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Processo n.º 704/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A... interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 1997, que, com fundamento em falta de legitimidade e de interesse em agir, não tomou conhecimento do recurso por si interposto de uma decisão do juiz da 1ª instância, que julgara improcedente um incidente de falsidade de actas de julgamento, também por si suscitado.
A Desembargadora relatora, por despacho de 8 de Julho de 1997, não admitiu o recurso, com fundamento em que o recorrente não suscitara, durante o processo, a inconstitucionalidade da única norma que, de entre todas as que ele indicara, foi aplicada pelo acórdão recorrido (recte, o artigo 401º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal).
Contra este despacho de inadmissão do recurso (de 8 de Julho de
1997) - que o acórdão da mesma Relação, de 7 de Outubro de 1997, confirmou - foi apresentada reclamação, qu este Tribunal indeferiu pelo acórdão nº 162/98.
2. Pede, agora, o reclamante, ao abrigo do artigo 669º, nº2, alínea b), do Código de Processo Civil, que esse acórdão nº162/98 seja 'reformado, por erro nos seus pressupostos e manifesta má fé judicial, uma vez que labora em inverdades grosseiras'.
As invocadas 'inverdades grosseiras' traduzir-se-iam no facto de, no acórdão cuja reforma se pede, se afirmar que o reclamante, no processo de que emergira o recurso, 'foi - mas já não é - defensor' do arguido.
Respondeu o Ministério Público, dizendo que 'é por demais evidente a improcedência do insólito e incorrecto - por claramente violador do dever de urbanidade e correcção das partes para com o Tribunal - arrazoado constante do requerimento apresentado, sob a capa de um pedido de reforma do decidido. Na verdade, nenhum 'erro' inquinou o decidido - sendo evidente que a teimosia do recorrente, persistindo em litigar no processo no seu próprio interesse - e não no do seu constituinte - e em ignorar a consolidação das decisões tomadas no decurso da lide em nada alteram as realidades processuais há muito consolidadas'.
3. Com dispensa de vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. A reclamação foi indeferida com um duplo fundamento, a saber: ilegitimidade do reclamante e falta de interesse processual no conhecimento do recurso que, com a reclamação, ele pretendia ver admitido.
Para o que aqui importa, escreveu-se no acórdão:
Assim sendo, à luz das regras processuais penais aplicáveis (recte, do que se dispõe no artigo 401º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal), o ora reclamante - que fora, mas já não é, defensor do arguido - não tinha legitimidade para interpor recurso para a Relação, a fim de, aí, fazer rever a decisão proferida na 1ª instância sobre a referida questão da falsidade da acta de julgamento. E, não tendo legitimidade para fazer examinar pela Relação aquela questão, também a não tem para - como diz o Ministério Público - 'desencadear os recursos de fiscalização concreta, 'enxertados' na base normativa relevante para a dirimição da questão da alegada falsidade'.
Abre-se aqui um parêntesis para dizer que a afirmação de que o reclamante já não é defensor do arguido no processo de que emergiu este recurso se faz com base no facto de ter transitado em julgado o despacho do juiz da 1ª instância (de 9 de Maio de 1996), que não admitiu a procuração passada a seu favor, ficando 'somente a valer como outorgada a favor de (...), como cessou a nomeação (dele) enquanto defensor oficioso' - como se fez notar no acórdão da Relação e lembrou o Ministério Público.
Suposta [...] a impossibilidade de concluir pela ilegitimidade do ora reclamante para os recursos (para o recurso penal e, por via de consequência, para o recurso de constitucionalidade) -, sempre, porém, haverá de concluir-se pela falta de interesse processual no conhecimento do presente recurso.
Na verdade, suposto que este Tribunal deferia a reclamação e, no recurso, julgava inconstitucional a norma do artigo 401º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal (interpretada em termos de não reconhecer legitimidade, nem interesse em agir, ao ora reclamante para, em via de recurso, fazer discutir pela Relação a questão da falsidade da acta de julgamento por si levantada), essa decisão de inconstitucionalidade não tinha qualquer utilidade, pois que não poderia repercutir-se utilmente na decisão daquela questão. E não podia repercutir-se na decisão dessa questão, porque, interessando ela apenas ao arguido, ele não a impugnou, apenas dela tendo recorrido o aqui reclamante. Mas este, após o trânsito em julgado da decisão que o afastou da defesa do arguido,
é um mero interveniente processual, e não alguém que tome decisões em representação ou no interesse do arguido.
Ora, o recurso de constitucionalidade, tem uma função instrumental, só se justificando que dele se conheça, quando a decisão a proferir puder repercutir-se utilmente na decisão do caso de que emerge o recurso. É dizer que também neste recurso tem que existir interesse em agir.
Não existindo interesse processual no conhecimento do objecto do recurso - objecto que é constituído tão-somente pela questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 401º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, pois só ela foi aplicada pelo acórdão recorrido -, dele não iria o Tribunal conhecer.
Mas, sendo assim, então deve a reclamação ser indeferida.
4. Sendo isto assim, já se vê que o acórdão de que se pede a reforma
(ou seja, o acórdão nº 162/98), contrariamente ao que afirma o reclamante, não
'labora em inverdades grosseiras'.
Não se verificando os pressupostos da solicitada reforma do acórdão nº 162/98, resta indeferi-la.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a requerida reforma do acórdão nº 162/98 e condenar o reclamante nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 5 de Maio de 1998 Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida