constituição. A admitir-se que o recorrente identificou ali suficientemente uma norma (o artigo 76º do RDM) cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, importa contudo averiguar se estão preenchidos os pressupostos de que depende a possibilidade do conhecimento do objecto assim delimitado.
7.2. - Objecto do recurso interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da LTC é a questão da inconstitucionalidade de norma - ou dimensão normativa - de que a decisão recorrida faça efectiva aplicação. A apreciação por este Tribunal de uma questão de inconstitucionalidade suscitada ao abrigo daquela alínea b) está, em suma, condicionada à demonstração da efectiva aplicação pela decisão recorrida da(s) norma(s) cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada (cfr., entre inúmeros nesse sentido, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 367/94 e 364/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., pp. 147 e ss. e Diário da República, II Série, de 9 de Maio de 1996, respectivamente). No caso concreto a verificação daquele pressuposto de admissibilidade do recurso implica a demonstração de que a decisão recorrida – a decisão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Setembro de 1994 – aplicou efectivamente, como razão de decidir, o artigo 76º do RDM, com o sentido que o recorrente arguiu de inconstitucional. Vejamos então. O artigo 76º do RDM, tem o seguinte teor: Artigo 76º
(Responsabilidade disciplinar de anomalias relativas a queixas) Quando manifestamente se reconheça que não houve fundamento para a queixa ou se mostre que houve propósito malicioso da parte do queixoso na sua apresentação, será o militar que tiver usado deste meio punido disciplinarmente, devendo tomar a iniciativa, para esse fim, a autoridade a quem for dirigida a queixa.
É, porém, manifesto, como vai ver-se, que a decisão recorrida não aplicou, como razão de decidir, o preceito supra transcrito. Para o demonstrar basta transcrever a parte da decisão recorrida em que esta delimita o objecto do recurso:
'Muito embora impugne o acto de 9-9-87 que denegou revisão de processo disciplinar, já na petição o recorrente suscita as 'questões prévias' de inexistência da rescisão contratual e prescrição. No acórdão agora recorrido afastaram-se essas questões prévias, considerando-se que elas estavam cobertas pelo caso julgado do STM, só havendo que apreciar se havia fundamento para a pedida revisão do processo disciplinar. O recorrente insiste porém no mesmo ponto. Aceita haver caso julgado do STM quanto ao aspecto disciplinar mas não quanto ao aspecto administrativo (rescisão do contrato) (pontos 1 a 3 das alegações). Acrescenta ainda que no STM não foram versadas as questões ora suscitadas da inexistência por falta de publicidade e da inconstitucionalidade do art. 76º do RDM. Como se escreveu no acórdão deste Tribunal de 9-6-83 (fls. 62 e ss.), o acto administrativo que operou a rescisão do contrato foi o despacho do CEMFA de
16-5-80. Entendeu-se haver justa causa, apurada em processo disciplinar. Interposto recurso para o STM, este Tribunal decidiu que o recorrente incorrera em sanção disciplinar nos termos do art. 76º do RDM, negando provimento ao recurso. Deve assim entender-se, continua o citado acórdão do STA, que o STM confirmou o despacho CEMFA de 21-9-79 (o despacho de rescisão que depois foi confirmado pelo despacho de 16-5-80). Está assente em sede de matéria de facto (supra II-H e I) que o STM negou provimento ao recurso interposto dos actos de 21-9-79 e 16-5-80. Transitada em julgado uma sentença que firmou na ordem jurídica o despacho de rescisão, não pode agora pôr-se em causa o julgado com base em argumentos não utilizados no momento oportuno – vide J. de Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 152 e ss. Não podemos assim apreciar as pretendidas 'questões prévias'. Bem andou pois a Secção ao limitar a sua análise ao despacho impugnado de 9-9-87 que denegou a pedida revisão do processo disciplinar.
Entendeu a decisão recorrida, em suma, não poder conhecer do objecto do recurso na parte em que o recorrente pretendia ver apreciadas um conjunto de questões
(nulidade, inexistência da pena e da rescisão contratual por falta de publicidade e por prescrição, inconstitucionalidade do artigo 76º do RDM) relacionadas com o decidido na sequência do processo disciplinar que terminou com a aplicação ao recorrente da pena de rescisão do contrato que este mantinha como agente de 1ª classe da Base Nato de Maceda, Ovar. Nessa medida limitou a decisão recorrida o objecto do recurso à análise da questão de saber se se verificavam os pressupostos de que a lei faz depender a requerida revisão do processo disciplinar. E para decidir esta questão – em sentido contrário ao da pretensão do recorrente – manifestamente não utilizou, como ratio decidendi, o artigo 76º do RDM, que, como se viu já, nada dispõe acerca dos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de revisão do processo disciplinar. E, não tendo a decisão recorrida aplicado o artigo 76º do RDM, não pode agora o Tribunal Constitucional conhecer, de acordo com a jurisprudência antes expressa, do objecto do recurso, por falta de um dos seus pressupostos de admissibilidade; a saber: ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, a norma – ou dimensão normativa – arguida de inconstitucional pelo recorrente durante o processo.
III - Decisão Assim, e pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta. Lisboa, 12 de Maio de 1999 José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com dispensa de visto) José Manuel Cardoso da Costa