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Proc. nº 447/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. J... interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro da Justiça, datado de 2 de Dezembro de 1988, que lhe indeferiu um pedido de atribuição de subsídio de risco, arguindo o vício de incompetência de tal acto porquanto, no seu entender, a apreciação da sua pretensão deveria ter sido efectuada por meio de despacho conjunto do Ministro da Justiça, do Ministro da Presidência e do Ministro das Finanças, nos termos do Decreto-Regulamentar nº
38/82, de 7 de Julho.
Por acórdão de 27 de Novembro de 1990, o STA negou provimento a esse recurso.
2. Inconformado, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA que, por acórdão de 11 de Dezembro de 1996, negou provimento ao recurso.
Como se pode ler nessa decisão:
O aresto sub-judice, realçando embora o seu carácter espúrio e de duvidosa legalidade e constitucionali-dade, avança uma explicação histórico-conjuntural para a dimanação de disposições normativas congéneres, ao obtemperar pela forma lapidar seguinte:
'... Como é sabido, normas deste tipo, em certa época usuais em diplomas legislativos e regulamentares do Governo, depois caídas em desuso por se haverem suscitado na doutrina e na jurisprudência dúvidas sobre a sua legalidade - conf. Oliveira Ascensão in 'O Direito, Introdução e Teoria Geral,
2ª ed., pág. 441 - e por fim inconstitucionalizadas (conf. artº 115 nº 5 da CRP), consagravam formas típicas de interpretação autêntica dos diplomas em que se inseriam.
[...]
Não eram pois normas de competên-cia para a prática de actos adminis-trativos concretos de aplicação das normas desses diplomas, e que, na ausência de declaração expressa do legislador, cabe aos órgãos da administração dos departamentos cujas atribuições englobam a realização dos interesses públicos que essas normas visam prosseguir'(sic).
Tratava-se pois de uma competência deferida com o objectivo de as entidades do topo da hierarquia emitirem normas interpretativas de carácter genérico, para que os serviços dependentes as tomassem na devida conta na apreciação casuística de situações análogas. despachos genéricos, pois, de carácter interno que não estatuições destinadas a produzir efeitos imediatos na esfera jurídica dos administrados.
Na hipótese vertente, objecto do recurso contencioso, o administrado endereçara a sua pretensão de concessão do subsídio de risco ao Director-Geral dos Serviços Prisionais cujos serviços instruíram o processo gracioso e o remeteram oportunamente ao Ministro da Justiça para decisão final. E dúvidas não restam de que a atribuição do subsídio de risco a um funcionário da Direcção Geral dos Serviços Prisionais era matéria da competência administrativa da entidade com poderes de decisão final, ou seja aquela entidade governamental, desde logo por força do disposto no artº 202º al. e) da CRP.
A prolação desse acto final não foi operada ao abrigo do questionado e supra-citado artº 8º do DRGU 38/82 de 7/7, mas sim ao abrigo da competência administrativa do governo constitucio-nalmente consagrada, com tradução na lei ordinária no citado DRGU 38/82 de 7/7 (artºs 1º e 2º al. e) ).
Ademais, relativamente aos pressu-postos de facto e de direito do acto impugnado, e face aos elementos disponí-veis carreados para o processo instrutor, o aresto em análise considerou, inciden-talmente, que a autoridade recorrida se limitou a verificar não se haver provado que o Instituto de Criminologia - onde o recorrente prestava serviço - se localizasse no interior do Estabeleci-mento Prisional de Coimbra nem se revelava ostensivamente errada a afirmação de que actividade funcional do requerente - ora recorrente - não envolvia uma especial situação de risco, pelo que a sua situação individual não se podia subsumir nas hipóteses normativas que previam a concessão do subsídio de risco a funcionários do Serviços Prisionais, hipóteses essas que eram as contempladas nos artºs 1º e 2º e não no artº 8º do referido Regulamento.
3. Inconformado, o reclamante interpôs recurso de constitucionalidade dessa decisão para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC, «quanto à parte [do acórdão recorrido] que considera 'inconstituciona-lizadas' as normas do tipo daquela que integra o art.
8º do D.R. 38/82 de 7.7».
Por despacho de 20 de Maio de 1997, o relator do STA não admitiu esse recurso.
Não se conformando com tal despacho, o recorrente veio dele reclamar com os seguintes fundamentos:
O Supremo Tribunal Administrativo recusou de facto a aplicação da norma que integra o art. 8º do Dec. Reg. 38/82 de 7.7 e por isso não reconheceu a existência do vício de incompetência assacado ao acto recorrido, porque concluiu que normas desse tipo consagram uma forma de interpretação autêntica proibida pelo disposto no art. 115º 5. da Constituição da República Portuguesa
[...]
Ao Tribunal Constitucional não compete apenas declarar se é ou não constitucional a norma que integra o art. 8º do Dec. Reg. 38/82 de 7.7, que o STA se recusou a aplicar por força do pressu-posto jurídico-constitucional errado de que partiu, mas também se tal norma atribui ou não competência para a prática de actos administrativos concretos, se consagra ou não uma qualquer forma de interpretação autêntica de lei e ainda se a ela se aplica ou não o disposto no art. 11º 5. da Const. da Rep. Port.;
Por acórdão de 24 de Junho de 1997, o STA, em conferência, decidiu manter o despacho reclamado, considerando que:
Em suma: não só o Tribunal não recusou a aplicação de qualquer norma concreta com fundamento em inconstitu-cionalidade, como não aplicou concre-tamente qualquer norma cuja inconstitu-cionalidade houvesse sido suscitada durante o processo pelo que é legalmente inadmissível o recurso.
Novamente inconformado, o recorrente reclamou também desse aresto para o Tribunal Constitucional, nos mesmos termos da anterior reclamação.
4. Já neste Tribunal, entendeu o Ministério Público no seu visto:
Na verdade, o acórdão de que se pretendeu recorrer fundou claramente o decidido - não na norma que constitui objecto do recurso de constitucionalidade - mas na constante dos arts. 1º e 2º, alínea e), do Dec. Regulamentar nº 38/82, de 7/7, ao entender que a prolação do acto administrativo impugnado foi operada ao abrigo da competência da entidade governamental que superintende no serviço a que fora endereçada a pretensão referente ao subsídio de risco: o Ministro da Justiça.
Pelo contrário, na óptica da decisão recorrida, a norma constante do art. 8º daquele decreto regulamentar reportar-se-ia à atribuição a determinados membros do Governo - não de uma competência para a prática de concretos actos administrativos - mas de um verdadeiro 'poder regulamentar', traduzido em facultar a entidades do topo da hierarquia administrativa a emissão de normas interpretativas de carácter genérico e eficácia meramente interna, vinculativas apenas para os serviços - e não para os administrados. E tal 'poder regulamentar', segundo o mesmo aresto, não foi - nem tinha de ser exercido - numa situação em que estava apenas em causa a apreciação de uma concreta pretensão, inteiramente situada no âmbito de serviços integrados no Ministério da Justiça.
Ora, não tendo a norma constante do citado art. 8º sido efectivamente aplicada à dirimação do litígio, é evidente que qualquer consideração 'lateral' acerca da sua possível incons-titucionalidade - expressa na afirmação de que seria duvidosa a sua conformidade com o disposto no art. 115º, nº 5, da CRP - tem de ser havida, não como 'recusa de aplicação', mas como irrelevante 'obiter dictum', insusceptível de fundar a interposição do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Verifica-se nos autos a existência de duas reclamações, uma do despacho do relator que não admitiu o recurso de constitucionalidade, a outra do acórdão em conferência que confirmou aquele despacho. Ora, só da primeira haverá que conhecer, sendo a segunda (aliás, mera repetição da anterior) acto inútil.
É manifesto que não assiste qualquer razão ao reclamante.
Com efeito, o acórdão recorrido não procedeu a qualquer recusa de aplicação da norma em causa - o artigo 8º do Decreto Regulamentar nº 38/82, - com fundamento na sua inconstitucionalidade. Considerou, apenas, que normas
'daquele tipo' haviam sido 'inconstitucionalizadas', face ao artigo 115º, nº 5, da Lei Fundamental, não sendo o caso sub judice enquadrável na previsão normativa daquele preceito.
A consideração expendida no aresto recorrido de que aquele tipo de normas - que não, em concreto, aquela norma -, poderiam ser inconstitucionais não constituiu o essencial fundamento da decisão, não se configurando assim como uma verdadeira recusa de aplicação de norma com origem na sua inconstitucionalidade, por forma a abrir a via do recurso de constitucionalidade, antes surgindo como mero «obiter dictum».
Na verdade, as normas aplicadas na decisão recorrida foram as constantes dos artigos 1º e 2º, alínea e), do Decreto-Regulamentar nº 38/82, de
7 de Julho. O que aí se considerou foi que a «prolação desse acto final não foi operada ao abrigo do questionado e supra-citado artº 8º do DRGU 38/82 de 7/7, mas sim ao abrigo da competência administrativa do governo constitucionalmente consagrada, com tradução na lei ordinária no citado DRGU 38/82 de 7/7 (artºs 1º e 2º al.e) ).» E aí se concluiu ainda que a situação do recorrente, ora reclamante, «não se podia subsumir nas hipóteses normativas que previam a concessão» daquele subsídio, «hipóteses essas que eram as contempladas nos artºs
1º e 2º e não no artº 8º do referido Regulamento».
Como claramente se vê, fundamento da decisão recorrida foi o facto de o reclamante não reunir as condições necessárias para preencher as hipóteses de atribuição do subsídio de risco, hipóteses essas previstas naqueles artigos
1º e 2º, alínea e). Ou seja, não se entendeu que o Ministro da Justiça tivesse feito uso da competência normativa prevista no artigo 8º do referido regulamento, antes se considerou que praticara acto administrativo individual e concreto.
III - DECISÃO
6. Termos em que se decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.
Lisboa 4 de Fevereiro de 1998 Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa