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Procº nº 81/99. ACÓRDÃO Nº 263/99
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nestes autos e em 17 de Fevereiro de 1999 (fls. 115 a119) lavrou o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
“1. J. e mulher, A. instauraram em 18 de Fevereiro de 1998 pelo Tribunal de comarca de Matosinhos e contra M. e marido, An., acção, seguindo a forma de processo sumário, solicitando que fossem os réus condenados, inter alia, a reconhecer a denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre os autores e Ar. e incidente sobre o prédio urbano sito na Av.... , e R.. ..., em Matosinhos e, em consequência a despejarem imediatamente o locado.
Seguindo a acção seus termos, de entre estes ressaltando um termo de desistência do pedido relativamente ao réu An.., veio, em 8 de Maio de 1998, a ser proferida sentença, a qual, por entre o mais, declarou denunciado o contrato de arrendamento em causa, condenando a ré a despejar o prédio.
Do assim decidido apelou a ré M. para o Tribunal da Relação do Porto.
Na alegação que então produziu, disse a recorrente, em determinados passos que ora relevam:-
‘...................................................................................................................................................................................................................................................................... Sem prescindir, O artº 65 da Constituição da República Portuguesa consagra, como direito fundamental de todos os cidadãos, o direito a uma habitação condigna, Competindo ao Estado, concretamente aos seus orgãos executivos, garantir o exercício desse direito. A ora apelante foi condenada a despejar imediatamente o locado, deixando-o livre de pessoas e coisas. Porém,
à ora apelante não é imputada a prática de qualquer acto susceptível de pôr em causa a validade ou a subsistência do contrato de arrendamento. Consequentemente, Não foi violado qualquer dever como parte do contrato de arrendamento. Por isso, a decisão ora recorrida colide, de forma frontal, com a letra e o espírito do artº 65 da Constituição da República Portuguesa, Violando o direito da ora apelante a uma habitação condigna, que o Estado não garantiu.
........................................................................................................................................................................................................................................................................
III - Normas violadas A douta decisão ora recorrida violou o disposto nos arts 28º - nº 1; 28-A, nºs
1 e 3; 287, todos do CPC, e o artº 65 da Constituição da República Portuguesa.
........................................................................................................................................................................................................................................................................ CONCLUSÕES:
........................................................................................................................................................................................................................................................................ Sem prescindir
8 - O artº 65 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental de todos os cidadãos a uma habitação condigna.
9 - Cabendo ao Estado garantir o exercício desse direito.
10 - À ora apelante não é imputada a prática de qualquer acto susceptível de pôr em causa a validade ou a subsistência do contrato de arrendamento.
11 - Não foi violado qualquer dever de arrendatário.
12 - A douta sentença ora recorrida, condenando a ora apelante a despejar o prédio arrendado, colide a letra e o espírito do artº 65 da Constituição da República Portuguesa. e
13 - Viola o direito da ora apelante a uma habitação condigna.
14 - A ora apelante - que vive exclusivamente da sua reforma de menos de 33 contos mensais - não possui meios para arrendar casa de acordo com os valores praticados no mercado livre da habitação, nem para comprar casa própria.
15 - O Estado não assegurou, previamente, uma habitação condigna à ora apelante.
16 - Os preceitos do RAU que permitem a denúncia do contrato de arrendamento, sem culpa do locatário, sem que o Estado, previamente, assegure uma habitação alternativa, são materialmente inconstitucionais.
17 - A douta sentença recorrida viola o disposto nos arts 28 - nº 1; 28-A, nºs 1 e 3; 287 do CPC, e artº 65º da Constituição da República Portuguesa’.
Tendo, por acórdão de 9 de Dezembro de 1998, sido julgada improcedente a apelação, veio a ré M. juntar aos autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional ‘à luz do disposto no artº 280 - nº 1 - alínea b)’.
Notificada do despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto no sentido de vir a indicar qual a normas ou quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendiam que o Tribunal Constitucional apreciasse, a impugnante limitou-se a dizer que considerava violado ‘pela decisão recorrida, o artº 65 da Constituição da República Portuguesa’, tal como já o dissera ‘nas suas alegações’.
O recurso foi admitido por despacho de 29 de Dezembro de 1999, prolatado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto.
2. Não obstante tal despacho, porque este não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Preliminarmente, sublinha-se que o requerimento de interposição de recurso e, bem assim, o apresentado na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo Desembargador Relator da Relação do Porto, não obedecem minimamente aos requisitos que se extraem dos números 1 e 2 do artº 75º--A da Lei nº 28/82.
E, mesmo que se argumentasse que, neste momento, ainda seria possível lançar-se mão do prescrito no nº 6 do aludido artº 75º-A (o que só se concebe por mera hipótese argumentativa, visto que a recorrente, no tribunal a quo, veio a ser convidada para indicar os elementos previstos naquele artigo e em falta no requerimento de interposição de recurso e, não obstante tal convite, não veio a fazer tal indicação, pelo que deveria cobrar aplicação o estatuído no nº 2 do citado artº 76º), de todo o modo isso representaria um acto inútil, pois que, in casu, não se congregam os elementos necessários à desejada interposição de recurso.
Na verdade, antes de ser lavrado o acórdão intentado recorrer, a impugnante não referiu, com um mínimo de precisão ou determinabilidade, qual a norma ou normas jurídicas que, servindo de suporte normativo à decisão tirada na
1ª instância, em seu entender padeciam do vício de contraditoriedade com a Constituição, antes sustentando, como deflui da transcrição supra efectuada da sua alegação de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que a violação da Lei Fundamental, recte, a violação do seu artigo 65º, fora efectuada por essa mesma decisão.
Por outro lado, do próprio requerimento de interposição de recurso, complementado pelo apresentado na sequência do convite dirigido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, extrai-se que aquilo que a recorrente considera violado, e pela decisão recorrida, é o próprio artigo 65º da Lei Fundamental.
Significa isto, inequivocamente, que não só a impugnante, antes de ser proferido o aresto desejado recorrer, não assacou a qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, de modo processualmente adequado e com um mínimo de precisão e determinabilidade, o vício de contraditoriedade com o Diploma Básico, como ainda, nos requerimentos acima referidos, veio a eleger como objecto da impugnação a própria decisão jurisdicional.
Ora, quanto a este particular, e como é sabido, objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não outros actos do poder público como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
3. Perante o exposto, não se toma conhecimento do objecto do vertente recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta”.
Notificada da transcrita decisão, fez a recorrente juntar ao processo requerimento onde disse:-
“MARIA MANUELA PEREIRA DA SILVA, recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a douta decisão de fls , vem reclamar da mesma para a conferência, requerendo que em consequência seja proferido acórdão
(nº 3 do artº 700º do CPC aplicável por força do artº 69º da Lei nº 28/82, de
15-11)”.
Cumpre decidir.
2. Sublinha-se, desde logo, que as disposições legais invocadas no requerimento que se transcreveu não são aplicáveis à situação atinente à reclamação para a conferência de uma decisão sumária tomada nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (pois que para essa situação rege o estatuído no nº 3 do mesmo artº 78º-A), e que é duvidoso que se possa atender a uma «reclamação» na qual não são aduzidos quaisquer argumentos que sustentem a discordância com o decidido.
Seja como for, se se aceitar por hipótese de raciocínio que o transcrito requerimento, verdadeiramente, consubstancia formalmente uma
«reclamação» deduzida nos termos do nº 3 do citado artº 78º-A, porque é certo que nenhuma razão é trazida que aponte no sentido da não pertinência dos considerandos e da decisão neles esteada ínsitos na peça processual reclamada, ponderando que este Tribunal não descortina quaisquer elementos que ponham em causa aqueles considerandos e decisão, mantém-se o que nela se contém e, em consequência, não se toma conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15
unidades de conta.
Lisboa, 5 de Maio de
1999 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa