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Proc. nº 51/98 ACÓRDÃO Nº 277/00
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACÓRDÃO NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – J... e outros, notificados do Acórdão nº 33/2000, de 12 de Janeiro de 2000, dele vêm reclamar arguindo a sua nulidade quanto à delimitação do objecto do recurso e pedindo a sua reforma quanto à parte decisória. Sustentam na reclamação que apresentam que o Acórdão em questão decidiu o recurso interposto a fls. 286, em vez de ter decidido o recurso de fls. 272, circunstância que, por sua vez, implica que terá deixado de se decidir uma das questões de constitucionalidade sobre as quais se pretendia uma decisão deste Tribunal, e que a decisão reclamada se fundamenta em uma qualificação do pedido diferente daquela que fora inicialmente formulada pala autora, C.... A C... pronuncia-se contra esta pretensão e pela manutenção na íntegra do Acórdão reclamado, fazendo incidir as suas considerações sobre o segundo pedido de reforma deduzido pelos recorrentes. Dos autos extrai-se que a C... intentou contra os recorrentes acção de impugnação pauliana de determinada doação, pedindo que fosse reconhecido à Autora 'o direito à restituição das mencionadas fracções autónomas ao património dos primeiros RR. e o direito de aí as executar, com todas as consequências legais, nomeadamente no que ao registo predial tange.'. O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção procedente e declarou «ineficaz em relação à Autora a doação feita....podendo a Autora executar as aludidas fracções, na medida do seu crédito sobre os réus doadores». Negada a apelação e confirmada a sentença recorrida, igualmente foi negada, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1997, a revista pedida pelos Réus recorrentes, os quais reclamaram desse Acórdão com fundamento em nulidades, sem sucesso, pois a reclamação foi indeferida por Acórdão de 26 de Junho de 1997, do qual entretanto interpuseram recurso para o Tribunal Pleno. Do Acórdão de 18 de Fevereiro de 1997 foram interpostos dois recursos para este Tribunal. O primeiro, interposto pelo requerimento de fls. 272, não foi admitido por ter sido considerado extemporâneo por despacho de 23 de Setembro de 1997. Contra esta decisão, em complexa tramitação processual que não releva para os efeitos da decisão a tomar neste momento, os recorrentes reagiram, vindo a interpor novo recurso para o Tribunal Constitucional, pelo requerimento de fls.
283, invocando como recorrido o Acórdão do STJ de 18 de Fevereiro de 1997. Um terceiro recurso foi interposto para o Tribunal Constitucional, tendo por objecto o despacho de 23 de Setembro de 1997, do relator no processo, que não admitira o recurso para o Tribunal Pleno bem como o recurso para o Tribunal Constitucional de fls. 272. Os três recursos acabaram por ser admitidos no Supremo Tribunal de Justiça, mas só o primeiro, o de fls. 272, foi admitido pelo relator neste Tribunal, por decisão sumária de 25 de Março de 1998, mais tarde confirmada pelo Acórdão nº
715/98, tirado em conferência. Após novo acórdão – o Acórdão nº 144/99, de 9 de Março de 1999 - pôde ser proferido o Acórdão nº 33/2000, agora reclamado.
3. - Como atrás ficou referido, os reclamantes começam por questionar a delimitação do objecto do recurso a que se procedeu na decisão reclamada, assinalando um equívoco quanto à identificação do recurso de que cabia conhecer: assim, «o recurso que este Acórdão de 12.01.2000 decidiu (ou devia decidir) não
é o interposto a fls. 286 mas sim o que se apresentou a fls. 272 e ss.» e neste ponto há que lhes reconhecer alguma razão, acrescentando-se que o recurso de fls. 286 corresponde ao recurso de fls. 283 a 286, já mencionado. Trata-se porém de erro meramente material como se vai ver, explicável pelas «inúmeras vicissitudes deste processo» como referem os próprios reclamantes. Na verdade, o requerimento de fls. 272, na parte substancial em que os recorrentes deste logo traçam a fundamentação do pedido, ou seja, a partir do respectivo ponto 2. e até ao fim, incluindo a formulação sintética do pedido, é idêntico, palavra por palavra, ao texto do requerimento de fls. 283, no qual, a partir do respectivo ponto 1. e da mesma forma até ao fim, se reproduz o texto do primeiro requerimento.
4. - Retiram os reclamantes deste lapso que se terá deixado de conhecer uma das questões de constitucionalidade por eles colocadas no requerimento de interposição de fls. 272 e segs., designadamente a questão da prova de créditos, em que estaria envolvida a aplicação dos artigos 610º, alínea b) e 611º do Código Civil, para além da outra questão que foi efectivamente conhecida – a da condenação jurisdicional qualitativamente diversa do pedido formulado, em que estaria envolvida a pretendida inconstitucionalidade dos artigos 610º, alínea b), e 616º do Código Civil e artigo 661º, nº 1, do Código do Processo Civil. Tal conclusão, no entanto, desde logo se vê que não poderá ser acolhida, atendendo à perfeita identidade do texto dos dois requerimentos. Resta saber se deverá manter-se a decisão de não conhecer da primeira questão, expressamente afastada do objecto do recurso na decisão reclamada. Foi afastada essa questão com fundamento em que o âmbito do recurso tem de ser definido no respectivo requerimento de interposição, não podendo os recorrentes, nas alegações acrescentar a esse âmbito 'a norma do artigo 611º do CPC [deveria ter-se referido Código Civil] nem a interpretação que fazem relativamente à questão da prova dos créditos' (Acórdão reclamado, a fls. 396). O reexame a que agora se procede do requerimento de interposição confirma o acerto da opção tomada. Na verdade, e quanto à questão dita da prova de créditos, verifica-se que, ao concluírem o respectivo requerimento, os recorrentes omitiram alguma referência ao artigo 611º do Código Civil, como se pode retirar da transcrição a que se procede, e que corresponde à síntese final dos dois requerimentos – segundo parágrafo do ponto 6. do requerimento de fls.
272 e segs., e segundo parágrafo do ponto 5. do requerimento de fls. 283 e segs. mais especificamente a fls. 286:
'Assim, os artigos 610º, alínea b), e 616º do CC e o art. 661º, nº 1, do CPC, interpretados/aplicados como foram pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça – no sentido de permitir que uma decisão jurisdicional condene em algo qualitativamente diverso do pedido formulado -, violam as referidas normas dos artigos 13º e 20º da Constituição'.
É verdade que dos dois requerimentos constam referências ao artigo 611º, do Código Civil, no contexto da questão suscitada a propósito da prova de créditos. Assim, no ponto 3. do requerimento de fls. 272 (idêntico ao ponto 2. do requerimento de fls. 283) escreveram os recorrentes que «ao interpretar os arts.
610º, al. b), e 611º do Código Civil no sentido de que, na acção pauliana, o autor não tem que provar o montante do seu crédito na data do negócio impugnado, sendo aos réus que cabe o ónus de provar de que nessa data era possível a satisfação integral do crédito do autor (apesar de não ter sido indicado pelo autor o montante exacto desse crédito na data do negócio impugnado), o douto Acórdão recorrido viola frontalmente o princípio da igualdade e do acesso ao direito e aos Tribunais, onde se inclui a proibição da indefesa, o que implica um desrespeito pela tutela das normas constantes nos arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa ». Simplesmente, notar-se-á desde logo e com toda a evidência que os recorrentes imputam o vício de violação da Constituição não a normas ou a entendimentos normativos destas mas sim e apenas à decisão recorrida. A referência que fazem
às duas normas do Código Civil que mencionam não lhes aproveitam para o efeito de, nesta parte, o Tribunal Constitucional, que só pode conhecer de questões de constitucionalidade de normas e não de decisões, pudesse ter incluído tal questão no objecto do recurso; com efeito esse objecto que foi delineado no requerimento de interposição do recurso apenas com referência às normas indicadas a fls. 286 e que atrás se identificam. Conclui-se assim que não procede a reclamação quanto ao primeiro pedido de nulidade em matéria de delimitação do objecto do recurso, sendo deferida tão-só na parte correspondente à correcção do lapso material apontado na indicação puramente formal do recurso de que se conheceu.
5. - Passemos agora ao segundo pedido que é de reforma do Acórdão nº 33/2000 quanto à parte decisória. Entendem os reclamantes, retomando argumentação deduzida nas alegações, que a decisão de primeira instância, depois confirmada nas instância seguintes, não podia declarar a ineficácia da doação, pois teria sido peticionada a respectiva nulidade.
À questão de constitucionalidade suscitada foi dada resposta no Acórdão reclamado em termos que não podem ser impugnados e com fundamentos que não podem ser reapreciados em reclamação. Dir-se-á apenas que não cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a forma como os restantes tribunais interpretam e aplicam as normas que em cada relação jurídica definem os direitos e deveres das partes. O Tribunal pronuncia-se sobre a conformidade com a Constituição das normas aplicadas ou do respectivo sentido normativo. No presente recurso não há, portanto, que qualificar pedidos como pedidos de declaração de nulidade ou de ineficácia de negócios jurídicos – há apenas que apreciar se as normas aplicadas na decisão violam a Constituição, operação essa a que se procedeu. A decisão que negou provimento ao recurso, nesta parte, não tem que ser reformada.
DECISÃO Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, corrigindo apenas o erro material relativo à parte em que o recurso resolvido pela decisão reclamada diz respeito ao recurso interposto com o requerimento de fls. 272 e segs e não ao recurso interposto pelo requerimento de fls. 283 e segs., do qual se não conheceu. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC’s. Lisboa, 16 de maio de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida