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Processo nº 86/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M. R., com os sinais identificadores dos autos, veio, 'nos termos do artº.
76º, nº 4, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', reclamar para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (2ª Secção), de 13 de Janeiro de 2000, que, na parte que agora interessa, decidiu o seguinte:
'Quanto à manifestação de interesse em recorrer para o Tribunal Constitucional, há que referir que então, ainda não havia sido debatida no processo qualquer questão respeitante a inconstitucionalidade.
- Por isso, face ao disposto no artº 70º da Lei nº 28/82 de 15/11, ele não poderia ser admitido'. Para a reclamante deve 'ser admitido recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.10.99, na parte em que considerou que o valor da acção ficou alterado pela extinção da instância relativamente à
2ª R. e, consequentemente, não admitiu recurso de uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o S T J', porquanto, na sequência processual da acção que lhe foi movida pela 'Administração do Condomínio relativo ao prédio urbano sito na R. J... em S. João do Estoril', 'só o Acórdão do S T J, de 28.10.99, se pronunciou sobre a aplicabilidade do art. 306º, nº 1, e, consequentemente, ainda que de uma forma tácita, dos referidos arts. 308º e 315º, nº 1, do CPC à situação sub judicie, no sentido de permitir ao S T J a alteração do valor da acção para efeitos de recurso quando haja extinção da instância relativamente a um dos Réus, pelo que, antes desse Acórdão não era logicamente possível à Recorrente suscitar a constitucionalidade desse entendimento: até aí ainda não tinha sido decidido nesses termos e com esse fundamento' ('Isto é, só com este Acórdão S T J de 28.10.99 e com a decisão sobre o âmbito de aplicação daquelas normas dos arts. 306º, nº 1, 308º e 315º, nº 1, do CPC, se colocou a questão de constitucionalidade suscitada, pelo que o Recorrente não a poderia colocar antes da prolação da decisão onde essa questão foi pela primeira vez abordada, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela' - acrescenta ainda a reclamante).
2. No seu visto, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
'1. A ora reclamante veio, através do requerimento que consta de fls.323/333 dos presentes autos, 'requerer a interposição' de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, subsidiariamente às pretensões de dirigir ao S T J, quando confrontada com a decisão que considerou irrecorrível o acórdão proferido pela Relação: rectificação do acórdão do Supremo, arguição da respectiva nulidade, reclamação para o Presidente do S T J ou reforma 'substancial' daquela decisão, caso se entendesse aplicável o regime emergente da reforma do CPC, operada em 1997. De tal actuação processual - que cumulou indevidamente todas estas pretensões num mesmo requerimento, em vez de ter aguardado a decisão do S T J sobre os requerimentos que lhe cumpria apreciar, para então decidir da eventual interposição de um recurso de constitucionalidade - resultou que o relator acabou por não ter oportunidade para se pronunciar sobre a admissão do recurso de fiscalização concreta, 'anteapado' a fls. 332 - limitando-se a conferência a referir, de passagem, no acórdão em que dirimiu os incidentes suscitados, que 'a manifestação de interesse' em recorrer para este T C não teria cabimento, por não ter sido suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade. Afigura-se, deste modo, que a conferência abordou o dito segmento do complexo requerimento da reclamante como mero anúncio ou antecipação de uma intenção de recorrer - e não como efectiva interposição de um recurso de constitucionalidade, que teria necessariamente de ser admitido por despacho do relator (e nunca por decisão da conferência), nos termos do art. 76º da Lei nº
28/82 e dos arts. 687º e 724º, nº 1, do CPC - e sendo obviamente deste despacho do relator, quando indeferisse o recurso, que caberia a reclamação prevista no art. 77º da referida Lei do Tribunal Constitucional. Não será, deste modo - e no nosso entendimento - de admitir a dedução subsidiária de recurso de constitucionalidade, em que o anúncio da vontade de recorrer surge antecipado e 'misturado' com plúrimas questões colocadas à apreciação do Supremo - e acabando o relator por não apreciar efectivamente, como lhe cumpria, tal requerimento, tido por mera manifestação da intenção de vir ulteriormente a recorrer para este Tribunal.
2. Ainda que, porventura, se admitisse tal forma de interposição do recurso de fiscalização concreta e a dedução de reclamação para este Tribunal da decisão proferida em conferência - e reconhecendo que a ora reclamante não teve oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade 'durante o processo' - o recurso interposto sempre seria de considerar, de um ponto de vista jurídico-constitucional, 'manifestamente infundado'. Na verdade, o que está em causa é a interpretação do princípio da estabilidade do valor processual da causa, numa hipótese de pluralidade de pedidos, deduzidos descriminadamente contra dois réus, acabando um deles por satisfazer a pretensão contra si dirigida - e entendendo o Supremo que, a partir de tal momento, só pode relevar, para efeitos de recurso, o valor que permanece em litígio. Não cabe obviamente no âmbito do recurso de fiscalização concreta a tarefa de interpretação do direito infraconstitucional, de modo a determinar se é esta a melhor solução, que deva considerar-se consagrada na lei de processo em vigor. O que é facto é que tal interpretação normativa do Supremo nunca poderia violar o direito de acesso aos tribunais (que não compreende obviamente o irrestrito acesso ao Supremo, uma causa que já foi apreciada em 2ª instância) nem o princípio da igualdade, já que a solução propugnada pelo Supremo - e assente no valor real e actual do litígio para as partes - não pode seguramente ser qualificada com 'arbitrária' ou 'discricionária'. Nestes termos, somos de parecer que a presente reclamação sempre seria de julgar improcedente.'
3. Vistos os autos, cumpre decidir. Confrontada a reclamante com um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 1999, que 'confirmou o Despacho do Relator deste processo, de
99.01.21, que não admitiu a invocação de justo impedimento por parte do mandatário da Recorrente, entendendo que a mesma foi extemporânea', veio ela interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, 'nos termos do art. 700º, nº 5 do CPC'. O seguimento desse recurso no Supremo Tribunal de Justiça vem descrito de modo exacto pela reclamante nestes termos que se transcrevem, por comodidade:
'1. Em 15.07.99, foi proferido o Despacho de fl. 310 onde se referia o seguinte: Por me parecer que não pode conhecer-se do objecto do recurso em razão do valor da acção o qual, após a desistência, digo após a declaração da extinção da instância, fica reduzido ao valor do pedido do ora recorrente; ouçam-se a recorrente e a recorrida nos termos do nº 2 do art. 704º do CPC.
2. Em 15.10.99, a recorrente veio pedir a aclaração deste Despacho, dado que o valor da acção, sendo de 2 644 531$00, permitia o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 20º da Lei nº 37/97, de 23 de Dezembro
(LOTJ), pois a acção deu entrada no Tribunal Judicial de Cascais em 18.11.93. Deste modo, porque estes elementos eram referidos no Despacho de 15.07.99, este Despacho torna-se ininteligível.
3. O Acórdão deste S T J, de 28.10.99, aclarou o Despacho referido em 1, reafirmando a não admissibilidade do recurso.
4. Em 15.11.99, a Recorrente, depois de analisar a posição do S T J quanto a esta questão e de fundamentar as suas pretensões, requereu a este Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: a) Rectificação do Acórdão de 28.10.99, ao abrigo do art. 667º, nº 1, do CPC, ex vi arts. 716º, 732º, 749º e 752º, nº 3, todos do CPC; b) Se assim não se entendesse, a Recorrente arguiu a nulidade daquele Acórdão, nos termos do art. 668º, nº 1, al. b) do CPC ex vi arts 716º, 732º, 749º e 752º, nº 3, do CPC; c) Se ainda assim não se entendesse, a Recorrente apresentou reclamação daquele Acórdão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com base no art. 688º, nº 1, do CPC; d) Por último, e acaso as pretensões expostas não fossem atendidas, a Recorrente requereu a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional do mesmo Acórdão de 28.10.99, dado que a interpretação aí conferida aos arts. 308º e 315º do CPC consubstanciam uma violação dos direitos fundamentais de acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da igualdade tutelado no art. 13º da CRP.
5. O Acórdão S T J, de 13.01.2000, indeferiu todas as pretensões da Recorrente e, quanto à interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, decidiu-se do seguinte modo: Quanto à manifestação de interesse em recorrer para o Tribunal Constitucional, há que referir que então, ainda não havia sido debatida no processo qualquer questão respeitante a inconstitucionalidade. Por isso, face ao disposto no art.
70º da Lei 28/82 de 15/11, ele não poderia ser admitido. Assim, este acórdão S T J, de 13.01.2000, indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado pela Recorrente em 15.11.99 e é dele que se reclama'. Para além da circunstância da presente reclamação não ter obedecido ao ritualismo processual fixado nos nºs 3 e 4 do artigo 688º, do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pois não vem 'autuado e por apenso', não foi 'proferida decisão que admita ou mande seguir o recurso ou que mantenha o despacho reclamado' e a parte contrária não foi notificada para responder - há apenas o despacho a mandar remeter os autos ao Tribunal Constitucional -, regista-se ainda a inidoneidade do meio processual utilizado pela reclamante, com a consequência de não ter o relator, como determina a lei, proferido aquela decisão. Com efeito, num longo requerimento datado de 15 de Novembro de 1999, em que o reclamante questionou o acórdão de 28 de Outubro de 1999 - o acórdão de que pretende recorrer para o Tribunal Constitucional - e requereu, a título subsidiário, a sua rectificação, uma arguição de nulidade, ainda uma reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e, por último, a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do art. 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', ela manifestou tal vontade, numa derradeira tentativa de usar, como diz, 'diferentes direitos processuais que se pretendem exercer' ('Se ainda assim não se entender, e dado que a interpretação, pelo menos tácita, conferida pelo Acórdão sub judice aos arts. 308º e 315º do CPC consubstancia uma violação dos direitos fundamentais de acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da igualdade tutelado no art. 13º da CRP' - é como se expressa a reclamante). Só que essa via não é a idónea e adequada para a interposição do recurso de constitucionalidade, pois que deve ser feito sempre um requerimento autónomo, nos termos previstos no artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, depois de ditadas todas as decisões que a lei possibilita à parte no tribunal recorrido, no caso, as decisões relativamente às várias pretensões constantes do referenciado requerimento de 15 de Novembro de 1999. E daí não se poder extrair nenhuma efeito da afirmação constante do acórdão de 13 de Janeiro de 2000 de que tal recurso '[ele] não poderia ser admitido', pois, neste uso verbal de condicional, não pode sequer equivaler essa firmação a uma decisão de não admissão do recurso
(decisão que, aliás, é sempre uma decisão singular, ditada em despacho, como resulta do regime dos artigos 76º e 77º, da Lei nº 28/82). Além de que não se justifica requerer, a título subsidiário, a interposição de recurso de constitucionalidade, à face do disposto no artigo 75º, nº 2 da Lei nº
28/82. Tem pois razão o Ministério Público, no seu parecer, quando entende que não será
' de admitir a dedução subsidiária de recurso de constitucionalidade, em que o anúncio da vontade de recorrer surge antecipado e 'misturado' com plúrimas questões colocadas à apreciação do Supremo - e acabando o relator por não apreciar efectivamente, como lhe cumpria, tal requerimento, tido por mera manifestação da intenção de vir ulteriormente a recorrer para este Tribunal'. Com o que, não sendo idóneo, nem adequado, o modo de requerer a interposição do recurso de constitucionalidade de que se serviu a reclamante - não podendo ela valer-se de um requerimento, que, aliás, tem de obedecer ao disposto no artigo
75º-A - e não lhe aproveitando a transcrita afirmação do acórdão de 13 de Janeiro de 2000, como decisão de não admissão do recurso, não pode atender-se a pretendida reclamação.
4. Termos em que DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa