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Proc. nº 492/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A..., AS..., AC..., AP..., F..., FP..., J..., JB..., S..., V..., VF... e VS..., interpuseram junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa acção com processo ordinário contra o Estado Português e C..., EP, pedindo a condenação dos réus no pagamento de indemnizações por despedimento, remuneração equivalente
à falta de aviso prévio e actualizações do valor da moeda.
O Tribunal do Trabalho de Lisboa, por sentença de 4 de Outubro de
1996, julgou procedente a excepção de prescrição, absolvendo os réus do pedido.
2. Os autores interpuseram recurso de apelação da sentença de 4 de Outubro de 1996, para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 3 de Julho de 1997, negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.
3. Os autores interpuseram recurso de constitucionalidade do acõrdão de 3 de Julho de 1997, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que a decisão recorrida fez aplicação implícita da norma contida na alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio (norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 162/95).
Junto do Tribunal Constitucional os recorrentes alegaram, tendo tirado as seguintes conclusões: O Acórdão recorrido, ao ter decidido como decidiu, fez aplicação implícita da norma da alínea c) do nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95, publicado no Diário da República, I série, de 8 de Maio de 1995. Na verdade, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de uma norma jurídica, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional - nº 1 do artigo 282º da Constituição da República Portuguesa - ficando a norma declarada inconstitucional ferida de nulidade. Sendo a norma nula desde a origem por efeito da inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos não somente os efeitos directamente produzidos por ela, mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo. Ou seja, é também inválida a 'cessação' dos contratos de trabalho, imposta pela norma atrás citada e declarada inconstitucional. Ora, o Acórdão recorrido, ao considerar que os contratos de trabalho com os AA. cessaram em 7.5.85 e que quando a acção foi proposta, há longo tempo havia decorrido o prazo prescricional previsto no artigo 38º do DL 49408, está a aplicar implicitamente a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio. No Acórdão recorrido afirma-se que o prazo de prescrição começa a correr com a cessação factual da relação laboral, independentemente de o acto jurídico que lhe deu causa, ser lícito ou ilícito, válido ou nulo. Não é assim no caso em apreço, na medida em que foi proferida declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma jurídica e em que os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade retroagem ao momento da entrada em vigor da norma declarada inconstitucional. Nestes casos prevalece o preceito constitucional que estabelece a regra da retroactividade dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Pelo que, no caso 'sub judice' não se concretizou a cessação dos contratos de trabalho, mantendo-se os mesmos em vigor. O Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 528/96, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Julho de 1996, fixou o sentido e o alcance com que deve ser interpretada a declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 162/95. Nele se pode ler o seguinte:
'Na verdade, tal declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, impede, pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo. ' Significa isto, que não tendo sido paga aos trabalhadores a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo, os contratos de trabalho não se extinguiram. Em 10.7.97, o Tribunal Constitucional apreciando um recurso de constitucionalidade, idêntico ao dos presentes autos, proferiu o Acórdão nº
513/97, no qual decidiu que a decisão recorrida - em tudo idêntica à do acórdão agora recorrido - 'envolve aplicação pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma, proferida no Acórdão nº 162/95 deste Tribunal, publicado no DR, IS-A, de 8 de Maio de 1995.' Em 30.10.97, nos autos de recurso nº 507/97, 2ª Secção, processo também idêntico ao dos presentes autos, o Tribunal Constitucional entendeu que '... só aplicando deforma implícita a norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, é possível suspeitar, de um ponto de vista lógico-jurídico, que o prazo prescricional previsto naquele artigo 38º se iniciara e completara cerca de dez anos antes da publicação do acórdão nº 162/95. ' Pelo exposto, sustentam os recorrentes que o Acórdão recorrido, ao ter julgado prescritos os seus créditos, fez aplicação implícita da norma da alínea c) do nº
1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.
Por seu turno, a recorrida C... contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo:
O Acórdão recorrido não fez aplicação implícita da norma constante do art. 4º, nº 1, al. c) do DL 137/85, de 3 de Maio.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. A 1ª Secção do Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente sobre uma questão idêntica à dos presentes autos. Com efeito, no Acórdão nº
513/97 (inédito), o Tribunal considerou que a norma contida no artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio (declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 162/95, publicado no D.R., I Série, de 8 de Maio de 1995), foi aplicada pela decisão recorrida, na medida em que nesta se entendeu que 'o prazo prescricional de um ano, aplicável aos créditos que os recorrentes pretendiam fazer valer em juízo, já se tinha esgotado à data da propositura da acção, que foi posterior à data da publicação da declaração de inconstitucionalidade'.
O Tribunal Constitucional considerou ainda que tal entendimento não corresponde ao sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade contida no Acórdão nº 162/95 e explicitado no Acórdão nº 528/96 (D.R., II Série, de 18 de Julho de 1996), uma vez que, de acordo com tal explicitação, o alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade 'é o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas C... e CN... ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo'.
Ora, resultando da declaração de inconstitucionalidade que as normas contidas nos artigos 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, e 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 138/85, ambos de 3 de Maio, eram inconstitucionais por negarem aos trabalhadores das extintas empresas CN... e C... o direito a uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo, também não poderia vir a admitir-se que o direito a indemnização negado por aquele regime (de modo inconstitucional) poderia ter prescrito através do decurso de um prazo contado a partir de qualquer momento anterior à própria declaração de inconstitucionalidade, nomeadamente a partir do momento da aplicação do regime inconstitucional.
Deste modo, corresponde a uma desaplicação da declaração de inconstitucionalidade a decisão segundo a qual seria aplicável o prazo prescricional de um ano aos créditos que os recorrentes pretendiam fazer valer em juízo, a partir da data da cessação dos contratos de trabalho.
III Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada por forma a que nos autos se faça a aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, constante do Acórdão deste Tribunal nº 162/95, com o sentido explicitado no Acórdão nº 528/96.
________________ Lisboa, 16 de Junho de 1998 Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Artur Mauricio Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Paulo MOta Pinto José Manuel Cardoso da Costa