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Processo n.º 90/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 28 de novembro de 2012.
2. Em sede de apreciação liminar, decidiu-se, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto no que respeita às duas primeiras questões colocadas no requerimento de interposição do recurso.
Na sequência de reclamação para a conferência foi proferido o Acórdão n.º 445/2013, que a indeferiu, confirmando, consequentemente, a decisão reclamada.
O reclamante requereu, de seguida, a aclaração daquele acórdão, o que foi indeferido pelo Acórdão n.º 200/2014, de 3 de março.
3. Na mesma data, pelo Acórdão n.º 203/2014, viria a ser recusado também o conhecimento da terceira questão de constitucionalidade suscitada no recurso.
3. Notificado destas duas últimas decisões, o recorrente vem agora apresentar «RECLAMAÇÃO: [DÚPLICE ESCOPO RECLAMATÓRIO]», concluindo o seguinte:
«a) O Douto Acórdão n.º 200/2014 do Tribunal Constitucional, indeferiu o Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão 445/2013, de 29/08/2013, realizado pelo recorrente em 29.08.2013, com fundamento de que o mesmo não padecia de nenhuma obscuridade ou ambiguidade;
b) Todavia, conforme consta do próprio Douto Acórdão de que se reclama, a fls. 1, numa síntese das conclusões do requerimento do recorrente de 29/08/2013, o recorrente esclareceu e identificou bem a passagem do Acórdão n.º 445/2013, relativamente à qual pretendia aclaração, esclarecimento e, por fim, reforma do mesmo;
c) E, na verdade, nos itens 6.º ao 56.º do seu articulado de 29/08/2013, o recorrente expôs de forma clara e precisa o que, no seu entendimento, se lhe afigurava ambíguo, obscuro e quiçá, resultante de equívoco por parte deste apesar de tudo Venerando Tribunal Constitucional, ou seja, a conclusão plasmada no ponto 11 do Acórdão n.º 445/2013, ao considerar extemporâneo o recurso interposto a 13/12/2012;
d) Requerendo ainda, na alínea m) das suas conclusões, a reforma do apesar de tudo, Douto Acórdão n.º 445/2013, pelo reconhecimento do equívoco verificado na decisão, que considera extemporâneo o recurso interposto em 13/12/2012;
e) Sendo que, tal reforma implicaria que este Tribunal tomasse conhecimento e se pronunciasse sobre o suscitado caso julgado formal, cuja verificação o recorrente invocou no seu pedido de aclaração e reforma de 29/08/2013;
f) Acrescentado que se dúvidas subsistissem ao colendo Tribunal quanto ao efetivo destino ou alvo do requerimento de interposição de recurso, sempre seria de boa prática e de sã jurisprudência, a admissão do recurso ou, ao menos, a formulação de convite prévio ao esclarecimento por parte do recorrente;
g) Ora caso em apreço, ocorreram, já, nos autos, dois despachos que, expressamente, admitem a tempestividade do recurso apresentado para o Tribunal Constitucional a 13 de dezembro de 2012;
h) Constatando-se a existência de um primeiro despacho do Sr. Juiz Conselheiro-Relator junto do S.T.J., a 21 de dezembro de 2012;
i) Tal, Douto despacho, não mereceu qualquer reação ou reparo por parte do Digníssimo Magistrado do M.ºP.º junto do S.T.J., pelo que transitou em ju1gado;
j) Deste modo, a admissão e recebimento do recurso como tempestivo e legítimo fica a coberto da decisão que constitui caso julgado formal (ex vi do art.º 672.ºdo C.P.C.);
k) Com efeito, por despacho de 27/02/2013, a Exma. Sra. Juíza Conselheira Relatora, admitiu, também, o presente recurso, embora restringindo-o à 3.ª norma formulada pelo reclamante;
1) Ora, é essa segunda decisão, que é contraditória com o Acórdão em conferência, e de qual o arguido pretendeu a reforma.
m) E, na esteira de considerandos anteriores, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (ex-vi do art.º 675.º, n.º1.º do C.P.C.).
n) Pelo que, verificada a nulidade por omissão, quanto ao caso julgado formal do apesar de tudo Douto Acórdão n.º 200/2014, nos termos dos art. 379.º, n.º 1, al, c), e n.º 2 CPP, deve este Venerando Tribunal suprir a mesma, e proceder à devida correção da douta decisão, no sentido de deferimento do pedido de Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão na técnica do art. 380.º CPP, por remissão expressa do art. 425.º, n.º 4 CPP;
o) Uma vez que este Venerando Tribunal, não se pronunciou quanto ao caso julgado formal, o mesmo também acabou por não se pronunciar sobre a remessa dos autos para o tribunal competente, que no caso seria o Tribunal da Relação do Porto, conforme consta sobre o item 48.º do Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão 445/2013, realizado em 29.08.2013;
p) Pelo que, salvo melhor opinião, verifica-se também uma omissão de pronúncia por parte deste Venerando Tribunal, quanto à remessa dos autos para o tribunal competente, nos termos do art. nos termos do art. 379.º, al. c) do CPP, a decisão de indeferimento, está ferida de nulidade (arts. 118.º e 119.º do Código de Processo Penal);
q) Assim, verificando-se a nulidade por omissão de pronúncia quanto à remessa dos autos para o tribunal competente, do apesar de tudo Douto Acórdão n.º 200/2014, nos termos dos art. 379.º, n.º 1, al, c), e n.º 2 CPP, deve este Venerando Tribunal suprir a mesma, e proceder à devida correção da douta decisão, no sentido de deferimento do pedido de Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão na técnica do art. 380.º CPP, por remissão expressa do art. 425.º, n.º 4 CPP.;
r) O Acórdão n.º 203/2014, que ora se reclama, decidiu não conhecer o objeto do recurso, por entender que o recorrente não suscitou devidamente a questão de constitucionalidade;
s) Contudo, tal não corresponde à verdade, como conforme se pode depreender do teor da resposta do recorrente/reclamante em 13.11.2012 ao Parecer do Ministério Público n.º 110/12, com data de 19.10.2012;
t) Pelo que, somos da humilde opinião que o recorrente identificou claramente o objeto de recurso, demonstrando em que medida a dimensão interpretativa dos normativos legais, colidia com o ponto de vista jurídico-constitucional;
u) Impondo-se a revogação do douto acórdão, e decisão que decida conhecer do objeto do recurso;
v) Subsidiariamente, se assim não entender, ordenar a remessa dos autos ao tribunal competente — Tribunal da Relação do Porto — para que se pronuncie quanto ao recurso interposto do Acórdão daquele Venerando Tribunal;
w) Finalmente, constatada a oposição de julgados entre o primeiro Acórdão e os Acórdãos subsequentes, deve o Exmo. Sr. Juiz-Presidente deste Venerando Tribunal, conhecer da presente reclamação (art. 79.º-A LTC), e pronunciar-se consoante a decisão ou despacho que considere a coberto de caso julgado formal sobre o objeto do recurso;
x) Por conseguinte, no uso do normativo art.º 79.º-A da LTC, pode (poder-dever) o Presidente determinar que o julgamento se faça com intervenção do plenário;
y) Seja por o considerar necessário para evitar divergências jurisprudenciais; seja por entender que tal se justifica em razão da natureza da questão a decidir (ex vi art.º 79.º-A, n.º1 da LTC);
z) E em consequência decidir por conhecer do objeto do recurso;
aa) Ressalvada sempre mais douta opinião, importa que o Presidente, na vertente retificativa, decida (poder-dever) de acordo com os ditames constitucionais (art.º1.º, Princípio da Dignidade Humana; art.º 20.º, Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, enquanto Princípio integrante do Princípio Material da Igualdade art.º 13.º; e art.º 32.º, Princípio das Garantias de Processo Criminal)
bb) Neste sentido:
“13. I - O recorrente pode reclamar para o Presidente do Tribunal que seria competente para conhecer do recurso do despacho que não o admita ou o retenha.” (cf. Código de Processo Civil Anotado, Abril 2008, pág. 1033,)
cc) Sempre em douto suprimento!»
4. Notificado deste requerimento, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Pelo douto Acórdão n.º 445/2013, indeferiu-se a reclamação da decisão proferida pela Exma. Senhora Conselheira Relatora, que não conheceu do recurso quanto às duas primeiras questões que o recorrente identificava no requerimento de interposição do recurso.
2º
Pelo douto Acórdão n.º 200/2014 indeferiu-se um pedido de aclaração daquele Acórdão n.º 445/2013.
3º
Pelo douto Acórdão n.º 203/2014, não se conheceu do objecto do recurso quanto à terceira questão de inconstitucionalidade enunciada no requerimento.
4º
Notificado destes dois últimos Acórdãos, vem agora o recorrente “apresentar Reclamação:[Dúplice Escopo Reclamatório]”.
5º
Quanto ao Acórdão n.º 200/2014, nas partes que poderão ter alguma relevância, diz:
“41.º
Pelo exposto, verificando-se a nulidade por omissão do apesar de tudo Douto Acórdão n.º 200/2014, nos termos dos art. 379.º, n.º 1, al. c), e n.º 2 CPP, deve este Venerando Tribunal suprir a mesma, e proceder à devida correcção da douta decisão, no sentido de deferimento do pedido de Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão na técnica do art. 380.º CPP, por remissão expressa do art. 425.º, n.º 4 CPP.
(…)
54.º
Assim, verificando-se a nulidade por omissão do apesar de tudo Douto Acórdão n.º 200/2014, nos termos dos art. 379.º, n.º 1, al. c), e n.º 2 CPP, deve este Venerando Tribunal suprir a mesma, e proceder à devida correcção da douta decisão, no sentido de deferimento do pedido de Pedido de Aclaração, Esclarecimento e Reforma do Acórdão na técnica do art. 380.º CPP, por remissão expressa do art. 425.º, n.º 4 CPP.”
6º
Começaremos por referir que nos recursos tramitados no Tribunal Constitucional não se aplicam as disposições do Código de Processo Penal citadas pelo recorrente.
7º
Na verdade, por força do disposto no artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), aos vícios e reforma da sentença é aplicável o Código de Processo Civil, designadamente o disposto nos artigos 613.º a 617.º do Código de Processo Civil de 2013 (antigo 666.º a 670.º do Código de Processo Civil de 1961).
8º
Diremos, contudo, que o Acórdão n.º 200/2014, é perfeitamente claro e nele se explicitam as razões porque se entendeu que o pedido de aclaração devia ser indeferido, que era, sublinhe-se, a única questão sobre a qual o Tribunal se deveria pronunciar, ou seja, não vislumbramos qualquer omissão de pronúncia.
9º
No que diz respeito ao Acórdão n.º 203/2014, com a prolação do qual se esgotou o poder jurisdicional, o afirmado nos pontos 60.º a 70.º da “reclamação” não tem qualquer relevância, uma vez que não é invocado, nem o ali dito traduz, a utilização de um qualquer incidente pós-decisória legalmente previsto.
10º
Quanto ao referido nos artigos 70.º e seguintes (“C) – DA OPOSIÇÃO DE JULGADOS (Art.º 79.º-A, eventualmente, remissivo ao art.º79.º-D, da Lei do Tribunal Constitucional)”), apenas diremos que, independentemente de outras razões, proferida a decisão e efectuado o julgamento, ou seja esgotado o poder jurisdicional, obviamente que (já) não é aplicável o disposto no artigo 79.º-A da LTC.
11º
Acresce que “tratando-se de recurso interposto em processo penal” a intervenção do Plenário só poderá ser exercida antes da distribuição do processo (Artigo 79º-A, nº 2, da LTC).
12º
Quanto ao disposto no artigo 79.º-D da LTC, não tendo o Acórdão n.º 203/2014, conhecido do mérito, não tem sentido sequer a invocação dessa disposição legal.
13º
Por tudo o exposto, deve indeferir-se o que vem requerido.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Apesar de integradas na mesma peça processual, no presente requerimento são apresentadas duas reclamações: uma respeitante ao Acórdão (de Conferência) n.º 200/2014 (i) e outra tendo por objeto o Acórdão (de Secção) n.º 203/2014 (ii).
Quanto ao Acórdão n.º 200/2014, o requerente solicita a respetiva aclaração, esclarecimento e reforma. Recordado o seu teor, verifica-se, todavia, que a fundamentação deste acórdão, o conteúdo do requerimento agora apresentado e os demais já decididos apontam, claramente, no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório manifestamente infundado. Por esta razão, justifica-se que seja processado em separado, nos termos previstos no artigo 670.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84.º, n.º 8, da LTC.
No que respeita ao Acórdão n.º 203/2014, o requerente começa por manifestar a sua discordância relativamente à decisão nele contida de não conhecimento do recurso, para, de seguida, solicitar a intervenção do Plenário tendo em vista a sua revogação. Socorre-se do disposto nos artigos 79.º-A e 79.º-D da LTC.
A prolação do Acórdão n.º 203/2014 esgotou o poder jurisdicional na matéria, não cabendo, naturalmente, à Secção proferir nova decisão sobre questão já decidida.
Por sua vez, a intervenção do Plenário, por iniciativa do Presidente do Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A da LTC, só pode ser determinada relativamente a questão ainda não julgada ou decidida. Acresce que, tratando-se de recurso interposto em processo penal, esta intervenção só pode ser exercida até à distribuição do processo (n.º 2). De todo o modo, esgotado o poder jurisdicional, já não pode ter lugar.
Finalmente, não tendo o Acórdão n.º 203/2014 conhecido do mérito, imprestável é a invocação do artigo 79.º-D da LTC para suscitar a intervenção do Plenário no julgamento da questão de constitucionalidade.
Como ainda recentemente se decidiu no Acórdão do Plenário n.º 253/2014, «O artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, admite o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional apenas quando alguma das suas secções venha a julgar uma questão de constitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adotado.
Tem este Tribunal entendido que a contradição que permite este recurso respeita apenas a decisões de mérito, devendo verificar-se uma rigorosa coincidência do conteúdo das normas ou dimensões normativas objeto de apreciações antagónicas e incompatíveis.
Uma das pretensões visadas com o recurso interposto pelos arguidos B., C. e D. é a revogação da decisão de não conhecimento parcial do recurso por eles interposto para o Tribunal Constitucional, manifestando os Recorrentes a sua discordância relativamente à apontada falta do requisito da suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido que fundamentou esse não conhecimento parcial.
Não sendo invocada quanto a esta parte do Acórdão recorrido qualquer contraditoriedade com anterior decisão deste tribunal e não respeitando o seu conteúdo a uma apreciação de mérito, não é admissível o recurso interposto pelos arguidos para o Plenário do Tribunal Constitucional, nesse segmento, pelo que não deve o mesmo ser conhecido, nessa parte».
E sendo assim, não sendo legalmente admissível o meio processual visado pelo requerente para impugnar o Acórdão n.º 203/2014 (recurso para o Plenário), importa concluir, em conformidade, indeferindo-se, nesta parte, o requerido, por falta de fundamento legal.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Mandar extrair traslado das peças processuais pertinentes para processamento em separado do requerimento de fls. 2322 e ss., na parte respeitante à reclamação do Acórdão n.º 200/2014, e de quaisquer outros que venham a ser apresentados, cuja decisão será proferida após o pagamento de custas contadas neste Tribunal;
b) Ordenar que, extraído o traslado, sejam os autos de imediato remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, para prosseguirem os seus termos (artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
c) No mais, indeferir o requerido.
d) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.