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Processo nº 87/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social), proferiu o Relator a DECISÃO SUMÁRIA que passa a transcrever-se:
'1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (4ª Secção), de 25 de Novembro de 1998, 'nos termos e ao abrigo do disposto nos 70º, nº 1 al. b) e nº 2, 72º nº 1 al b) e 78º da Lei nº 28/82, de
15.11', dizendo que 'a douta decisão recorrida aplicou norma - artº 3º do Dec.-Lei nº 277/92, de 15.12, e Portaria nº 348/87, de 29.04 - cuja inconstitucionalidade foi pelo recorrente suscitada nos autos, logo na petição inicial da acção e reafirmada nas contra-alegações de recurso para o Tribunal da Relação e para este Supremo Tribunal' e esclarecendo depois, convite do Relator, o seguinte:
'Face ao teor do douto acórdão recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, são duas as questões de inconstitucionalidade que o mesmo suscita e que o recorrente invoca, a saber:
a) A primeira tem a ver com a Portaria nº 348/87, de 28.04., já que a mesma viola o disposto no actual art. 165º nº 1 al d) da Constituição da República, uma vez que não existiu autorização legislativa conferida ao Governo para legislar sobre o regime disciplinar e respectivo processo; Esta questão foi suscitada logo na petição inicial da acção, mas como a acção foi julgada procedente no douto despacho saneador, ainda que por outro fundamento, não pôde o ora recorrente dele recorrer, porque parte vencedora, como também não pôde recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça uma vez que o acórdão da Relação do Porto confirmou aquele referido despacho saneador da 1ª instância. b) A segunda questão diz respeito à violação do nº 3 do art. 268º da Constituição da República, quando estabelece o princípio da expressa e acessível fundamentação dos actos administrativos, tendo o douto acórdão recorrido considerado que tal fundamentação não é imposta pelo art. 49º nº 1 da já referida Portaria nº 348/87. Uma tal decisão só surgiu assim decidida, surpreendentemente, no douto acórdão ora recorrido, já que nas doutas decisões anteriores foi declarado nulo o processo disciplinar exactamente por a decisão não estar fundamentada. Apesar disso, o recorrente ainda suscitou a questão no pedido de aclaração de tal douto acórdão que formulou, mas que foi desatendido'.
2. Os autos mostram que o recorrente intentou no Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Braga uma acção com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos na sequência da sua procedência:
'a) Declarar-se improcedente a justa causa de despedimento; b) Declarar-se nulo todo o processo disciplinar e, consequentemente, declarar-se ilícito o despedimento do A.; c) Condenar-se a R.. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade; e d) Condenar-se a R. a pagar ao A. os salários vencidos desde a data do despedimento e vincendos até à data da sentença final, férias e subsídios de férias e de Natal, acrescidos dos respectivos juros de mora, à taxa legal de
10%.'. A acção foi julgada procedente no despacho saneador proferido na primeira instância e confirmada a respectiva decisão, em via de recurso de apelação, no Tribunal da Relação do Porto, mas a sociedade recorrida, P...., voltou a interpor recurso, agora de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça e aqui, no acórdão recorrido, obteve ganho de causa, tendo ficado decidido revogar 'o acórdão recorrido e a sentença - esta na parte em que declarou 'nulo todo o processo disciplinar e, em consequência, ilícito o despedimento do Autor', e condenou a Ré 'a reintegrar o Autor, no seu posto de trabalho' e 'a pagar-lhe a quantia global de 711 370$00, referente às remunerações vencidas' -, devendo a acção prosseguir seus termos'. Nas suas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça, aquela sociedade veio sustentar a aplicação do 'disposto na Portaria 348/97 de 28/4' e do seu artigo
49º, nº 1, tendo o recorrido e ora recorrente apresentado contra-alegações, limitando-se a concluir que 'Nenhuma razão assiste à recorrente' e a afirmar no articulado que a 'Portaria nº 387/87, que aprova o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, constitui um regulamento disciplinar interno o qual tem que estar de acordo com a Lei Geral, não se podendo sobrepor a esta última' e as suas normas 'que estejam em manifesto desacordo com as regras do Dec.-Lei 64-A/89 encontram-se tacitamente revogadas, estando claramente revogado o artº 49º, nº 1, da Portaria' (e no pedido de aclaração do acórdão recorrido também se limitou a 'solicitar se o douto acórdão em causa entendeu ou não dever aplicar o princípio constitucional consagrado no nº 3 do art. 268º da CRP'). Daqui decorre que não houve da parte do recorrente nenhuma suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade, relativamente à citada Portaria nº
348/97 e à sua norma do artigo 49º, nº 1, e nem essa suscitação se detecta no pedido de aclaração do acórdão recorrido, aliás, momento processualmente inadequado para o fazer, se o tivesse feito. E era exigível ao recorrente que suscitasse tais questões nas contra-alegações apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça, pois o tronco da controvérsia estava na aplicação da citada Portaria.
É certo que, talqualmente diz o recorrente, na petição inicial da acção foi levantada, como questão prévia, a questão da inaplicabilidade da Portaria, por ser 'manifestamente inconstitucional, sendo-o já quer aquando da publicação do referido Dec.-Lei 277/92, quer mesmo aquando da sua própria publicação', à luz do artigo 168º, nº 1, d), da Constituição, mas na decisão da primeira instância foi logo decidido inexistir 'a deduzida inconstitucionalidade daquele Regulamento Disciplinar' e o recorrente não voltou a alegar tal inconstitucionalidade, nem perante o tribunal de relação, nem face ao Supremo Tribunal de Justiça, quando podia e devia ter feito, não obstante a sua posição de parte vencedora (manteve-se sempre na posição de entender não lhe ser aplicável tal Regulamento Disciplinar, estando revogado o questionado artigo
49º, nº 1, e por aí se ficou). Ora, faltando a suscitação da questão de inconstitucionalidade nos termos processualmente adequados (nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), falha um pressuposto de recurso de constitucionalidade fundado na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, daquela Lei nº 28/82, o que determina que se não possa conhecer do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dessa DECISÃO SUMÁRIA veio 'reclamar para a conferência' o recorrente,
'atento o disposto no nº 3 do art. 78º-A da LTC, na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26.02', pedindo que seja 'admitido o presente recurso', na base da consideração essencial de que era 'impensável admitir que viesse a sustentar-se a aplicabilidade da aludida Portaria, e daí a surpresa da decisão constante do acórdão recorrido e, portanto, a não invocação expressa, nas contra-alegações, da inconstitucionalidade daquele dito nº 1 do art. 49º, se bem que tenha feito alusão, à falta de fundamentação', mas, obviamente, na óptica do Dec.-Lei nº
64-A/89' ('É evidente que o nº 1 do art. 49º, pelo menos no entendimento que lhe conferiu o referido acórdão, viola clara e frontalmente o princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação do acto consagrado naquele nº
3 do art. 268º' - é o que pretende fazer vingar o recorrente na sua reclamação). C. A sociedade recorrida, P..., não respondeu à reclamação. D. Cumpre agora decidir. O posicionamento do recorrente, na presente reclamação, com a descrição clara da sequência processual da acção com processo ordinário que intentou contra a citada sociedade, não consegue abalar os fundamentos da DECISÃO SUMÁRIA reclamada. Na verdade, o que nela se revela é que o recorrente foi confrontado no recurso de revista perante o Supremo Tribunal de Justiça com a questão da aplicação do disposto na Portaria nº 348/87, de 28 de Abril e do seu artigo 49º, nº 1, mas, apresentando contra-alegações, nada disse quanto a uma pretensa inconstitucionalidade de tal Portaria, para a hipótese de vingar o ponto de vista da então sociedade recorrente quando logo na petição inicial da acção ele havia sustentado a tese da inconstitucionalidade. E era previsível que esse ponto de viesse a ter acolhimento, como aconteceu, na decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, não pode dizer-se, como quer o reclamante, ter havido 'surpresa da decisão constante do acórdão recorrido'. Como surpresa?, se na petição inicial o recorrente começa 'precisamente por pôr em causa o Regulamento Disciplinar ao abrigo do qual foi punido', exactamente a Portaria nº 348/87. Com o que não merece acolhimento a presente reclamação (cfr. os acórdãos nºs
469/91, 182/95, 88/97, 187/97 e 118/98, os primeiros quatro publicados no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, 21 de Junho de 1995, 12 de Abril de 1997 e 12 de Maio de 1997, respectivamente). E. Termos em que, DECIDINDO, desatende-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 5 de Maio de 1999- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa