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Processo n.º 1259/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., S.L. e recorrida a B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão.
2. Pela Decisão Sumária n.º 66/2014, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação (cfr. fls. 522-523 dos presentes autos)
«(…)
5. Ao recorrente cabe o ónus de especificação do tipo de recurso de fiscalização concreta que pretende interpor para o Tribunal Constitucional, sendo a indicação pelo recorrente, no requerimento de interposição de recurso, da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo do recurso é interposto, que fixa o tipo de recurso interposto para este Tribunal.
6. Tendo o recorrente interposto recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como consta expressamente do seu requerimento de interposição de recurso (cfr. n.º 1) – é por referência ao tipo de recurso identificado naquela alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que devem ser apreciados os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
7. Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais «Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade».
Ora da leitura do acórdão recorrido decorre que este não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade e, assim, não recusou a aplicação, com aquele fundamento, da norma indicada pelo recorrente, no n.º 3 do seu requerimento, «para os efeitos do n.º 1 do disposto no artigo 75.º-A» da LTC – o «artigo 721.º-A, nº2, alíneas c) do Código de processo Civil».
Pelo que é manifesto que falta o pressuposto essencial da admissibilidade do recurso, pelo que dele não se pode conhecer.»
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando o seguinte (cfr. fls. 527-530):
«1) A Recorrente requereu a interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional junto do Tribunal a quo, em 28.10.2013,
2) No requerimento de interposição a Recorrente indica quando motivo do recurso “… indica-se que se pretende com o presente Recurso que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 721°-A, n.º 2 alínea c) do Código do Processo Civil, na interpretação feita no Acórdão recorrido, ao ter rejeitado a revista excecional por não terem sido juntas certidões dos ac6rdãos-fundamento, com nota do trânsito em julgado'
3) No entanto, por lapso a Recorrente mencionou que o fazia ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da LCT,
4) No entanto, apesar indicar a alínea a) do artigo 70° da LCT o que a Recorrente pretendia com o Recurso para o Tribunal Constitucional era indicar que fosse apreciada a inconstitucionalidade do artigo 721°-A, n.º 2, alínea c) do CPC, na interpretação feita pelo Acórdão- recorrido, nos termos do disposto na alínea b) do referido artigo 70° da Lei 'da Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional.
4) De resto, do conteúdo do requerimento interposto outra coisa não se pode concluir.
5) Ou seja, o que a Recorrente pretende com o presente recurso para o Tribunal Constitucional é que seja apreciada a inconstitucionalidade do artigo 721°-A, n.º 2, alínea c) do CPC, na interpretação feita no Acórdão recorrido.
6) Resulta do disposto no artigo 75°-A, n.º 5, da LCT 'se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias',
7) Acrescenta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LCT que 'O disposto nos números anteriores é aplicável pelo Relator no Tribunal constitucional, quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não tiver feito o convite referido no n.º 5',
8) Ou seja, se a Recorrente se tivesse esquecido de referir a alínea, era convidada a indicar,
9) Uma vez que por lapso escreveu alínea a) em vez de b), apesar do teor do requerimento se subsumir indubitavelmente à alínea b) do artigo 70° da LCT, é-lhe negado o direito de recorrer.
10) Se a lei reconhece o convite ao aperfeiçoamento em caso de omissão, por maioria de razão, deverá convidar-se ao aperfeiçoamento no caso de contradição evidente.
11) Nem se compreende como é defensável nos dias de hoje que a justiça formal se sobreponha à justiça material.
12) De resto, o timbre do legislador nas mais recentes alterações processuais, prima pela verdade material em detrimento da verdade formal.
13) Veja-se, a titulo de exemplo, o artigo 146° do CPC, com as alterações introduzidas pela lei 41/2013, de 26 de Junho, que consagra a possibilidade das partes retificarem 'erros de cálculo ou de escrita, revelados no texto da peça processual apresentada' e n.º2 desta norma 'deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não impliquem nenhum prejuízo relevante para o regular andamento da causa'.
14) É também esta a tónica que inspira a redação dos nº 5 e 6 do artigo 75°-A da LTC.
16) E deverá ser essa a tónica a presidir às decisões judiciais, pois é um poder-dever dos juízes convidar as partes a perfeiçoarem os seus articulados, aclararem ou retificarem eventuais lapsos evidentes.
17) Assim, não conhecer do recurso interposto para este Tribunal é uma negação infundada do direito à justiça e acesso ao direito - direito constitucionalmente consagrado no artigo 20° da CRP e previsto na Declaração Universal dos direitos do Homem - artigos 20.º e 10.º da DUDH e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 6.
Acresce que:
18) Conforme já alegado a recorrente pretende que este recurso seja admitido com base na alínea b) do artigo 70.º da LCT, e não na alínea a) que por lapso se indicou no requerimento de recurso.
Posto isto:
19) Entendeu o STJ rejeitar o Recurso de Revista Excecional com o seguinte fundamento: '...O n.º 1 do artigo 684°-B do CPC impõe que, na interposição do recurso de revista excecional se indique o respetivo fundamento. No, requerimento, que –n.º 2 do artigo- deve incluir a alegação do recorrente, deve vir indicado o respetivo fundamento e, sob pena de rejeição n02 do artigo 721°-A-devem vir indicados (al. c) do mesmo número) os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição. '
20) E prossegue o aresto do STJ ''E, porque a contradição como pressuposto não é a oposição com outro acórdão qualquer, mas tão só e apenas com um acórdão transitado em julgado, e porque o trânsito não se presume nem para os acórdãos da Relação nem para os acórdãos do STJ…esta formação vem entendendo, repetida e uniformemente, que o ónus imposto pela parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo só está cumprido com a junção, com o requerimento, de certidão ou cópia certificada, com indicação de trânsito, do acórdão-fundamento, até porque uma simples cópia extraída de uma qualquer base de dados não assegura nem a autenticidade nem a genuinidade do texto, nem muito menos o trânsito em julgado da decisão. Se assim é, e é assim, se é a esse momento que tudo deve ser aferido, a certidão agora junta é extemporânea e não pode interferir na apreciação liminar sumária que à formação incumbe.'
21) É esta interpretação que o Acórdão Recorrido faz do disposto no artigo 721°-A, n.º 2, alínea c) do CPC, que a Recorrente pretende ver declarada inconstitucional.
22) É verdade que, para se interpor Recurso com base na alínea b) do referido artigo 70.º da LCT é, em princípio, necessário que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo.
23) No entanto, a regra da suscitação da inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido é dispensável em situações especiais em que:
- Por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida;
- Ou, naquelas situações de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade e processual para suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, ou que tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse essa questão de constitucionalidade.
24) Daqui se pode concluir que o ónus imposto à Recorrente de suscitar a inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido, é afastado quando a aplicação da norma cuja constitucionalidade é impugnada tenha sido de todo surpreendente,
25) Não tendo sido possível à Recorrente ter previsto a sua utilização como ratio decidendi.
26) Ora, a decisão proferida pela formação de Juízes do STJ ao não admitir o recurso de revista excecional, nos moldes em que o fez, não era de todo expectável para a Recorrente,
27) Na verdade, a decisão que ora se recorre foi de tal modo surpreendente para a Recorrente que não lhe era exigível que tivesse cumprido o ónus de suscitar a inconstitucionalidade em momento anterior.
28) Nem o poderia ter feito na medida em que só com a prolação do referido acórdão do STJ de não admissão do recurso de revista excecional é que se suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita, do preceituado no artigo 721°-A, n.º. 2, alínea c).
29) De resto, como poderia a Recorrente prever a interpretação feita no acórdão recorrido quando esta não tem qualquer correspondência com a letra da lei, que apenas obriga à junção de cópia do acórdão-fundamento juntamente com o requerimento de interposição de recurso.
30) Acresce que, a utilização do termo 'cópia' de uma decisão judicial reporta-se a uma mera reprodução mecânica do seu texto, diferentemente de 'certidão' que consiste numa declaração da secretaria do tribunal, atestando o conteúdo dessa decisão.
31) A exigência que o STJ faz de junção de uma certidão não se compreende nos sentidos possíveis do termo 'cópia',
32) Não sendo, portanto, possível retirar da necessidade do acórdão-fundamento ter transitado em julgado, a interpretação efetuada pela decisão recorrida, que impõe á Recorrente a obrigatoriedade de juntar com o requerimento de interposição do Recurso a prova documental desse trânsito.
33) Em conclusão, o problema da constitucionalidade da interpretação norma que se pretende declarada inconstitucional reside sobretudo na consequência estabelecida para a inobservância de um requisito formal que não se encontra expressamente previsto na lei.
34) Neste quadro, em que o ónus imposto pela interpretação que se pretende ver declarada inconstitucional não é discernível no texto legal para a Recorrente recorrer,
35) Faz com toda a certeza que se tratou de uma decisão surpresa para a Recorrente.
Nestes termos, pede-se que a Conferencia do Tribunal Constitucional julgue procedente a presente Reclamação do douto despacho datado de 23.01.2014, proferido nos autos pelo Venerando Juiz Relator, e, em consequência:
- Admita o Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade nos termos do disposto nos artigos 69º, 70°, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15.11, determinando-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 721°-A, n.º, alínea c) do Código do processo Civil, na interpretação feita no douto Acórdão do STJ de 03.10.2013. ».
4. Notificada da reclamação, a reclamada não respondeu (cfr. fls. 531-532).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A decisão reclamada é no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, uma vez que a decisão recorrida não recusou a aplicação de uma qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Na reclamação suscitada, a reclamante alega que houve manifesto lapso na indicação da alínea ao abrigo da qual o recurso foi interposto e que devia ter sido convidada a aperfeiçoar e corrigir tal lapso e erro. Pretende agora que o recurso seja admitido com base na alínea b) do artigo 70.º da LTC e não na alínea a) que «por lapso» indicou no requerimento de interposição de recurso.
6. Ora, cabendo aos recorrentes o ónus de indicar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto (artigos 75.º-A, n.º 1, 76.º, nº 2, e 78.º-A, n.º 2, da LTC), este Tribunal tem entendido, de forma reiterada, que a lei não lhe confere qualquer poder oficioso de convolar para um outro recurso aquele que o recorrente indicou no requerimento (cf. Acórdãos n.ºs 77/2000, 348/2002, 468/2003, 46/2004, 316/2004, 474/2006, 361/2007, 288/2007, 420/2008 e 710/2013, disponíveis, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt).
7. Contudo, em face do agora exposto na reclamação em análise, afiguram-se atendíveis as razões invocadas para demonstrar a ocorrência de um lapso na formulação do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o qual tem o seguinte teor (cfr. fls. 515):
«A., S.L., Recorrente nos autos à margem referenciados e nos mesmos melhor identificado,
VEM:
1. Interpor RECURSO DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE, para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto nos artigos 69°, 70° n.º 1, alínea a) e 72°, n.º 1, alínea b) da Lei da Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional,
2. A subir nos próprios autos e com efeitos meramente devolutivos.
3. Para os efeitos do nº1 do disposto no artigo 75°-A do mesmo diploma, indica-se que se pretende com o presente Recurso que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 721°-A, nº 2, alíneas c) do Código do processo Civil, na interpretação feita no Acórdão recorrido, ao ter rejeitado a revista excecional por não terem sido juntas certidões dos acórdãos-fundamento, com nota de trânsito em julgado.»
8. Com efeito, pretende a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 721.°-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, «na interpretação feita no Acórdão recorrido», que rejeitou a revista excepcional por não terem sido juntas certidões dos acórdãos-fundamento com nota de trânsito em julgado, fazendo apelo a uma norma efetivamente aplicada na decisão então recorrida.
9. Invocada pela reclamante a ocorrência de um lapso de escrita na indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso foi interposto, considera-se poder ser reformada a Decisão Sumária reclamada quanto ao conhecimento do objeto do recurso interposto, admitindo-se que o presente recurso de constitucionalidade é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 e não da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, conforme pretendido pela recorrente.
10. Assim sendo, cumpre agora apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
É que quanto à admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a mesma depende, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
10. Para efeitos da admissão do presente recurso, é necessário apreciar da verificação in casu dos requisitos de legitimidade da recorrente para interposição do recurso de fiscalização concreta ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em especial, quanto ao pressuposto da suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa junto do Tribunal recorrido de modo a este poder dela conhecer.
Isto, na medida em que, não tendo sido previamente suscitada a questão de constitucionalidade perante o Tribunal recorrido, mas apenas já em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, vem a recorrente agora invocar que esse ónus processual «é afastado quando a aplicação da norma cuja constitucionalidade é impugnada tenha sido de todo surpreendente» (cfr. reclamação, 24.º, fls. 529), o que, segundo a recorrente, seria o caso, não lhe sendo exigível prever a interpretação feita no Acórdão recorrido «quando esta não tem qualquer correspondência com a letra da lei, que apenas obriga à junção de cópia do acórdão-fundamento juntamente com o requerimento de interposição de recurso» (cfr. reclamação, 29.º, fls. 529-verso).
11. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido rejeitar o recurso então interposto, aplicando o artigo 721.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, na dimensão normativa questionada, não parece exigível à recorrente que suscitasse em momento anterior à decisão de rejeição do recurso excepcional de revista a questão de constitucionalidade da interpretação normativa que viria a ser aplicada, pelo que se afiguram reunidos os pressupostos processuais de admissão do presente recurso.
Com efeito, tem sido entendido por este Tribunal (cfr. Acórdãos n.ºs 333/2013 e 190/2014, disponíveis, bem como os demais citados, em www.tribconstitucional.pt), em face de situações muito semelhantes à situação que nos ocupa, considerar-se a inexigibilidade da suscitação prévia, junto do Tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida nos presentes autos.
A este propósito, em conferência, decidiu o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 333/2013):
«8. No caso, verifica-se que a questão da constitucionalidade da aplicação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o sentido sindicado, das normas do n.º 1, alínea c) e do n.º 2, alínea c), do artigo 721.º-A do CPC, somente veio a ser suscitada pela recorrente no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
O STJ sustenta que a recorrente deveria ter arguido anteriormente a inconstitucionalidade da interpretação sindicada, aquando da interposição de recurso para o STJ, porque sabia ser a interpretação sindicada a posição do coletivo; pelo contrário, a ora reclamante entende tratar-se de uma «decisão-surpresa», pelo que não poderia ter suscitado a questão antes da prolação desta.
Coloca-se, pois, a questão de saber se a presente situação é uma daquelas em que deve admitir-se o recurso de constitucionalidade apesar de a questão só ter sido suscitada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, posterior ao acórdão em que a aplicação da norma com o sentido ora sindicado se revelou e que não admitiu o recurso de revista excecional.
A questão respeita ao sentido do n.º 1, alínea c), e do n.º 2, alínea c), do artigo 721.º-A do CPC, estando em causa a interpretação normativa segundo a qual (cfr. Ac. do STJ de 28/11/2012, a fls. 547) «e) Fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 721.º-A do CPC, cumpre ao recorrente juntar certidão ou cópia mecânica integral, sempre com nota de trânsito em julgado, de um único Acórdão fundamento, motivando os aspetos de identidade que justificam a contradição de julgados» e «f) A instrução deste requisito não se basta com uma mera reprodução mecânica de um texto extraído de uma base de dados e muito menos com a transcrição de um sumário».
No caso, a «posição do Coletivo» (Coletivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 721.º-A do CPC) a que alude o STJ – que segundo este consta dos acórdãos citados no acórdão recorrido e publicados em base de dados (acórdão de 6 de maio de 2008 (P. 08A660, disponível em http://www.dgsi.pt) e outros citados naquele aresto do STJ que não admitiu o recurso de revista excecional) – reportam-se a uma mera exigência formal ou requisito processual e não à resolução de uma questão de fundo a que se reporta a jurisprudência deste Tribunal relativa à dispensa do ónus de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
A interpretação com que as normas sindicadas foram aplicadas não corresponde, assim, a uma corrente jurisprudencial e suficientemente instalada e de conhecimento acessível sobre uma questão de mérito, pelo que não era razoavelmente exigível que a recorrente suscitasse a questão de inconstitucionalidade relativamente ao sentido normativo efetivamente adotado pelo STJ aquando da interposição do recurso excecional de revista – configurando-se, assim, uma situação que justifica a dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado.»
12. Transpondo-se este entendimento para o caso vertente, por esta via será de deferir a presente reclamação, admitindo-se o recurso que deverá prosseguir para alegações, devendo a ora reclamante suprir a omissão do requerimento de interposição de recurso no que respeita à indicação da norma ou princípio constitucional que considera violado.
II - Decisão
13. Pelo exposto, decide-se deferir a presente reclamação e, em consequência, admitir o recurso interposto, ordenando-se a produção de alegações no prazo legal previsto.
Sem custas.
Lisboa, 9 de abril de 2014.- Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.