Imprimir acórdão
Processo nº 408/12
Plenário
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto no artigo 281º, alíneas c) e d) e nº 2, alínea g) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 51º da Lei nº 21/82, de 15 de novembro, na redação em vigor (LTC), requereu a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, bem como da totalidade das normas do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, de 9 de maio, que estabelece o “Regime jurídico de revelação e aproveitamento de bens naturais existentes na crosta terrestre, genericamente designados por recursos geológicos, integrados ou não no domínio público, do território terrestre e marinho da Região Autónoma dos Açores”.
2. O requerente alega, em síntese, o seguinte:
- O artigo 52.º, bem como a disciplina jurídica recentemente definida ao seu abrigo pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A são materialmente desconformes – o primeiro, supervenientemente, o segundo, originariamente – com o princípio da gestão partilhada, entre a República e a Região Autónoma dos Açores, dos poderes legal e jusinternacionalmente reconhecidos ao Estado português sobre as zonas marinhas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores, tal como consignado no n.º 3 do artigo 8.º do respetivo Estatuto Político-Administrativo.
- A Constituição pronuncia-se sobre o enquadramento jurídico do mar, em primeiro lugar, no n.º 2 do artigo 5.º, que remete para a lei a definição dos limites e extensão das águas territoriais, da zona económica exclusiva e dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos, integrando essa lei, por força da alínea g) do artigo 164.º, a reserva absoluta de competência da Assembleia da República.
- Por outro lado, a alínea a) do n.º l do artigo 84.º da Constituição afirma que as águas territoriais com os seus leitos e fundos marinhos contíguos pertencem ao domínio público (estadual). Nessa sequência, a alínea v) do n.º l do artigo 165.º coloca a “definição e regime dos bens do domínio público” no seio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
- Finalmente, há ainda uma referência ao mar, no texto constitucional, na alínea s) do n.º 1 do artigo 227.º, que confere às regiões autónomas o poder de “participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos”. Quer isto dizer, portanto, que olhando à condição insular dos Açores e da Madeira e à sua profundíssima ligação ao mar, o legislador constituinte entendeu por bem inserir no modelo de relacionamento entre o Estado e as regiões autónomas um poder especial de participação, que de certa forma contrabalançasse, quer a dupla reserva de competência legislativa do Parlamento, quer a circunstância de a definição das políticas em causa ter de efetuar-se ao nível nacional.
- Todavia, mesmo quando as matérias em questão se encontram efetivamente reservadas aos órgãos de soberania, não pode esquecer-se que a Constituição não obriga por regra o legislador a fazer uma lei autónoma (e nominada) só sobre os conteúdos objeto dessa reserva. Daí que os Estatutos Político-Administrativos sejam leis absolutamente incontornáveis quando se trata da definição do regime jurídico do mar português. Tomando o Estatuto da Região Autónoma dos Açores (que é também o mais recente e o que contém disposições mais desenvolvidas sobre a matéria em apreço, é nele que, antes de mais, se procede à delimitação do território terrestre e marítimo regional, como parcelas do território terrestre e marítimo nacional (artigo 2.º, n.º 2); é nele que, igualmente, se faz o elenco dos bens que integram o domínio público da Região, e se exclui desse elenco o domínio público marítimo (do Estado) (artigo 22.º, n.º 3).
- Do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores ressalta um modelo de repartição das atribuições e competências que, no âmbito da função administrativa, hão de pertencer ao Estado e à Região Autónoma dos Açores no que respeita ao mar e, em particular, ao domínio público marítimo. Mais precisamente, nele se demarcam (pelo menos) três domínios competenciais distintos, a saber: uma reserva absoluta de Governo da República, respeitante a todas aquelas competências que envolvam o exercício de prerrogativas soberanas ou que pela sua natureza devam ser exercidas de forma unitária em todo o território nacional (segunda parte do n.º 1 e segunda parte do n.º 3); uma competência tendencialmente reservada à Região de licenciamento (e atuações afins) nas áreas da extração de inertes, das pescas e da produção de energias renováveis (n.º 2); por fim, uma ampla zona (residual) de competências concorrenciais entre o Estado e a Região, a qual deve subordinar-se a um princípio de gestão partilhada: ou seja, em que o legislador deve estabelecer mecanismos de codecisão ou de cooperação ou procedimentos reforçados de consulta (primeira parte do n.º 1 e primeira parte do n.º 3).
- Porque a realidade é sempre demasiado complexa para caber nos limites de uma qualquer classificação, não se tratará obviamente aqui de três domínios competenciais que possam ser recortados com precisão cirúrgica. Haverá entre eles zonas cinzentas e sobreposições inevitáveis. Mas, por isso mesmo, é forçoso reconhecer que o artigo 8.º é um preceito não exequível por si mesmo e, mormente, que não pode haver verdadeira gestão partilhada sem uma intervenção legislativa dos órgãos de soberania que determine – naturalmente após participação das instâncias regionais – os termos dessa mesma partilha. Na verdade, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando um regime jurídico envolve necessariamente entidades nacionais e entidades regionais, a sua definição legal só pode caber aos órgãos de soberania (Acórdão n.º 258/2007).
- Na sequência da terceira revisão do seu Estatuto Político-Administrativo, a Região Autónoma dos Açores tem produzido diversos diplomas legais sobre matérias relativas ao mar, que envolvem a densificação normativa das suas competências estatutárias em matéria de gestão do mar (artigo 8.º, n.º 2, e artigo 53.º) e, bem assim, em áreas conexas relativas ao turismo [artigo 55.º, n.º 2, alíneas d) e e)], à atividade portuária [artigo 56.º, n.º 2, alínea t)], e à proteção do ambiente marinho e costeiro [artigo 57.º, n.º 2, alíneas b), g) e m)].
- Contudo, a matéria versada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A ora sob sindicância, não recaindo sobre as “atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias renováveis” (n.° 2 do artigo 8.°), mas respeitando antes “aos demais poderes reconhecidos ao Estado Português sobre as zonas marítimas” (n.º 3 do artigo 8.º), pressupõe a existência de uma definição legislativa prévia, por parte dos órgãos de soberania, de um quadro de repartição de competências entre as autoridades nacionais e as autoridades regionais – definição essa que, manifestamente, não se encontra no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90.
- Numa primeira aproximação, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, ao abranger no seu âmbito de aplicação recursos geológicos que se situam no domínio público marítimo, parece versar sobre uma matéria que integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea v) e artigo 84.º da Constituição].
- Em segundo lugar, é sabido que a própria alínea i) do n.º 2 do artigo 53.º do decreto que originariamente continha a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo – alínea onde se dizia competir à Região legislar sobre “os regimes de licenciamento, no âmbito da utilização privativa dos bens do domínio público marítimo do Estado, das atividades de extração de inertes e da pesca” – foi considerada inconstitucional, em sede de fiscalização preventiva, pelo Acórdão n.º 402/2008 (pp. 5714-5716 do Diário da República, n.º 158, Série I, de 18 de agosto de 2008).
- Em terceiro lugar, sendo o domínio público marítimo pertença do Estado – como resulta do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto e do artigo 4.º da já mencionada Lei n.º 54/2005 –, a Região não poderia legislar sobre o respetivo regime jurídico sem exceder o âmbito regional (não num sentido puramente geográfico ou territorial, mas no sentido institucional que foi fixado para este conceito pelo Acórdão n.º 304/2011).
- Contudo, de um prisma substancial, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A não corresponde verdadeiramente ao exercício de uma competência legislativa, nos termos da alínea a) do n.º l do artigo 227.º, mas à regulamentação de uma lei emanada dos órgãos de soberania, ao abrigo da segunda parte da alínea d) do mesmo preceito constitucional. A lei regulamentada é naturalmente o referido Decreto-Lei n.º 90/90, que, como se viu, contém no seu artigo 52.º, uma habilitação para o exercício dessa competência por parte dos órgãos regionais.
- Assim, não só o Decreto-Lei n.º 90/90 não reserva para os órgãos de soberania a sua regulamentação, como prevê a sua regulamentação por diploma regional e a sua execução pelas respetivas administrações regionais. Terá sido entendimento do legislador nacional que, apesar de a matéria em questão, no plano legislativo, se inserir na reserva de competência da Assembleia da República, não se justificava, no plano administrativo, integrar a aplicação do diploma referido na denominada reserva de Governo da República.
- O facto de o Decreto-Lei n.º 90/90 versar sobre matéria reservada à Assembleia da República não constitui obstáculo à sua regulamentação regional, desde que o diploma regulamentar primeiro, seja de mera execução e, segundo, seja emanado pela Assembleia Legislativa. A existência de uma reserva de competência dos órgãos de soberania no âmbito legislativo não se estende ao âmbito regulamentar. Apenas se exige, em tais casos, que os regulamentos regionais de legislação nacional reservada sejam (meros) regulamentos de execução – isto é, destinados à boa aplicação das leis às situações concretas da vida –, e não regulamentos independentes, em que a lei regulamentada é vazia de conteúdo, fixando apenas a competência objetiva (a matéria) e subjetiva (o órgão competente) (artigo 112.º, n.º 7, segunda parte).
- Seguro é, por outro lado, que a regulamentação das leis emanadas dos órgãos de soberania se encontra constitucionalmente reservada à Assembleia Legislativa (artigo 232.º, n.º1) – e, portanto, excluída da competência regulamentar do Governo Regional, que está confinada às leis regionais.
- Por sua vez, o Estatuto estabelece que a forma a adotar em tais casos é a de decreto legislativo regional (artigos 41.º e 44.º, n.º 1). A existência destes atos normativos mistos, materialmente regulamentares mas formalmente legislativos não foi considerada inconstitucional pelo referido Acórdão n.º 402/2008 (pp. 5724-5726). Tratar-se-á de um simples excesso de forma que é aliás muito corrente na prática e que não prejudica os meios normais de defesa dos cidadãos em face das disposições de índole regulamentar (v.g.. impugnação contenciosa). Curiosamente, o próprio Decreto-Lei n.º 90/90 foi regulamentado por vários diplomas legislativos (Decretos-Leis n.ºs 85/90, 86/90, 87/90, 88/90, todos de 16 de março), em conformidade com o que se dispõe no seu artigo 51.º.
- Materialmente trata-se de um regulamento – e não de uma lei – como se verifica pelo cotejo entre o articulado do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A e o articulado do Decreto-Lei n.º 90/90. Por conseguinte, apesar da sua extensão ainda considerável – para além da assunção pela Região Autónoma dos Açores da execução do Decreto-Lei n.º 90/90 no âmbito insular, que é autorizada pelo artigo 52.º deste –, o conteúdo normativo primário do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A é muitíssimo reduzido, limitando-se os seus preceitos a fazer uma de quatro coisas: reproduzir pequenos segmentos do texto do Decreto-Lei; fazer adaptações orgânicas e relativas à forma dos atos, umas e outras necessárias à execução do regime material do Decreto-Lei pelas autoridades regionais; assegurar a articulação (mais formal do que substantiva) de regimes regionais pré-existentes ou a emanar posteriormente (e até de regimes nacionais e internacionais) com o regime do Decreto-Lei na sua aplicação aos Açores; regular aspetos (materiais e procedimentais) de pormenor, relativos a aplicação concreta do Decreto-Lei no contexto regional – essencialmente com um objetivo de preservação ambiental, uma vez que essa preocupação não seria em 1990 tão aguda como é hoje.
- Todavia, ainda que se exclua a inconstitucionalidade (orgânica) do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, nem por isso a sua validade material está garantida. Bem pelo contrário, segundo se julga, ao assumir a totalidade da aplicação administrativa do regime do Decreto-Lei n.º 90/90 na Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa violou de forma evidente o n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto, segundo o qual “os demais poderes reconhecidos ao Estado português sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes do arquipélago dos Açores [isto é, os poderes que excedam os previsto no n.º 2, relativos ao licenciamento da extração de inertes, da pesca e da produção de energia] (...) são exercidos no quadro de uma gestão partilhada com a Região, salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado.
- Na verdade, o conteúdo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A não é de todo um regime de partilha do exercício dos poderes administrativos entre o Estado e a Região – recorde-se que o artigo 8.º não diz respeito ao âmbito da competência legislativa, que está por definição reservada à Assembleia da República – mas sim um regime de exclusivo regional. Com efeito, não se prevê qualquer procedimento de decisão concertada ou de codecisão entre o Estado e a Região (cfr., Ana Maria Guerra Martins. A participação..., cit., pp. 32-33). O Estado não tem nenhum poder de veto ou de não ratificação de decisões da competência das autoridades regionais – por exemplo quando entenda que estas possam pôr em perigo a integridade ou a soberania do Estado – nem tão-pouco se prevê a sujeição das decisões dos órgãos regionais a pareceres obrigatórios e/ou vinculativos por parte dos órgãos competentes do Governo da República. Não há, tão-pouco, deveres especiais de informação e consulta da Região relativamente ao Estado, apesar de este ser o titular do domínio público marítimo. É certo que não cabe ao Tribunal Constitucional determinar em que termos se deve desenvolver a dita gestão partilhada entre o Estado e a Região – essa é, naturalmente, uma tarefa que implica o exercício de uma liberdade de conformação que só o legislador democrático dispõe –, mas cabe-lhe certamente verificar, mesmo à luz de um critério de evidência, que o regime constante do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A não corresponde manifestamente à ideia de gestão partilhada de poderes que foi adotada pelo legislador estatutário.
- De resto, sublinhe-se que esta ilegalidade por violação do n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto abrange não apenas o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, mas o próprio artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90 enquanto norma habilitante daquele – caso em que se trata de ilegalidade (material) superveniente (por violação de lei de valor reforçado).
- Parece evidente que tem de ser o legislador nacional a definir um quadro competencial de “reserva do Governo da República”, nos âmbitos materiais com relevo direto para a integridade e soberania do Estado e também a definir com precisão os termos de uma partilha equilibrada de competências administrativas nos restantes âmbitos materiais.
- O referido artigo 52.º, ao conceder um verdadeiro cheque em branco à Região, permitindo-lhe assumir a totalidade das competências previstas no próprio Decreto-Lei n.º 90/90 – sem qualquer restrição ou precaução –, não é mais compaginável com as exigências que entretanto foram introduzidas pelo preceito do Estatuto Político-Administrativo. O domínio público marítimo é pertença do Estado é ao Estado que compete definir as respetivas políticas – com participação regional [alínea s) do n.º 1 do artigo 227.º] – em consequência, a competência legislativa para definir o âmbito e o regime desse bem dominial é reservada aos órgãos de soberania.
- Na sequência da fundamentação exposta, conclui-se no sentido de que as normas contidas no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90 e no articulado do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A padecem do vício de violação de lei de valor reforçado, por desconformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, requerendo-se, em conformidade, a respetiva declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.
3. Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro veio oferecer o merecimento dos autos e não foi obtida resposta por parte do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
4. Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal (artigo 63º da LTC), cumpre formular a decisão em conformidade com a orientação que fez vencimento (artigo 65º da LCT).
II. Fundamentação
5. Objeto de fiscalização.
5.1. O requerente pede, em primeiro lugar, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90.
A disposição em causa tem o seguinte teor:
Artigo 52.º
Aplicação às regiões autónomas
«O disposto no presente diploma é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das competências dos órgãos do governo próprio e de diploma regional adequado que lhe introduza as necessárias adaptações».
5.2. O requerente pede também a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, de 9 de maio, cuja redação é a seguinte:
“CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma estabelece o regime jurídico de revelação e aproveitamento de bens naturais existentes na crosta terrestre, genericamente designados por recursos geológicos, integrados ou não no domínio público, do território terrestre e marinho da Região Autónoma dos Açores.
Artigo 2.º
Âmbito
1 – O presente diploma não se aplica às ocorrências de hidrocarbonetos, incluindo o gás natural e os hidratos de metano.
2 – O disposto no presente diploma não prejudica:
a) O regime jurídico de exploração de pedreiras, fixado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/A, de 5 de junho, que aprova o regime jurídico da revelação e aproveitamento de massas minerais na Região Autónoma dos Açores;
b) O regime jurídico de extração de inertes na faixa costeira e no mar territorial, fixado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 9/2010/A, de 8 de março, que aprova o regime jurídico de extração de inertes na faixa costeira e no mar territorial na Região Autónoma dos Açores;
c) O regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental, fixado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 30/2010/A, de 15 de novembro, que estabelece o regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental;
d) O regime jurídico do acesso e utilização de recursos naturais da Região Autónoma dos Açores para fins científicos, fixado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 9/2012/A, de 20 de março, que aprova o regime jurídico do acesso e utilização de recursos naturais da Região Autónoma dos Açores para fins científicos;
e) O regime jurídico de licenciamento da realização de investigação científica marinha.
3 – A revelação e aproveitamento de massas minerais e de águas de nascente, recursos geológicos que, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, não se integram no domínio público, podendo ser objeto de propriedade privada ou outros direitos reais, regem-se por diploma próprio, a aprovar por decreto legislativo regional.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende -se por:
a) «Água de nascente» as águas subterrâneas naturais que se não integrem no conceito de recurso hidromineral, desde que na origem se conservem próprias para beber;
b) «Água mineral natural» uma água considerada bacteriologicamente própria, de circulação profunda, com particularidades físico -químicas estáveis na origem dentro da gama de flutuações naturais, de que resultam propriedades terapêuticas ou simplesmente efeitos favoráveis à saúde;
c) «Água minero-industrial» uma água natural subterrânea que permite a extração económica de substâncias nela contidas;
d) «Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar» a convenção aberta para assinatura em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 60 -B/97, de 14 de outubro, que aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção;
e) «Convenção OSPAR» ou «OSPAR» a Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, adotada em Paris, no âmbito da reunião ministerial das Comissões de Oslo e Paris, em 22 de setembro de 1992, aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 59/97, de 31 de outubro, resultante da fusão e atualização da Convenção para a Prevenção da Poluição Marítima Causada por Operações de Imersão Efetuadas por Navios e Aeronaves, assinada em Oslo a 15 de fevereiro de 1972 (Convenção de Oslo), e da Convenção para a Prevenção da Poluição Marítima de Origem Telúrica, assinada em Paris a 4 de junho de 1974 (Convenção de Paris);
f) «Depósito mineral» todas as ocorrências minerais que, pela sua raridade, alto valor específico ou importância na aplicação em processos industriais das substâncias nelas contidas, se apresentam com especial interesse para a economia;
g) «Exploração» a atividade posterior à prospeção e pesquisa, visando o aproveitamento económico de um recurso geológico;
h) «Hidrato de metano» toda a concentração ou mistura natural na qual predominem sólidos constituídos por uma combinação cristalina entre moléculas de metano e moléculas de água;
i) «Hidrocarbonetos» toda a concentração ou mistura natural na qual predominem hidrocarbonetos no estado líquido, gasoso ou sólido;
j) «Massas minerais» as rochas e as ocorrências minerais não qualificadas como depósito mineral;
k) «Pedreira» uma instalação destinada a explorar uma ou mais massas minerais;
l) «Poluição do meio marinho» a introdução pela ação humana, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo as águas costeiras, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde humana, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio;
m) «Prospeção e pesquisa» as atividades que visam a descoberta e caracterização de um recurso geológico até à revelação da existência de valor económico;
n) «Público» uma ou mais pessoas singulares ou pessoas coletivas de direito público ou privado, bem como as suas associações, organizações representativas ou agrupamentos;
o) «Recurso geotérmico» os fluidos e as formações geológicas do subsolo, de temperatura elevada, cuja entalpia seja suscetível de aproveitamento;
p) «Recurso hidromineral» as ocorrências de águas minerais naturais ou de águas minero-industriais;
q) «Recursos minerais marinhos» todos os recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos in situ, no leito do mar ou no seu subsolo, incluindo os nódulos polimetálicos e os depósitos de hidratos de metano.
Artigo 4.º
Adaptação orgânica
Para efeitos da execução do presente diploma, as referências feitas no Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, a diversos órgãos e serviços e a atos da administração central entendem-se da seguinte forma:
a) «Administração» os órgãos e serviços da administração regional autónoma competentes em razão da matéria;
b) «Direção-Geral de Geologia e Minas» o departamento da administração regional autónoma competente em matéria de gestão dos recursos naturais;
c) «Governo» o Governo Regional dos Açores;
d) «Membro do Governo» o membro do Governo Regional competente em razão da matéria;
e) «Ministro da Indústria e Energia» o membro ou membros do Governo Regional competentes em matéria de indústria e energia;
f) «Ministro do Planeamento e da Administração do Território» o membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente;
g) «Resolução do Conselho de Ministros» resolução do Conselho do Governo Regional.
CAPÍTULO II
Revelação e aproveitamento dos recursos
Artigo 5.º
Proteção dos recursos e condicionamentos às atividades
1 – Sem prejuízo do cumprimento das normas de avaliação do impacte e do licenciamento ambiental, a que se refere o Decreto Legislativo Regional n.º 30/2010/A, de 15 de novembro, para assegurar a conveniente proteção dos recursos geológicos com vista ao seu aproveitamento, nos termos do disposto no artigo 12.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, as propostas dos interessados nas operações de prospeção, pesquisa e exploração de recursos geológicos, a que se referem os artigos 7.º e 9.º, contêm obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) A apresentação de planos específicos contendo as medidas de proteção ambiental e de recuperação paisagística a executar durante e após os trabalhos propostos;
b) A explicitação dos objetivos das operações, dos trabalhos a realizar, do destino dos materiais a recolher e das análises, estudos e avaliações a executar;
c) A apresentação de um plano de relatórios descrevendo a operação e os seus resultados e explicitando o seu conteúdo mínimo, periodicidade e forma de entrega e disponibilização;
d) Uma estimativa fundamentada dos custos da operação e dos investimentos a levar a cabo, indicando quais as despesas e investimentos que serão realizados na economia regional;
e) Uma análise detalhada dos custos e benefícios inerentes à operação, explicitando as vantagens económicas, laborais e fiscais para a Região Autónoma dos Açores, quando existam.
2 – Os planos que contenham as medidas de proteção ambiental e recuperação paisagística, a que se refere a alínea a) do número anterior, são aprovados pelo departamento da administração regional autónoma competente em matéria de ambiente, constituindo a sua aprovação condição prévia à emissão de quaisquer licenças ou autorizações e à celebração de quaisquer contratos.
3 – Os relatórios a que se refere a alínea c) do n.º 1 têm a periodicidade mínima de um ano, devendo conter todas as informações relevantes para a avaliação segura das quantidades de recursos geológicos removidos, as suas características e o destino que lhe seja dado.
4 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as informações necessárias à demonstração do cumprimento das obrigações a que se refere o n.º 1 são necessariamente públicas, sendo -lhes aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º e seguintes do Decreto Legislativo Regional n.º 30/2010/A, de 15 de novembro, devendo para o efeito todos os órgãos e serviços da administração pública regional e local que detenham informação relevante para a avaliação da informação, e cujo conteúdo e apresentação permita a sua disponibilização pública, permitir a consulta dessa informação e a sua utilização pelo proponente ou pelo público sempre que solicitados para o efeito.
5 – Quando os relatórios a que se refere a alínea c) do n.º 1 contenham informação que esteja abrangida pelo segredo industrial ou comercial, incluindo a propriedade intelectual, ou que seja relevante para a proteção da segurança nacional ou para a conservação do património natural e cultural, essa informação será inscrita em documento separado o qual é tratado de acordo com a legislação aplicável à proteção do segredo comercial e industrial, sendo esses documentos tornados públicos apenas quando se verifique uma das seguintes condições:
a) A entidade licenciadora, mediante despacho fundamentado do competente membro do Governo Regional, ouvida a entidade proponente, considere que a informação deixou de ser relevante face às razões que determinaram o sigilo;
b) Quando esteja exclusivamente em causa o segredo industrial ou comercial, incluindo a propriedade intelectual, a entidade proponente autorize ou promova a sua disponibilização pública;
c) Exceto quando esteja em causa a proteção da segurança nacional ou a conservação do património natural e cultural, quando ocorra a primeira das seguintes condições:
i) Decorridos cinco anos após o termo ou caducidade da autorização, licença ou contrato a que o documento tenha dado origem;
ii) Decorridos 15 anos após a data da sua submissão.
CAPÍTULO III
Prospeção e pesquisa
Artigo 6.º
Prospeção e pesquisa conduzidos por entidades oficiais
1 – Para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, a Região Autónoma dos Açores, através dos serviços competentes, pode executar trabalhos de prospeção e pesquisa, visando a descoberta de quaisquer recursos geológicos.
2 – Os trabalhos de prospeção e pesquisa referidos no número anterior são autorizados por despacho do membro do Governo Regional competente em matéria de gestão dos bens naturais, que será conjunto com o membro do Governo Regional competente em matéria de assuntos do mar caso devam ser executados no território marinho.
3 – Sem prejuízo das competências dos serviços integrados na administração central do Estado, a execução dos trabalhos de prospeção e pesquisa a que se referem os números anteriores pode ser executada diretamente pelos serviços dependentes da administração regional autónoma ou por entidades diretamente por eles contratadas, desde que sob o seu direto controlo.
4 – Sem prejuízo dos direitos intelectuais legalmente protegidos, a informação obtida direta ou indiretamente em resultado dos trabalhos de prospeção e pesquisa conduzidos por entidades públicas, ou maioritariamente financiados por fundos públicos, integra o domínio público, não podendo ser objeto de apropriação privada.
Artigo 7.º
Atribuição de direitos
1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, o convite para apresentação de propostas destinadas à atribuição de direitos de prospeção e pesquisa é feito mediante a publicação de resolução do Conselho do Governo Regional, da qual constará obrigatoriamente o tipo e o programa do concurso, incluindo as normas a seguir na avaliação das propostas, e as áreas e os recursos a atribuir.
2 – Na atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de recursos geológicos aplica -se, em todas as matérias que não estejam especificamente reguladas, o disposto no Código dos Contratos Públicos e no Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/A, de 28 de julho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 15/2009/A, de 6 de agosto, que estabelece as regras especiais a observar na contratação pública definida no Código dos Contratos Públicos.
Artigo 8.º
Contrato de prospeção e pesquisa
1 – O contrato administrativo para o exercício da atividade de prospeção e pesquisa a celebrar entre a Região Autónoma dos Açores e o interessado bem como todas as suas alterações e modificações são autorizados por resolução do Conselho do Governo Regional, a qual deve indicar os direitos e obrigações recíprocos, a área de exercício da atividade e a respetiva delimitação, o prazo inicial, as condições de prorrogação, o programa de trabalhos, o plano de investimento, a entidade competente para representar a Região Autónoma dos Açores no ato e as cláusulas que permitam salvaguardar o interesse público subjacente ao contrato.
2 – A minuta do contrato e das suas alterações e modificações é obrigatoriamente publicada em anexo à resolução do Conselho do Governo Regional referida no número anterior.
3 – A outorga do contrato garante à Região Autónoma dos Açores e ao interessado os direitos recíprocos referidos nos artigos 15.º e 16.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, para além de outros que tenham sido consignados no respetivo clausulado.
4 – A prerrogativa de alargamento da área abrangida na atribuição de direitos de prospeção e pesquisa, a que se refere o artigo 17.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, apenas pode ser concedida quando a mesma e a respetiva fundamentação da especial relevância para o exercício da atividade constarem explicitamente da resolução a que se refere o n.º 1 do presente artigo.
5 – Em cada prorrogação será necessariamente tornada área disponível, se outra fração maior não estiver fixada no contrato, pelo menos 25 % da área inicialmente abrangida pelo contrato.
6 – A rescisão do contrato a que se refere a alínea c) do artigo 20.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é declarada por resolução do Conselho do Governo Regional, ouvido o interessado.
7 – A prévia e expressa autorização para a transmissão de posições contratuais nas fases de prospeção e pesquisa, nas condições referidas no artigo 49.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, apenas pode ser concedida mediante resolução do Conselho do Governo Regional, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1 a 3.
CAPÍTULO IV
Exploração
Artigo 9.º
Atribuição de concessão
1 – O convite para apresentação de propostas destinadas à atribuição de direitos de exploração, a que se refere o n.º 3 do artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é feito mediante a publicação de resolução do Conselho do Governo Regional, da qual constará obrigatoriamente o tipo e programa do concurso, incluindo as normas a seguir na avaliação das propostas, e as áreas e os recursos a conceder.
2 – Na concessão de direitos de exploração de recursos geológicos aplica -se, em todas as matérias que não estejam especificamente reguladas, o disposto no Código dos Contratos Públicos e no Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/A, de 28 de julho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 15/2009/A, de 6 de agosto, que estabelece as regras especiais a observar na contratação pública definida no Código dos Contratos Públicos.
Artigo 10.º
Concessão de exploração
1 – O contrato de concessão de exploração a celebrar entre a Região Autónoma dos Açores e o concessionário bem como todas as suas alterações e modificações são autorizados por resolução do Conselho do Governo Regional, a qual, para além dos direitos e obrigações recíprocos, a área abrangida, o prazo e as condições exigidas de cada caso, deve indicar a entidade competente para representar a Região Autónoma dos Açores no ato e incluir as cláusulas que permitam salvaguardar o interesse público subjacente ao contrato.
2 – A minuta do contrato e das suas alterações e modificações é obrigatoriamente publicada em anexo à resolução do Conselho do Governo Regional referida no número anterior.
3 – A outorga do contrato garante à Região Autónoma dos Açores e ao concessionário os direitos e obrigações recíprocos referidos nos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, para além de outros que tenham sido consignados no respetivo clausulado.
4 – A prerrogativa de concessão de um período de exploração experimental, a que se refere o n.º 3 do artigo 22.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é autorizada por resolução do Conselho do Governo Regional, não podendo exceder cinco anos contados da data de assinatura do respetivo contrato, cuja minuta, e a das suas alterações e modificações, é obrigatoriamente publicada em anexo à resolução autorizadora.
5 – Os anexos de exploração, a que se refere o artigo 27.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, devem obrigatoriamente situar -se no território da Região Autónoma dos Açores.
6 – O contrato poderá, ainda, incluir cláusulas valorizando as propostas do concessionário que o obriguem a manter na Região Autónoma dos Açores determinadas operações diretamente ligadas à concessão ou aos produtos extraídos.
7 – A prévia e expressa autorização para a transmissão de posições contratuais na fase de exploração, nas condições referidas no artigo 49.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, apenas pode ser concedida mediante resolução do Conselho do Governo Regional, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1 a 3.
Artigo 11.º
Extinção do contrato
1 – A rescisão do contrato a que se refere a alínea c) do artigo 29.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é declarada por resolução do Conselho do Governo Regional, ouvido o interessado.
2 – A decisão de proceder ao resgate da concessão, nos termos da alínea e) do artigo 29.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é publicada por resolução do Conselho do Governo Regional, ouvido o interessado.
Artigo 12.º
Demarcação da concessão
1 – A demarcação da concessão é diretamente acompanhada por uma entidade acreditada pelo departamento da administração regional autónoma competente em matéria de gestão dos bens naturais, decorrendo as despesas resultantes desse acompanhamento por conta do concessionário.
2 – A redução ou alargamento da área demarcada, nos termos do n.º 3 do artigo 25.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é autorizada por resolução do Conselho do Governo Regional, a qual publica em anexo a minuta da correspondente alteração contratual.
3 – A integração de concessões, prevista no artigo 26.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é determinada por resolução do Conselho do Governo Regional, ouvidos os concessionários envolvidos.
Artigo 13.º
Acompanhamento e fiscalização
1 – Sem prejuízo das competências de fiscalização das entidades fiscais e de polícia, e da autoridade marítima nacional nas situações em que a exploração se faça no domínio público marítimo, cabe ao departamento da administração regional autónoma competente em matéria de gestão dos bens naturais acompanhar e fiscalizar as operações de extração.
2 – As guias de trânsito de acompanhamento dos minérios são emitidos eletronicamente através de uma plataforma eletrónica sedeada no portal do Governo Regional na Internet, sendo o respetivo modelo, formulários associados e normas de funcionamento fixados por portaria do membro do Governo Regional competente em matéria de recursos naturais.
CAPÍTULO V
Da ocupação, expropriação e servidão
Artigo 14.º
Expropriação de terrenos e servidão administrativa
1 – A expropriação a que se refere o n.º 2 do artigo 34.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, poderá ser operada a favor da Região Autónoma dos Açores ou de qualquer outra pessoa jurídica, singular ou coletiva, interessada na exploração.
2 – A servidão administrativa a que se refere o artigo 35.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, é constituída por resolução do Conselho do Governo Regional, a qual deve explicitar os seus limites e normas de proteção aplicáveis, sendo objeto de registo e publicitação nos termos legalmente aplicáveis.
Artigo 15.º
Áreas de reserva e áreas cativas
1 – As áreas de reserva e as áreas cativas, a que se referem os artigos 36.º e 37.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, são fixadas por decreto regulamentar regional.
2 – As normas que estabelecem as áreas de reserva e as áreas cativas referidas no número anterior devem ser integradas no plano especial de ordenamento do território aplicável ao território respetivo, nos termos legalmente fixados para aquela tipologia de planos.
3 – Quando se trate de áreas marinhas, as áreas de reserva e as áreas cativas são integradas no plano de ordenamento do espaço marinho, a que se refere o artigo 29.º do Decreto Legislativo Regional n.º 28/2011/A, de 11 de novembro.
Artigo 16.º
Proteção dos recursos e condicionamentos às atividades
1 – O perímetro de proteção, como o referido na alínea c) do n.º 4 do artigo 12.º do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de março, nomeadamente das zonas imediata, intermédia e alargada de proteção, a que se referem os artigos 42.º a 44.º do referido diploma, é estabelecido por resolução do Conselho do Governo Regional.
2 – Os perímetros de proteção e as normas que estabelecem as restrições a observar em cada uma das suas zonas são integrados no plano especial de ordenamento do território aplicável, nos termos legalmente fixados, e nos planos diretores municipais.
3 – A integração a que se refere o artigo anterior deve ocorrer na primeira revisão dos instrumentos de gestão territorial referidos que ocorra após a entrada em vigor da resolução referida no n.º 1.
Artigo 17.º
Proteção dos recursos geológicos dos fundos marinhos
1 – A exploração dos recursos geológicos no mar fica subordinada às disposições aplicáveis da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, nomeadamente às normas sobre exploração mineral que venham a ser adotadas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.
2 – A pesquisa e o aproveitamento de recursos minerais marinhos, incluindo as fases de prospeção e pesquisa, ficam igualmente condicionados às normas e recomendações sobre proteção da biodiversidade e da natureza adotadas no contexto do Anexo V à Convenção OSPAR.
3 – Todas as operações executadas no mar incluem obrigatoriamente um plano de prevenção da poluição do meio marinho previamente aprovado pelo competente departamento da administração regional autónoma.
4 – A aprovação do plano referido no número anterior é condição necessária para a emissão de qualquer licença ou autorização.
5 – O lançamento ao mar de quaisquer resíduos de mineração e a devolução ao mar de água utilizada na elevação de materiais minerais ou no seu processamento carecem de autorização específica, a conceder após avaliado o impacte ambiental da operação pretendida.
CAPÍTULO VI
Normas transitórias e finais
Artigo 18.º
Licenciamento da investigação científica marinha
Até à entrada em vigor do regime jurídico de licenciamento da realização de investigação científica no mar e nos seus fundos na Região Autónoma dos Açores, a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º, a autorização para a realização de atividades de exploração no mar dos Açores rege -se, com as necessárias adaptações, pelo disposto nos artigos 18.º e seguintes do Decreto -Lei n.º 52/85, de 1 de março, mantidos em vigor pelo disposto no n.º 2 do artigo 35.º do Decreto -Lei n.º 278/87, de 7 de julho.
Artigo 19.º
Aplicação de legislação
1 – Em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma, a prospeção, pesquisa e exploração de depósitos minerais rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março, com as seguintes adaptações:
a) Consideram -se como feitas aos competentes órgãos e serviços da administração regional autónoma as referências a órgãos e serviços da administração central do Estado;
b) As referências ao Diário da República entendem -se feitas ao Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores;
c) As referências a jornais de grande circulação entendem--se feitas aos jornais diários publicados na Região Autónoma dos Açores;
d) A qualificação de uma ocorrência mineral como depósito mineral, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março, faz -se por resolução do Conselho do Governo Regional;
e) O produto das coimas aplicadas e as taxas cobradas constituem receita da Região Autónoma dos Açores.
2 – Em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma, a prospeção, pesquisa e exploração de águas minero -industriais rege -se pelo disposto no Decreto -Lei n.º 85/90, de 16 de março, que aprova o regulamento das águas minero -industriais, com as seguintes adaptações:
a) Consideram -se como feitas aos competentes órgãos e serviços da administração regional autónoma as referências a órgãos e serviços da administração central do Estado;
b) As referências ao Diário da República entendem -se feitas ao Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores;
c) As referências a jornais de grande circulação entendem-se feitas aos jornais diários publicados na Região Autónoma dos Açores;
d) A qualificação de um recurso hidromineral como água minero -industrial, a que se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/90, de 16 de março, faz -se por resolução do Conselho do Governo Regional;
e) O produto das coimas aplicadas e as taxas cobradas constituem receita da Região Autónoma dos Açores.
3 – Em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma, a prospeção, pesquisa e exploração de águas minerais naturais rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 86/90, de 16 de março, que aprova o regulamento das águas minerais naturais, com as seguintes adaptações:
a) Consideram -se como feitas aos competentes órgãos e serviços da administração regional autónoma as referências a órgãos e serviços da administração central do Estado;
b) As referências ao Diário da República entendem-se feitas ao Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores;
c) As referências a jornais de grande circulação entendem-se feitas aos jornais diários publicados na Região Autónoma dos Açores;
d) A certificação de um recurso hidromineral como água mineral natural, a que se refere o artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 86/90, de 16 de março, faz -se por resolução do Conselho do Governo Regional;
e) O produto das coimas aplicadas e as taxas cobradas constituem receita da Região Autónoma dos Açores.
4 – Em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma, a prospeção, pesquisa e exploração de recursos geotérmicos rege -se pelo disposto no Decreto -Lei n.º 87/90, de 16 de março, que aprova o regulamento dos recursos geotérmicos, com as seguintes adaptações:
a) Consideram-se como feitas aos competentes órgãos e serviços da administração regional autónoma as referências a órgãos e serviços da administração central do Estado;
b) As referências ao Diário da República entendem-se feitas ao Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores;
c) As referências a jornais de grande circulação entendem-se feitas aos jornais diários publicados na Região Autónoma dos Açores;
d) A qualificação de um fluido ou de uma formação geológica como recurso geotérmico, a que se refere o artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 87/90, de 16 de março, faz –se por resolução do Conselho do Governo Regional;
e) O produto das coimas aplicadas e as taxas cobradas constituem receita da Região Autónoma dos Açores.
Artigo 20.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e aplica -se aos pedidos que se encontrem em tramitação.”
6. Delimitação do objeto do pedido de declaração de ilegalidade.
O requerente solicita a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade do disposto no artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de março, e de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, de 9 de maio.
Como parâmetro normativo do controlo da legalidade indica a norma do nº 3 do artigo 8º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei nº 39/80, de 5 de agosto, na redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei nº 2/2009, de 12 de janeiro (EPARAA).
Essa norma é extraída de um artigo que respeita aos “direitos da Região sobre as zonas marítimas portuguesas”, determinando que os poderes administrativos sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores sejam exercidos no quadro de uma gestão partilhada entre o Estado e a Região Autónoma.
O requerente entende que o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, ao assumir a totalidade das competências nas matérias em causa, e o artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, ao permiti-lo, enquanto norma habilitante, violam o n.º 3 do artigo 8.º do EPARAA, por tal não corresponder ao conceito de gestão partilhada.
Ora, da análise relacional efetuada às normas concretamente impugnadas e ao parâmetro de controlo facilmente se deteta a falta de correspondência total entre o objeto daquelas normas e o âmbito de aplicação da norma parâmetro. Efetivamente, enquanto a proposição prescritiva do nº 3 do artigo 8º do EPARAA incide diretamente sobre o domínio público marítimo, o objeto das normas questionadas reporta-se a bens naturais, integrados ou não no domínio público, que se podem enquadrar no conceito de domínio público geológico.
Há, pois, que delimitar o objeto do processo, de modo a adequá-lo com a questão de ilegalidade arguida.
O Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A estabelece o «regime jurídico de revelação e aproveitamento de bens naturais existentes na crosta terrestre, genericamente designados por recursos geológicos, integrados ou não no domínio público, do território terrestre e marinho da Região Autónoma dos Açores» (cfr. artigo 1º). Nos termos desta norma, as diversas espécies de bens naturais que constituem o objeto do diploma – os recursos geológicos – localizam-se tanto na crosta continental («o território terrestre») como na crosta oceânica («o território marinho») do Território regional; e considerando a respetiva titularidade, compreendem os recursos dominiais (os integrados no domínio público) e os recursos patrimoniais (os não integrados no domínio público).
Como o parâmetro de fiscalização – o artigo 8º do EPARAA – dispõe apenas sobre a administração do domínio público marítimo do Estado, do objeto de fiscalização têm que ficar excluídas as normas que no âmbito da sua previsão e estatuição incluam os recursos geológicos cuja revelação e aproveitamento não depende do uso e fruição do domínio público marítimo do Estado. Deste modo, fora do confronto com aquela norma têm que ficar os recursos geológicos que (i) não se situam no território marinho; (ii) não têm natureza de bens dominiais (iii) ou que pertencem ao domínio público regional.
O objeto do controlo de legalidade das normas questionadas pelo recorrente fica assim restrito às normas jurídicas impugnadas quando aplicadas aos «recursos minerais marinhos», definidos na alínea q) do artigo 3º do Decreto Legislativo nº 21/2012/A como sendo «todos os recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos in situ, no leito do mar ou no seu subsolo, incluindo os nódulos polimetálicos e os depósitos de hidratos de metano». É esta espécie de substâncias minerais, incluídas na categoria de recursos geológicos, que se encontra (ou que se pode encontrar) em bens pertencentes ao domínio público marítimo, designadamente no leito das águas costeiras e territoriais e nos fundos marinhos contíguos da plataforma continental.
Pode mesmo dizer-se que um dos principais objetivos do decreto regional impugnado, naquilo que de mais específico tem relativamente ao Decreto-lei nº 90/90, é regulamentar a exploração económica dos recursos geológicos existentes no leito e subsolo do mar territorial e dos fundos marinhos adjacentes aos Açores.
Com efeito, a importância económica e social para os Açores desses recursos vem logo referida no preâmbulo do diploma, quando refere que «os depósitos minerais conhecidos se concentram nos fundos marinhos contíguos ao arquipélago» e justifica a normação instituída no «elevado potencial económico do investimento na exploração económica dos fundos oceânicos, que permite antever investimentos estruturantes ou de valor estratégico para a economia açoriana, essencialmente assentes em investimento estrangeiro relevante»; acrescentando ainda que «no presente diploma merecem particular atenção as questões referentes aos recursos geológicos localizados no território marítimo da Região Autónoma dos Açores, em especial os situados para além do mar territorial».
7. Mérito do pedido.
7.1. Delimitado o pedido às normas impugnadas, quando reportadas aos recursos minerais marinhos, os que existem ou podem existir no leito ou subsolo pertencente ao domínio público marítimo, a primeira questão de fundo que tal delimitação põe em luz consiste em saber se o objeto de tais normas se situa ou não além das fronteiras do domínio público marítimo.
A alínea q) do artigo 3º do Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A autonomiza os “recursos minerais marinhos” da categoria mais vasta de “depósitos minerais”, definidos como «todas as ocorrências minerais que, pela sua raridade, alto valor específico ou importância na aplicação em processos industriais das substâncias nelas contidas, se apresentam com especial interesse para a economia» (cfr. art. 2º do Decreto-Lei nº 90/90 e alínea f) do art. 3º do Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A). Além disso, integra na categoria de recursos minerais marinhos os «nódulos polimetálicos» (concentrações de metais ricos em manganésio, ferro, cálcio, cobalto, cobre, níquel e titânio) e os «hidratos de metano» (mescla de hidrato de gás e metano), substâncias minerais que não estão incluídas no conjunto dos recursos que integram a categoria de depósitos minerais (cfr. nº 1 do art. 3º do Decreto-lei nº 88/90, de 18 de março).
Apesar de autonomizados na regulamentação regional, os recursos minerais marinhos não deixam de ser substâncias minerais totalmente integradas na categoria mais ampla de depósitos minerais, pois o artigo 2º do Decreto-lei nº 90/90, não só integra nesta categoria as ocorrências minerais situadas «nos fundos marinhos da zona económica exclusiva», como determina a aplicação das suas disposições ao aproveitamento de «depósitos minerais» existentes nessas zonas marítimas.
Ora, por imperativo constitucional (alínea c) do n.º1 do artigo 84º da CRP) e por determinação da lei (nº 2 do artigo 1º do Decreto-lei nº 90/90), os jazigos ou depósitos minerais situados no leito ou subsolo do mar territorial ou nos fundos marinhos contíguos (plataforma continental) são bens que adquiriram o estatuto da dominialidade: são bens do domínio público ou «bens dominiais», sujeitos a um regime jurídico específico de direito público.
A inclusão no domínio público deste tipo de bens, embora contestada por alguma doutrina (cfr. José Pedro Fernandes, Domínio Público, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol. IV, pág. 179), tem razão de ser na «circunstância de os mesmos possuírem caráter não renovável (impedindo a sua exploração desregrada), à qual acresce a importância decisiva que podem assumir de um ponto de vista económico, designadamente em termos industriais e de estímulo à riqueza de um país (…) e ainda por razões que se prendem como a necessidade de limitação (rectius, de controlo) da atividade de exploração de recursos geológicos em geral, e mineira em particular» (cfr. Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Domínio Público – O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, pág. 219-220).
Considerando a consistência material dessa espécie de recursos naturais e sobretudo a função específica ou primordial da utilidade pública por eles produzida, apesar das dificuldades de sistematização das coisas públicas, fazem parte do grupo classificado como «domínio público geológico», também designado na doutrina portuguesa por domínio público mineiro (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 907).
À primeira vista, a integração dos recursos minerais marinhos no domínio público geológico facilita a argumentação de que o objeto das normas questionadas não se enquadra na norma invocada pelo requerente como parâmetro de legalidade – o artigo 8º do EPARAA –, uma vez que esta norma limita-se a estabelecer uma divisão de competências administrativas entre o Estado e a Região Autónoma dos Açores no que se refere ao domínio público marítimo.
Na verdade, a estrutura material e funcional dos bens integrados no domínio público geológico diverge substancialmente dos bens que fazem parte do domínio público marítimo. Uma coisa é o leito do mar, o subsolo correspondente e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, outra bem diferente são as ocorrências minerais existentes nesses espaços marítimos. Os depósitos ou jazigos de substâncias minerais existentes no solo e subsolo cobertos pelas águas do mar constituem uma categoria de coisas públicas distinta dos bens em que estão integradas e que por isso mesmo pode ser sujeita a um regime jurídico de dominialidade diverso do previsto para os bens em que se integram. Não obstante a conexão física indissociável entre ambos os bens, para efeito da dominialidade, os recursos minerais marinhos autonomizam-se do solo e subsolo marinho, que pertence ao domínio público marítimo, e integram-se no domínio público geológico (cfr. alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 84º da CRP).
Por outro lado, a autonomização desses bens dominais, com a consequente subordinação a um regime jurídico diverso daquele em que se encontram integrados, torna possível que os titulares dos poderes de domínio sobre cada um desses bens sejam entidades administrativas diferentes. É que, em virtude do nº 2 do artigo 84º da CRP, os sujeitos com legitimidade para serem titulares do domínio público são as pessoas coletivas públicas territoriais – Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais. Ora, se os entes públicos territoriais com poderes sobre os bens dominiais podem ser vários, nada obsta a que bens que se encontram física e funcionalmente ligados, mas juridicamente autonomizados, possam constituir domínios públicos «pertencentes» a diferentes titulares.
7.2. É verdade que não decorre diretamente da Constituição a pertença ao domínio público estadual de todos os bens naturais cujo regime jurídico é regulado pelo Decreto-Lei n.º 90/90, nomeadamente os jazigos minerais expressamente mencionados na alínea c) do nº 1 do artigo 84.º da CRP. De facto, a Lei Fundamental estatui apenas a sua pertença ao domínio público em geral – um domínio público ex constitucione – remetendo para a lei, no n.º 2 daquele artigo, a definição dos bens que integram o domínio público de cada ente público territorial: «a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites».
Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira “compete à lei a determinação do sujeito titular dos diversos tipos de bens do domínio público, embora pareça natural que certos bens não podem deixar de integrar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (...). Já assim não sucede, ou não tem de suceder, por exemplo, em relação ao domínio público hídrico (não marítimo) (...) ou até ao domínio público geológico, designadamente quando tais bens não estejam vinculados territorialmente ou funcionalmente ao exercício de direitos dominiais soberanos” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edição revista, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1004 e 1005).
Apesar dos recursos minerais fazerem parte do domínio público ex constitutione, isso não significa que a respetiva titularidade tenha que pertencer sempre ao Estado. A esse propósito, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros que «não é seguro que se possa extrair da Constituição que o domínio público geológico seja um exclusivo do Estado, não se vislumbrando à partida motivo para vedar, em absoluto, a entidades não estaduais, e designadamente às Regiões autónomas, a titularidade de algumas realidades aqui compreendidas (v.g. nascentes de águas mineromedicinais)» (cfr. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 93).
Nesse sentido, o nº 2 do artigo 22.º do EPARAA integra no domínio público regional os jazigos minerais, os recursos hidrominerais, incluindo as nascentes de águas minerais naturais e as águas mineroindustriais, e os recursos geotérmicos.
E assim sendo, parece haver uma contradição entre o disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 90/90, que prevê a integração no domínio público do Estado de todos os recursos geológicos acima referidos e o disposto naquela norma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. O que seria facilmente resolvido, seja pela prevalência do Estatuto em relação às restantes leis da República, incluindo os decretos-leis, uma vez que, nos termos dos artigos 226.º e 112.º, n.º 3, da CRP, é uma lei de valor reforçado, seja pelo recurso aos princípios de aplicação da lei posterior ou da aplicação da lei especial face à lei geral.
Nesse enquadramento, poder-se-ia concluir que (i) os bens naturais integrados no domínio público geológico pertencem hoje ao domínio da Região Autónoma dos Açores; (ii) o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A veio regular o regime jurídico de revelação e aproveitamento de recursos geológicos que pertencem ao domínio público regional; (iii) e que a Região Autónoma dos Açores atuou no quadro das suas competências próprias, não se aplicando, por conseguinte, o princípio da gestão partilhada previsto no artigo 8º do EPARAA.
Simplesmente, no que se refere à titularidade dos recursos minerais marinhos, não se pode concluir que os mesmos estejam ao alcance da alínea c) do nº 2 do artigo 22º do EPARAA.
O EPARAA, na redação introduzida pela terceira revisão – Lei nº 2/2009, de 12 de janeiro – definiu no artigo 22º o domínio público regional através de uma cláusula geral de dominialidade regional, a qual já estava prevista no artigo 112º da anterior versão, acrescida de uma enumeração exemplificativa dos bens dominiais que pertencem à Região e de uma enumeração taxativa dos bens que estão excluídos do domínio público regional (nº 2 e 3 do artigo 22º). Segundo aquela cláusula, «os bens situados no arquipélago historicamente englobados no domínio público do Estado ou dos extintos distritos autónomos integram o domínio público da Região»; e na alínea c) do nº 2 especifica-se que os «jazigos minerais» são bens dominiais pertencentes à Região.
No entanto, a identificação do domínio público regional por referência aos «bens situados no arquipélago», e não aos bens situados no «território regional», exclui desse domínio os bens situados nas águas interiores, no mar territorial e na plataforma continental contíguos ao arquipélago, que fazem parte integrante do território regional (nº 2 do artigo 2º do EPARAA). Da conjugação do artigo 22º com o artigo 2º do Estatuto concluiu-se que apenas os bens situados nas ilhas e ilhéus que formam o arquipélago dos Açores, historicamente englobados no domínio público do Estado ou dos extintos distritos autónomos, integram o domínio público regional.
Como referem Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, em anotação ao artigo 104º do EPARAA – resultante da primeira revisão, mas que correspondente ao artigo 90º da versão inicial e, com ligeiras alterações, ao nº 1 do atual artigo 22º – «o próprio nº 1 do artigo 104º, ao estabelecer que os bens do domínio público do Estado que integram o domínio público da Região são os que estão “situados no arquipélago”, conjugado com o disposto no nº 1 do artigo 1º do Estatuto, segundo o qual o arquipélago dos Açores é composto por um conjunto de ilhas e ilhéus, o que, literalmente, não abrange o mar circundante, parece apontar no sentido de que o domínio público da Região se estende apenas ao que se encontra emerso nas ilhas e ilhéus. O argumento foi utilizado por Álvaro Monjardino (v. Sobre ao antigo património …cit. pág. 37): “em termos de domínio público só o que se encontra nas ilhas dos Açores e seus ilhéus pertence, salvas as exceções indicadas, à Região Autónoma. Os Açores, assim, não têm, domínio público marítimo. Têm domínio público, mas em terra firme: e, quanto ao hídrico, apenas do que se localiza dentro de ou sobre essa terra firme» (cfr. Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores Anotado, Principia, pág. 251).
Nem se diga que da norma do nº 2 do artigo 2º do EPARAA se pode extrair a intenção de transferir para a Região os bens que, pela própria natureza das coisas e em função do exercício da soberania, se integram no domínio público necessário do Estado, devendo antes ser interpretada como tenho apenas por objetivo a demarcação territorial da Região no que concerne ao mar territorial e à plataforma continental (cfr. Parecer da Comissão Constitucional nº 26/80, in, Pareceres, INCM, 13º Vol. pág. 183 e ss. e Acórdão nº 330/99).
Portanto, os recursos naturais marinhos, sólidos, líquidos ou gasosos, situados no leito ou subsolo do mar territorial e da plataforma continental contíguos ao arquipélago dos Açores são recursos geológicos integrados no domínio público do Estado, por força do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 90/90 de 16 de março, e não no domínio público regional.
7.3. E compreende-se que os recursos minerais marinhos situados no mar e na plataforma continental contíguos ao arquipélago dos Açores constituam domínio público do Estado e não da Região.
Esse tipo de recursos geológicos encontra-se (ou pode encontrar-se) no leito e no subsolo correspondente do mar territorial e da plataforma submarina contígua ao arquipélago, que são bens naturais sobre os quais o Estado exerce direitos dominiais «resultantes da jurisdição incluída no senhorio da entidade soberana sobre o território onde tem assento (o chamado domínio eminente)» (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9º ed. Tomo II, pág. 869).
Os espaços marítimos territoriais, ainda que integrados no território regional, não deixam de ser espaços conaturais à caracterização do território do Estado Português (cfr. artigo 5º da CRP), enquanto lugar do exercício da soberania estadual. Se bem que a soberania não constitua por si só um elemento explicativo da estrutura e conteúdo da dominialidade, por se dirigir à generalidade das pessoas e das coisas e não a bens determinados, a verdade é que aqueles espaços marítimos são «bens conexionados de uma forma muito especial com a integridade territorial do Estado e com a respetiva sobrevivência enquanto tal, senão mesmo com a própria identidade (identificação) nacional» (cfr. Ana Raquel Moniz, ob. cit. pág. 292 e 293).
Se na vigência das anteriores versões do EPARAA, perante a letra do artigo 90º (ou dos artigos 104º e 112º, nas versões posteriores), era controvertida a identificação dos bens que deviam compor o domínio público regional, designadamente quanto ao domínio público marítimo, após a 3ª revisão não há qualquer dúvida que o domínio público marítimo está excluído do domínio público regional. O nº 3 do artigo 22º do Estatuto exclui do domínio público regional «os bens afetos ao domínio público militar, ao domínio público marítimo e ao domínio público aéreo e, salvo quando classificados como património cultural, os bens dominiais afetos a serviços públicos não regionalizados».
A exclusão do domínio regional do leito das águas territoriais e dos fundos marinhos contíguos da plataforma continental integrados no território regional fundamenta-se no facto de serem bens «inerentes ao próprio conceito de soberania» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 1004). Os bens do domínio marítimo (ou os domínios militar e aéreo) são «bens indissociavelmente ligados à soberania que não podem pertencer ao domínio público regional, fazendo parte do domínio público necessário do Estado, tomada na aceção de pessoa coletiva de direito público que tem por órgão o Governo, e aí devem permanecer integrados. O domínio público necessário é constituído pelos bens que não podem deixar de pertencer ao Estado unitário, devido à sua intrínseca ligação à soberania» (cfr. Rui Medeiros, Tiago de Freitas e Rui Lanceiro, Enquadramento da Reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, dezembro de 2006, pág. 190).
De igual modo, a pertença ao Estado do domínio público marítimo, nele incluindo as águas interiores, o mar territorial e a plataforma continental contíguos ao arquipélago dos Açores, foi por diversas vezes afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que considerou não ser «constitucionalmente possível integrar o domínio público marítimo no domínio público da Região» (Acórdão nº 330/99) e que, «por força do princípio da unidade do Estado e da obrigação que lhe incumbe de assegurar a defesa nacional (…) não é possível a transferência para os Governos Regionais de determinados bens, nomeadamente os que integram o domínio público marítimo, domínio público necessário do Estado» (Acórdão nº 131/2003). Ou seja, a titularidade do domínio público marítimo cabe ao Estado (artigo 4º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro), mas «cabe, e não pode deixar de caber, por imperativo constitucional, atenta a sua incindível conexão com a identidade e a soberania nacionais» (Acórdão nº 402/2008).
7.4. Ora, o fundamento fornecido pela soberania, para justificar a titularidade estadual do leito e subsolo do mar territorial e da plataforma continental contíguos ao arquipélago dos Açores, é também razão justificativa para se atribuir ao Estado o domínio dos recursos geológicos integrados ou fisicamente incorporados naqueles espaços marítimos. Os recursos minerais marinhos são bens públicos sujeitos a um regime jurídico de dominialidade que, pela sua especificidade, se distingue do regime estabelecido para o domínio público marítimo. Mas apesar de se não confundirem com o domínio público marítimo, estão intrinsecamente ligados a ele, em termos de interferirem nos poderes inerentes a essa dominialidade. Seja qual for a sua classificação em sede de teoria das coisas (v.g. «partes componentes», «partes integrantes», «frutos» ou «produtos»), a verdade é que os recursos minerais marinhos se encontram estreitamente conexionados com o leito do mar e subsolo correspondente.
A ligação intrínseca entre ambos os bens naturais impede mesmo que tais recursos sejam tidos com res nullius, ou seja, bens abandonados antes de revelados e explorados. De facto, como refere Bonifácio Ramos, «os recursos geológicos não se encontram abandonados no momento da atribuição do direito de pesquisa ou de exploração, mas integram-se no subsolo de um imóvel que, no seu conjunto, se encontra na titularidade de uma ou de várias pessoas jurídicas. Mesmo os recursos geológicos que ainda não tenham sido descobertos no momento da celebração do contrato não serão res nullius» (cfr. O Regime e a Natureza Jurídica do Direito dos Recursos Geológicos dos Particulares, Lex. pág. 180 e 181).
Antes de reveladas, as substâncias minerais de interesse económico depositadas no solo ou subsolo coberto pelas águas do mar territorial estão integradas no domínio público marítimo, e por isso mesmo só o respetivo titular – o Estado – tem o poder de ordenar ou autorizar a sua pesquisa e prospeção. Sobre o espaço marítimo territorial, o Estado exerce todas as faculdades de utilização e fruição que a natureza pública do domínio consente, incluindo a possibilidade de rentabilização e exploração económica. Sem que haja a descoberta do recurso mineral numa determinada área marítima, o titular do domínio pode proceder ou autorizar atividades de prospeção e pesquisa desses minerais. Este poder faz parte dos direitos dominiais inerentes ao domínio público marítimo e não ao domínio público geológico, pois nessa fase nem sequer se sabe se o recurso existe na área objeto de prospeção. Como se conclui no Parecer nº 92/88, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, «os direitos de fruição, administração e polícia do domínio público pertencem ao Estado soberano que os deve exercer no contexto do interesse nacional» (cfr. Pareceres, Vol. III, pág. 573 e ss). Por conseguinte, as operações tendentes à descoberta de recursos minerais marinhos e à avaliação do interesse económico da descoberta são “atos de administração” do domínio público marítimo.
Após a revelação, o recurso mineral marinho integra-se automaticamente no domínio público geológico (cfr. nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 90/90). E assim, a descoberta dos recursos minerais dá origem a uma alteração quantitativa do domínio, causando como que uma divisão ou «desmembramento» do seu objeto: os recursos minerais passam a constituir objeto do domínio público geológico e o solo e subsolo marinhos onde eles se encontram são objeto do domínio público marítimo.
Esta sobreposição de domínios, decorrente da unidade física de ambos os objetos, implica que em certos casos o uso e fruição de um tenham que ser exercidos à custa (et pour cause) do outro. Com efeito, o aproveitamento dos recursos minerais através da atribuição a terceiros de direitos de prospeção, pesquisa ou exploração exige a demarcação da área onde será exercida essa atividade (cfr. artigo 25º da Decreto-Lei nº 90/90), demarcação esta que é uma faculdade característica do dominus soli. Mesmo que a titularidade dos recursos geológicos pertencesse a outra entidade pública, que não o Estado, o seu aproveitamento só poderia ocorrer por força da compressão ou constrição do domínio público marítimo.
Por outro lado, os recursos minerais, relativamente ao leito do mar e seu subsolo onde se encontram depositados, aparecem qualificados na lei como «produtos resultantes da exploração» (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 90/90). E por isso, ainda que idealmente separados para efeitos de um domínio específico, não deixam de constituir vantagens incluídas no posse de determinadas parcelas do domínio público marítimo, com possibilidade de rentabilização e exploração económica.
Enquanto se mantêm ligados materialmente ao solo ou subsolo, os recursos minerais marinhos são partes integrantes desses bens naturais, divergindo a doutrina civilista, a propósito do direito de mineração, em categoriza-los como «frutos», «produtos» ou «partes da coisa-objeto»: para Manuel de Andrade, à luz do critério do destino económico da coisa frutífera, «todos qualificam como frutos os minérios extraídos de minas em lavra regular (e analogamente para explorações semelhantes: pedreiras, etc.) – cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I. Almedina, pág. 268, nota 3); para Pires de Lima e Antunes Varela, «a extração de minério de uma mina, bem como da pedra de uma pedreira, por exemplo, apesar de afetar de algum modo a substância da coisa pode e deve ser considerada como uma colheita ou recolha de frutos» (cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 190); já para Oliveira Ascensão, o minério «é um produto da mina» ou uma parte ou produto «de uma coisa sobre a qual o Estado afirmou a sua titularidade», embora «o caráter continuado da extração e a lentidão do esgotamento trazem uma analogia com os frutos que leva a que se lhe aplique o regime traçado para estes» (cfr. Teoria Geral de Direito Civil, Vol. II, Lisboa, 1992, pág. 72 e 73 e Direitos Reais, Livraria Petrony, 1971, pág. 533 e 534).
Da aproximação dos recursos minerais marinhos às categorias de «fruto» ou «produto» do solo ou subsolo do mar territorial decorre: (i) a sua qualificação como coisas imóveis (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 204º do Código Civil); (ii) e a atribuição do direito aos recursos minerais ao titular do respetivo direito de fruição (cfr. artigo 213º do Código Civil).
Ora, em princípio, o titular dos direitos de fruição, que fazem parte do conteúdo do domínio público marítimo, é o Estado. O Estado exerce-os nos mesmos termos em que o faz relativamente aos demais bens encontrados no leito do mar, embora não qualificados como dominiais. Relativamente a estes bens, como é o caso das areias ou dos objetos de valor histórico, arqueológico e artístico, o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela sua pertença ao Estado, como «frutos da administração» do domínio público marítimo (Acórdãos nºs 280/90 e 330/99).
7.5. Mas o facto de o leito das águas territoriais e dos fundos marinhos contíguos ao arquipélago dos Açores e os recursos naturais neles integrados pertencerem ao domínio público do Estado, não impossibilita, do ponto de vista da Constituição, que alguns dos poderes de gestão desse domínio possam ser afetos à Região.
O que o Estado não pode transmitir, seja a quem for, é a titularidade do domínio público marítimo, incluindo aí os poderes e prerrogativas que formam o núcleo essencial da dominialidade (os poderes de domínio), assim como a propriedade dos recursos naturais nele situados, enquanto não se produzir a desafetação ou separação. A ilação que se extrai da estadualidade do domínio público marítimo é que os bens que o integram são, pela sua natureza, insuscetíveis de transferência para particulares ou para outras entidades públicas. Como refere a jurisprudência deste tribunal, por força do princípio da unidade do Estado, o legislador está proibido constitucionalmente de transferir para as regiões autónomas bens integrados no domínio público marítimo (cfr. Acórdãos nº 330/99, nº 131/2003 e nº 402/2008).
E a mesma proibição vale quanto à propriedade dos recursos naturais integrados no domínio púbico marítimo, enquanto não se produzir a desafetação ou separação do leito do mar ou do respetivo subsolo. A inalienabilidade desta espécie de bens está expressamente prevista no artigo 2º da Lei nº 88-A/97, de 25 de julho (alterada pelas Leis n.º 17/2012, de 26 de abril e n.º 35/2013, de 11 de junho), que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas: «a exploração dos recursos do subsolo e dos outros recursos naturais que, nos termos constitucionais, são pertencentes ao Estado será sempre sujeita ao regime de concessão ou outro que não envolva a transmissão de propriedade dos recursos a explorar, mesmo quando a referida exploração seja realizada por empresas do setor público ou de economia mista» (sublinhado nosso).
Ora, em princípio, a impossibilidade de transferência de bens do domínio público marítimo do Estado arrasta consigo a impossibilidade de transferência dos poderes dominiais que sobre eles recaiam. No Acórdão nº 131/03 refere-se que «é corolário necessário da não transferibilidade dos bens do domínio público marítimo do Estado a impossibilidade de transferência dos poderes que sejam inerentes à dominialidade, isto é, os necessários à sua conservação, delimitação e defesa, de modo a que tais bens se mantenham aptos a satisfazer os fins de utilidade pública que justificaram a sua afetação».
Isso não significa, porém, que esteja excluída a possibilidade de transferência de todo e qualquer poder característico da dominialidade. O reenvio que o artigo 84º da CRP faz para lei, quanto à definição dos bens integrantes do domínio público, bem como do seu regime, condições de utilização e limites (alínea f) do nº 1 e nº 2), consente a separação entre titularidade e o exercício dos poderes característicos do estatuto da dominialidade, o que significa, por outras palavras, que a titularidade do domínio não engloba necessariamente todos os poderes de gestão do bem dominial (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. págs. 85 e ss.).
E daí que, no conjunto dos poderes que podem incidir sobre os bens dominiais, se tenha que distinguir aqueles que apenas podem ser exercidos pelo titular dominial, sob pena de não se assegurar o fim público a que direta e permanentemente estão destinados, daqueles que podem ser exercidos por entidades diferentes do respetivo titular, sem se comprometer aquela finalidade.
De facto, não pode deixar de se reconhecer que há poderes ou faculdades inerentes à dominialidade que não podem ser subtraídos ao seu titular sem se ofender o fim e a função pública que justifica a dominialização do bem. No domínio público marítimo são intransferíveis os poderes que respeitem à integridade e soberania do Estado ou os poderes que sejam incompatíveis com a integração dos bens em causa nesse domínio, designadamente os poderes de manutenção, delimitação e defesa do domínio. Já quanto à gestão do bem dominial, incluindo o seu aproveitamento ou utilização, não há impedimento a que ela seja dissociada do titular do domínio e confiada a outras pessoas coletivas públicas ou a particulares, designadamente concessionários (cfr. Ana Raquel Moniz, ob. cit. pág. 400 e 401).
Assim, enquanto a transferência daqueles “poderes primários” para as regiões autónomas «ofenderia a dominialidade estatal necessária do bem em causa» (cfr. Rui Medeiros, Tiago de Freitas e Rui Lanceiro, Enquadramento…cit. pág. 190), o mesmo não ocorre com a transferência de “poderes secundários” que não ponham em causa a integridade territorial e a autoridade do Estado, ou que sejam compatíveis com a integração dos bens no domínio público. Não está, pois, excluída a «possibilidade de transferência de um poder ou faculdade bem especificados, desde que não seja posto em causa o núcleo essencial da dominialidade e, naturalmente, desde que haja conexão entre tais poderes e o interesse específico das regiões» (cfr. Pedro Lomba, “Regiões autónomas e transferência de competências sobre o domínio natural. Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/03”, in, Jurisprudência Constitucional, 2004, pág. 65).
Neste sentido, e denotando uma mudança no sentido da jurisprudência anterior, no Acórdão nº 402/2008, diz-se o seguinte:
«O que acaba de dizer-se não significa – cumpre sublinhá-lo — que, mantida incólume a titularidade do Estado, não estejam constitucionalmente legitimadas formas dúcteis de exploração e rendibilização dos bens dominiais, em cuja definição tenham um papel relevante os poderes regionais. Uma tal opção encontra apoio claro nos fundamentos e objetivos da autonomia traçados no artigo 225.º, em particular nos objetivos de “desenvolvimento económico-social” e no de “promoção e defesa dos interesses regionais” (n.º 2 do citado artigo).
Nem sequer, rejeitada a tese de que a titularidade do domínio é necessariamente acompanhada pela titularidade de (todas as) competências gestionárias, estará excluída a possibilidade de uma transferência para outros entes de certos poderes de gestão ínsitos na titularidade do Estado, designadamente de poderes que não digam respeito à defesa nacional e à autoridade do Estado. A não regionabilidade da titularidade do domínio público marítimo integrante ou circundante da área territorial das regiões autónomas não arrasta consigo, como consequência forçosa, a insusceptibilidade de transferência de certos poderes contidos no domínio».
A possibilidade de separação entre a titularidade e o exercício de poderes de administração sobre os bens do domínio público hídrico, onde se inclui o domínio público marítimo, está hoje consagrada no artigo 9º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro, onde se dispõe que «o domínio público hídrico pode ser afeto por lei à administração de entidades de direito público encarregadas da prossecução de atribuições de interesse público a que ficam afetos, sem prejuízo da jurisdição da autoridade nacional da água» (nº 1); e que «a gestão de bens do domínio público hídrico por entidades de direito privado só pode ser desenvolvida ao abrigo de um título de utilização, emitido pela autoridade pública competente para o respetivo licenciamento» (nº 2).
Esta Lei, que estabelece o regime da titularidade dos recursos hídricos, e que se aplica às regiões autónomas, sem prejuízo do diploma regional que proceda às necessárias adaptações, estabelece no nº 2 do artigo 28º que «a jurisdição do domínio público marítimo é assegurada, nas Regiões Autónomas, pelos respetivos serviços regionalizados na medida em que o mesmo lhe esteja afeto».
Ora, a medida de afetação do domínio público marítimo à Região Autónoma dos Açores está hoje fixada no artigo 8º do EPARAA.
7.6. Sob a epígrafe «direitos da Região sobre as zonas marítimas portuguesas», o artigo 8º do EPARAA estabelece um modelo de repartição de poderes administrativos entre o Estado e a Região relativamente às zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores.
O artigo prescreve o seguinte:
Artigo 8.º
Direitos da Região sobre as zonas marítimas portuguesas
1 - A Região tem o direito de exercer conjuntamente com o Estado poderes de gestão sobre as águas interiores e o mar territorial que pertençam ao território regional e que sejam compatíveis com a integração dos bens em causa no domínio público marítimo do Estado.
2 - A Região é a entidade competente para o licenciamento, no âmbito da utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado, das atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias renováveis.
3 - Os demais poderes reconhecidos ao Estado Português sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores, nos termos da lei e do direito internacional, são exercidos no quadro de uma gestão partilhada com a Região, salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado.
4 - Os bens pertencentes ao património cultural subaquático situados nas águas interiores e no mar territorial que pertençam ao território regional e não tenham proprietário conhecido ou que não tenham sido recuperados pelo proprietário dentro do prazo de cinco anos a contar da data em que os perdeu, abandonou ou deles se separou de qualquer modo, são propriedade da Região.
As normas deste artigo não tratam de dispor sobre a titularidade do domínio público marítimo, mas apenas de atribuir à Região alguns poderes de gestão sobre aquelas zonas marítimas, algumas das quais nem sequer pertencem ao domínio público marítimo, como é o caso da zona contígua e da zona económica exclusiva (cfr. artigo 2º da Lei nº 34/2006, de 28 de junho e artigo 3º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro).
A autonomização do artigo 8º do conjunto dos “direitos da Região” elencados no anterior artigo 7º justifica-se pelo modo específico como os direitos atribuídos à Região podem ser exercidos. Excetuando o caso particular da competência para o licenciamento das atividades de extração de inertes, da pesca e da produção de energias renováveis, previsto no nº 2 daquele artigo, em que se transfere a plenitude do direito de licenciar, todos os “demais poderes” sobre as zonas marítimas só podem ser exercidos pelos órgãos administrativos da Região de forma «conjunta» ou «partilhada» com os órgãos administrativos da República. A titularidade dos poderes de administração das zonas marítimas, que fazem parte do conteúdo do domínio ou da jurisdição, continua a pertencer ao Estado, apenas se transferindo para a Região uma parte do exercício desses poderes.
Numa leitura sistematizada das várias normas do artigo 8º do EPARAA pode identificar-se três distintos domínios de competências gestionárias: (i) competência exclusiva do Governo da República, relativamente a tudo que seja incompatível com a integração dos bens no domínio público marítimo do Estado e (ou) que ponha em causa a integridade e soberania do Estado (cfr. segunda parte do nº 1 e última parte do nº 3); (ii) competência exclusiva da Região Autónoma, relativamente às atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias renováveis, no âmbito da utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado (cfr. nº 2); (iii) competência concorrente entre o Estado e a Região, relativamente aos demais poderes reconhecidos ao Estado Português pela lei e pelo direito internacional (cfr. primeira parte do nº 1 e nº 3).
A competência concorrente entre o Estado e a Região significa que os poderes de gestão são repartidos por órgãos administrativos das duas pessoas coletivas. Mas isso não quer dizer que qualquer um dos órgãos competentes os possa exercer sozinho, prevenido a jurisdição – isto é, ficando excluída, com o seu exercício, a possibilidade de outro órgão competente os poderes exercer. É que os poderes de gestão são atribuídos à Região para um exercício conjunto, no quadro de uma gestão partilhada, o que convoca a existência de estruturas organizatório-funcionais e procedimentais que tornem possível a participação e a obtenção do acordo dos vários órgãos competentes.
Não se afigura simples a delimitação dos conceitos de exercício conjunto e de gestão partilhada. Ambos têm em comum o facto de dois ou mais órgãos administrativos, uns da República e outros da Região, terem poderes para gerir as zonas marítimas adjacentes aos Açores: a prática de atos de gestão dessas zonas é, pois, comum a vários órgãos habilitados a dispor sobre a matéria em causa. Mas os meios para a participação e manifestação da vontade dos vários órgãos competentes na gestão das zonas marítimas não são uniformes, pois podem cobrir práticas muito diversificadas que vão da simples consulta à codecisão.
Na Constituição não se encontra uma divisão explícita e apriorística no que se refere às competências executivas do Governo da República e do Governo Regional, da qual se possa extrair uma diretiva sobre os meios mais adequados à concretização do princípio da gestão partilhada. Para situações deste tipo, o modelo constitucional é o da cooperação entre o Estado e as regiões autónomas, como resulta do artigo 229º da CRP. Como conceito jurídico-constitucional, «o princípio da cooperação associa entidades e competências jurídicas diferenciadas, estabelecendo entre elas uma “vinculação comum”, essencialmente teleológica, e exigindo destarte a sua “atuação conjunta”» (Cfr. Rui Medeiros, Tiago de Freitas de Rui Lanceiro, ob. cit, pág. 140).
Ora, para haver partilha efetiva na gestão das zonas marítimas é imprescindível uma qualquer forma de colaboração ou coordenação entre a administração do Estado e a administração regional. E daí que os instrumentos que tornem possível essa colaboração devam ser vistos como manifestações do princípio da cooperação entre os órgãos do Estado e os órgãos regionais.
Neste modelo de “regionalismo cooperativo”, sem perder de vista a natureza unitária do Estado (artigo 6º e nº 2 do artigo 225º da CRP), as fórmulas de coordenação entre os órgãos nacionais e os órgãos regionais podem ser muito diversificadas, quer ponto de vista organizativo, quer do ponto de vista de repartição dos poderes de gestão. Na verdade, a comparticipação no exercício da atividade administrativa de uns e de outros órgãos pode assumir diversas formas, desde a criação de instituições de “concertação” entre diversas unidades administrativas, até à previsão de mecanismos procedimentais de consulta, propostas, pareceres, autorizações, aprovações, homologações, informações, etc.
Para além do necessário limite da integridade e soberania do Estado, o artigo 8º do EPARAA não densifica o princípio da gestão partilhada. Em cada utilização concreta do domínio público marítimo não se sabe como é que os diversos órgãos competentes podem partilhar a gestão dessa utilização. Ora, num domínio em que existem atribuições de exercício comum e repartido tem que haver uma definição prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha.
Enquadrando-se os termos de determinada repartição de competências nas “condições de utilização” e “limites” do domínio público marítimo estadual, só os órgãos de soberania, através de intervenção parlamentar ou governamental, poderão decidir o que pode ser partilhado e em que termos. Com efeito, as concretas formas de utilização do domínio público, nomeadamente quanto ao regime de licenciamento e contratos de concessão, são uma das matérias incluídas no nº 2 do artigo 84º da CRP que escapam à previsão do artigo 165º, nº 1, alínea v) da CRP e por isso, cabem na «concorrência legislativa concorrente da AR e do Governo» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 1007 e Acórdão nº 402/2008).
A Região Autónoma dos Açores não pode unilateralmente definir os termos da gestão partilhada do domínio público marítimo, justamente porque a regulação primária dessa matéria contenderia com as competências das autoridades nacionais. O parâmetro do “âmbito regional” (alínea a) do nº 1 do artigo 227º da CRP), na sua componente institucional, impede que os parlamentos insulares produzam legislação destinada a produzir efeitos relativamente a pessoas coletivas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas, como é o caso do próprio Estado (cfr. Acórdãos nº 258/2007 e nº 304/2011).
Por outro lado, tal como se afirmou no Acórdão nº 402/2008, «os valores e interesses garantidos pela titularidade do Estado sobre os bens de domínio público marítimo exigem que o legislador nacional não abdique inteiramente da sua competência reguladora da exploração económica, por privados, desses bens, através de licenciamento. O iniludível alargamento do âmbito da competência legislativa das regiões, resultante da revisão constitucional de 2004, não põe em causa a intangibilidade das competências de órgãos nacionais, associadas ao exercício de funções de soberania, sem que isso importe, de modo algum, a revivescência de previsões constitucionais restritivas eliminadas por aquela revisão. Daí a obrigatoriedade de intervenção do legislador parlamentar ou governamental, quando está em causa o regime de licenciamento da utilização privada de um bem do domínio público necessário do Estado».
7.7. O Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A, objeto do presente processo de fiscalização de legalidade, tem por objetivo regulamentar na Região Autónoma dos Açores o Decreto-Lei nº 90/90. A inserção no campo material e no modo de disciplina deste Decreto-Lei é, desde logo, salientada no respetivo preâmbulo quando se refere que «aquele diploma estabelece, no seu artigo 52º, a sua aplicabilidade às Regiões Autónomas, sem prejuízo das competências dos respetivos órgãos de governo próprio e de diploma adequado que lhe introduza as necessárias adaptações, objetivo que se pretende atingir com o presente diploma».
No plano material, o ato normativo regional está confinado ao conjunto das normas que executa: em primeiro lugar, o diploma contém uma série de normas que se limitam a reproduzir conceitos e definições constantes do Decreto-Lei n.º 90/90, como é o caso dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 3.º; seguidamente, em várias normas, procede à necessária adaptação orgânica do regime legal ao contexto específico regional, estipulando, designadamente, uma correspondência entre órgãos, serviços e atos da administração central e da administração autónoma, como acontece, por exemplo, no artigo 4.º, 14.º, 15.º, 16.º e 19.º; por fim, nas restantes normas, regulam-se uma série de procedimentos, entre os quais os requisitos para apresentação de planos de prospeção, pesquisa e exploração de recursos geológicos, exigidos para proteção dos próprios recursos (artigo 5.º), as formas de prospeção e pesquisa de quaisquer recursos geológicos, desde a execução dos trabalhos por entidades públicas à atribuição de direitos e celebração de contratos com terceiros (artigos 6.º, 7.º e 8.º), a atribuição de direitos de exploração, celebração e extinção dos respetivos contratos de concessão, bem como demarcação, acompanhamento e fiscalização das operações de extração (artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º), a ocupação, expropriação de terrenos e servidão administrativa de terrenos necessários à exploração de massas minerais ou águas de nascente (artigos 14.º e 15.º) e a proteção dos recursos geológicos (artigos 16.º e 17.º).
Ora, a circunstância de o Decreto-Lei nº 90/90 versar sobre matéria reservada aos órgãos de soberania não impede a intervenção do poder regulamentar regional, desde que indispensável à boa execução da lei e não comporte alteração do significado e alcance da normação inicial (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. Tomo III, pág. 310).
7.8. As principais adaptações levadas a cabo pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, que permitiram a aplicação prática do Decreto-Lei nº 90/90 no território regional, incidiram sobre as competências para a prática de quase todos os atos previstos neste diploma, as quais passaram a caber a entidades regionais, com destaque para o Governo Regional (cfr. artigo 4º).
Em relação à revelação e aproveitamento dos recursos geológicos que estão integrados no domínio público regional – alíneas c) a f) do nº 2 do artigo 22º do EPARAA – as adaptações orgânicas são indispensáveis à concretização no contexto regional das situações jurídicas previstas no Decreto-Lei nº 90/90, pelo que nenhum problema de validade material se levanta quanto a esse domínio.
O mesmo já não se pode dizer relativamente à revelação e aproveitamento dos recursos minerais marinhos existentes no domínio público marítimo e nas zonas marítimas previstas no artigo 8º do EPARAA. De nenhum preceito constitucional ou estatutário se depreende qualquer regra ou princípio geral que permita afirmar a exclusividade das competências regionais para gerir essa espécie de recursos geológicos. Bem pelo contrário, se algum princípio de repartição de competências administrativas se pode deduzir do artigo 8º do EPARAA, é ele, precisamente, o já referido princípio da gestão partilhada de competências estaduais e competências regionais, desde que não esteja em causa a integridade e soberania do Estado.
Como acima se referiu, as operações de revelação e aproveitamento dos recursos minerais existentes no solo ou subsolo do mar só podem ser efetuadas utilizando parcelas delimitadas desses espaços, e por conseguinte, com afetação ou restrição do domínio público marítimo. As concessões de prospeção e pesquisa e as concessões de gestão ou exploração de recursos geológicos têm como conteúdo obrigatório a demarcação da área onde se exerce a atividade de revelação e aproveitamento desses recursos (cfr. artigos 14º e 22º do Decreto-Lei nº 90/90 e artigos 7º e 9º do Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A). Ora, a fixação rigorosa dos limites horizontais e verticais dessa área, com a consequente atribuição aos concessionários de poderes jurídico-públicos sobre ela, onera necessariamente o exercício dos direitos dominiais sobre a área demarcada. Daí que os contratos de prospeção, pesquisa e exploração de recursos minerais marinhos impliquem a utilização de bens dominais, e nessa medida, constituam títulos de utilização espacial privativa do espaço marítimo nacional que não podem deixar de estar abrangidos pelo artigo 8º do EPARAA.
Acontece que todos os procedimentos, atos e contratos administrativos previstos no Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A tendentes à revelação e aproveitamento dos recursos minerais marinhos são organizados, praticados, autorizados e celebrados exclusivamente pelas entidades regionais. É através de resolução do Conselho do Governo Regional que se abre o concurso para a concessão de direitos de prospeção, pesquisa e exploração, da qual constará obrigatoriamente o tipo e o programa de concurso, incluindo as normas a seguir na avaliação das propostas e as áreas e recursos a atribuir ou a conceder (artigos 7º e 9º). E da mesma forma se autoriza a celebração dos respetivos contratos, assim como as alterações, modificações, transmissões de posições contratuais, rescisões e resgates que venham a ocorrer na sua vigência. (cfr. artigos 8º, 10º e 11º). De igual modo, é da competência exclusiva da administração regional proceder à demarcação das concessões, reduzir ou alargar as áreas demarcadas, integrar concessões, estabelecer áreas condicionadas e fixar áreas marinhas de reserva e áreas marinhas cativas, integrando-as no plano de ordenamento do espaço marinho (cfr. artigos 12º, 15º e 16º).
Vê-se, assim, que o diploma regional em fiscalização não se conforma com a ideia de que os poderes de gestão sobre as zonas marítimas devem ser exercidos conjuntamente ou no quadro de gestão partilhada ente o Estado e a Região, com salvaguarda da integridade da soberania. Apesar dos recursos minerais marinhos integrarem o domínio público do Estado e se situarem em solo e subsolo que faz parte do domínio público marítimo ou sob a jurisdição do Estado, os contratos de concessão de prospeção, pesquisa e exploração são outorgados exclusivamente pela Região, ficando os concessionários colocados na posição da Administração concedente e não na posição do verdadeiro titular do bem público concedido.
Realmente, não há qualquer preocupação de ressalva ou de articulação com as competências pertencentes às autoridades nacionais, particularmente com aquelas que têm a seu cargo a preservação e proteção dos recursos naturais marinhos, designadamente os serviços e organismos que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima (cfr. artigo 14º da Lei nº 34/2006, de 28 de julho, artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/2002, de 2 de março e artigos 2º e 6º do Decreto-Lei nº 44/2002, de 2 de março). As entidades nacionais com poderes de autoridade marítima, em especial a Autoridade Marítima Nacional (AMN), não têm qualquer participação, consultiva ou decisória, nos procedimentos pré-contratuais e na celebração e execução dos contratos de concessão de prospeção, pesquisa e exploração dos recursos minerais marinhos. Compulsando o articulado do diploma regional, não se encontra qualquer intervenção dessas entidades no processo de formação das decisões administrativas relativas à revelação e aproveitamento dos recursos marinhos, seja através da troca de informações e da emissão de propostas e pareceres (vinculativos ou não), seja através de atos de autorização, aprovação, homologação ou de ratificação das decisões das autoridades regionais, atos que exprimam uma verdadeira partilha do poder de decisão.
Nem se diga que as ressalvas do nº 3 do artigo 6º e do nº 1 do artigo 13º do Decreto Legislativo Regional nº 12/2012/A constituem afloramentos suficientes da ideia de participação ou gestão partilhada do domínio público marítimo onde se integram os recursos minerais marinhos.
A norma do primeiro artigo atribui aos serviços dependentes da administração regional autónoma o poder de executar trabalhos de prospeção e pesquisa, diretamente ou através de entidades por eles contratadas, «sem prejuízo das competências dos serviços integrados na administração central do Estado». Quer dizer, o Estado e a Região, através dos serviços competentes, podem executar simultaneamente no mesmo espaço marítimo trabalhos de prospeção e pesquisa, visando a descoberta de quaisquer recursos geológicos. Não se afigura, porém, que essa ressalva represente uma atividade de cooperação e coordenação do uso do espaço marítimo, podendo mesmo potenciar o aumento de conflitos entre as diferentes entidades, caso não seja realizada no quadro de uma ação concertada entre o Estado e a Região.
E a norma do nº 1 do artigo 13º atribui ao departamento da administração regional autónoma competente em matéria de gestão de bens naturais o poder de acompanhar e fiscalizar as operações de extração dos recursos geológicos, «sem prejuízo das competências de fiscalização das entidades fiscais e de polícia e da autoridade marítima nacional nas situações em que a exploração se faça no domínio público marítimo». Há, porém, que distinguir os poderes de fiscalização e de polícia a exercer nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional pelas entidades que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, designadamente o poder de fiscalizar as atividades de aproveitamento económico dos recurso vivos e não vivos (cfr. alínea g) do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/2002, de 2 de março), dos poderes de fiscalização da entidade concedente no âmbito da concessão de exploração do domínio público. Ora, inexistindo fórmulas participativas daquelas entidades nos atos e contratos de concessão de prospeção, pesquisa e exploração dos recursos minerais marinhos, os poderes de fiscalização das entidades nacionais não consubstanciam uma partilha na fiscalização do cumprimento da concessão e da forma como se exerce a atividade concedida, precisamente porque as autoridades nacionais desconhecem os termos em que foram celebrados os contratos de concessão.
Concluímos, assim, que o regime constante do Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A, no que se refere aos recursos minerais marinhos, não corresponde manifestamente à ideia de gestão partilhada de poderes adotada no nº 3 do artigo 8º do EPARAA.
7.9. O requerente entende que a ilegalidade por violação do nº 3 do artigo 8º do Estatuto abrange também o artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90, enquanto “norma habilitante” daquele, na medida em que concede um verdadeiro cheque em branco à Região, permitindo-lhe assumir a totalidade das competências previstas no Decreto-Lei, sem qualquer restrição ou precaução.
O artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90 prescreve o seguinte: «O disposto no presente diploma é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das competências dos órgãos do governo próprio e de diploma regional adequado que lhe introduza as necessárias adaptações».
Ora, relativamente aos recursos geológicos integrados no domínio público marítimo, não se deduz deste preceito qualquer autorização (em branco) para os órgãos regionais assumirem a totalidade das competências gestionárias dos bens integrados nesse domínio. Através da norma daquele artigo o regime jurídico da revelação e aproveitamento dos recursos geológicos aplica-se a todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas, sem prejuízo de diploma regional adequado que proceda às necessárias adaptações. Mas adaptações necessárias à execução do diploma nas regiões autónomas não podem deixar de ter como limite as normas constitucionais e estatutárias, pois o legislador nacional não poderia habilitar as Regiões a criarem uma normação que extravasasse o seu domínio competencial. Na verdade, a autonomia normativa que é constitucionalmente garantida às Regiões Autónomas está sujeita aos limites impostos pela própria Constituição, aos limites consagrados no respetivo Estatuto político-administrativo e, na vertente regulamentar, aos limites presentes no próprio diploma que se visa regulamentar (lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional, consoante os casos).
Como já foi referido, o domínio público marítimo está excluído do domínio público regional (cfr. nº 3 do artigo 22º do EPARAA), não sendo sequer constitucionalmente legítima a intervenção da Assembleia Legislativa na definição e regime dos bens do domínio público, mesmo com autorização da Assembleia da República (cfr. alínea v) do nº 1 do artigo 165º e alínea b) do nº 1 do artigo 227º da CRP), assim como é obrigatória a intervenção do legislador parlamentar ou governamental na fixação das condições de utilização e limites dos bens do domínio público do Estado (cfr. nº 2 do artigo 84º do CRP).
As normas que definem as competências da Região relativamente à utilização do domínio público marítimo são o nº 2 do artigo 28º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro, que atribui a jurisdição do domínio público marítimo aos serviços regionalizados das Regiões Autónomas «na medida em que o mesmo lhes esteja afeto» e o artigo 8º EPARAA, que estabelece um regime de gestão partilhada entre o Estado e as Regiões, salvo quando estiver em causa a soberania e integridade do Estado.
Portanto, o reenvio normativo que o artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90 faz para o “diploma regional adequado”, não autoriza que os órgãos regionais se apropriem das competências gestionárias que por aquele preceito estatutário também pertencem às entidades administrativas da República. A devolução que se faz naquele artigo assume relevância sobretudo nos domínios materiais da competência própria da Região, como é o caso do domínio público regional, em que é necessária uma intervenção legislativa ou regulamentar que adapte o diploma à realidade insular.
Por outro lado, como o Decreto-Lei nº 90/90 visou definir o regime jurídico dos recursos geológicos e não o domínio público marítimo, não se pode dizer que, através da norma do artigo 52º, o legislador nacional abandonou inteiramente a competência reguladora das condições de utilização do domínio público marítimo. A norma não transfere para a esfera de competência da Assembleia Legislativa o poder de regular as formas concretas de utilização do domínio público marítimo, permitindo apenas que fossem feitas adaptações necessárias à execução daquele diploma na Região. Quem definiu essas condições foi o artigo 8º do EPARAA, pelo que é dele que emerge a obrigação de se emanar um regime legal que defina os termos da gestão partilhada dos bens integrados no domínio público marítimo.
Não se verifica, pois, a ilegalidade superveniente do artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90, por violação do nº 3 do artigo 8º do EPARAA.
III. Decisão.
Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas do Decreto Legislativo Regional nº 21/2012/A, de 9 de maio, na parte aplicável aos recursos minerais marinhos situados nas zonas marítimas portuguesas, por violação do disposto no nº 3 do artigo 8º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores;
b) Não declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de março.
Lisboa, 1 de abril de 2014. – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita (com declaração anexa) – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete (vencido parcialmente quanto à alínea b), conforme declaração) – Maria Lúcia Amaral (vencida quanto à alínea b), conforme declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Subscrevemos o sentido decisório do Acórdão e a respetiva fundamentação quanto ao enunciado do objeto de fiscalização (II, 5) e, em geral, ao mérito do pedido (II, 7).
Todavia, divergimos em parte quanto à fundamentação na parte relativa à delimitação do objeto do pedido de declaração de ilegalidade (II, 6) efetuada por forma a adequar o objeto do processo com a questão de ilegalidade arguida tendo em conta o parâmetro de fiscalização invocado (artigo 8.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA)).
A fundamentação do Acórdão, nesta parte, procede à delimitação do objeto do pedido de declaração de ilegalidade em função de uma categoria de recursos (geológicos) enunciada apenas no diploma sindicado – os «recursos minerais marinhos» (artigo 3.º, alínea q), do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A e cuja definição corresponde, quase integralmente, à definição de «recursos» constante do artigo 133.º, a), da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, relativo à Área) – e na medida em que se encontram (ou se podem encontrar) em bens pertencentes ao domínio público marítimo do Estado.
Ora, por um lado, o diploma regional impugnado é aprovado ao abrigo do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, o qual tem por objeto o regime jurídico de revelação e aproveitamento dos «recursos geológicos» que abrangem, entre outras, três categorias integradas no domínio público do Estado – «depósitos minerais», «recursos hidrominerais» e «recursos geotérmicos» (artigos 1.º, n.º 2, alíneas a) a c), e 2.º a 4.º, do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, e artigo 1.º e 3.º, alíneas f), p) e o) do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A). Tendo em conta as referidas três categorias de recursos geológicos – integradas no domínio público do Estado – previstas no Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março e a não coincidência, entre a respetiva definição legal e a definição legal de «recursos minerais marinhos», entende-se que a delimitação do objeto do pedido deveria abranger, também, as normas jurídicas impugnadas quando aplicadas àquelas três categorias de recursos geológicos previstas no Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março – e que o decreto legislativo regional visa regulamentar –, as quais se encontram (ou se podem encontrar) nas zonas marítimas abrangidas na previsão do parâmetro de fiscalização invocado (artigo 8.º, n.º 3, do EPARAA).
Por outro lado, aquele parâmetro de fiscalização invocado e os poderes do Estado português a exercer no quadro de uma gestão partilhada com a Região aí previstos reportam-se às «zonas marítimas (portuguesas) sob soberania ou jurisdição nacional» adjacentes ao arquipélago dos Açores. Ora tal conceito não coincide inteiramente com o conceito de «domínio público marítimo» do Estado.
As «zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional» a que se reporta o artigo 8.º, n.º 3, do EPARAA, são, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 34/2006, de 28 de julho, as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva e a plataforma continental – devendo o mesmo artigo, tal como os demais da mesma Lei, ser interpretado em conformidade com os princípios e normas do direito internacional, designadamente os previstos na referida Convenção sobre o Direito do Mar (cfr., em especial, respetivamente, quanto àqueles espaços marítimos, artigos 8.º, 3.º e ss., 33.º, 55.º e ss. e 76.º e ss. da mesma Convenção). E, nos termos da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, o «domínio público marítimo», cuja titularidade pertence ao Estado, compreende as águas costeiras e territoriais, as águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas, o leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés, os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo a zona económica exclusiva e, ainda, as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés (artigos 4.º e 3.º, a) a e), da Lei n.º 54/2005). Na falta de exata coincidência entre o conceito de «zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional» e o conceito de «domínio público marítimo» pertencente ao Estado – e, assim, entre os espaços marítimos abrangidos num e noutro – entendemos que a delimitação do objeto do pedido deveria ser efetuada atendendo ao conceito de «zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional» a que se refere a previsão do parâmetro de ilegalidade invocado – na medida em que os recursos geológicos em causa (com o entendimento supra enunciado) se encontrem (ou se possam encontrar) em alguma das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição do Estado não abrangida no domínio público marítimo do Estado.
Maria José Rangel Mesquita
DECLARAÇÃO
Votei parcialmente vencido quanto à alínea b) da decisão, por entender que as razões determinantes da ilegalidade parcial do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, de 9 de maio, declarada na alínea a), determinam igualmente - pressupondo-a - a ilegalidade superveniente da norma do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, na parte em que estatui a aplicação deste diploma aos recursos geológicos existentes nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores, salvaguardando exclusivamente as competências dos órgãos da Região Autónoma dos Açores e um “diploma regional adequado que lhe introduza as necessárias adaptações”. A minha posição funda-se na seguinte ordem de razões:
1. O artigo 8.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (“EPARAA”) consagra o princípio da gestão partilhada com a Região Autónoma dos Açores dos poderes, não referidos nos n.os 1 e 2 do mesmo preceito, reconhecidos ao Estado Português, nos termos da lei e do direito internacional, sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores, sem prejuízo da salvaguarda da integridade e soberania do Estado. Conforme refere o requerente e o próprio Acórdão, tal princípio carece de densificação legislativa a realizar necessariamente pelo legislador da República (cfr. o ponto 7.6. do Acórdão).
2. Ora, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, ao versar, ainda que não exclusivamente, matéria atinente ao domínio público (geológico e marítimo) – matéria essa que integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea v), da Constituição) – só não é inconstitucional por revestir a natureza de regulamento de execução do Decreto-Lei n.º 90/90 (cfr. o ponto 7.7. do Acórdão e o artigo 227.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, da Constituição). A habilitação contida no artigo 52.º deste último diploma é, assim, condição necessária da constitucionalidade e legalidade daquele decreto legislativo regional.
3. No que se refere aos recursos geológicos existentes no território terrestre da Região Autónoma dos Açores que integrem o respetivo domínio público (cfr. o artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A e o artigo 22.º, n.º 2, alíneas c), d) e f), do EPARAA), tal habilitação é simultaneamente necessária e suficiente.
Já quanto aos recursos geológicos existentes no «território marinho» da mesma Região Autónoma - «território» esse que não integra o domínio público da Região Autónoma dos Açores, conforme resulta do artigo 22.º, n.º 3, do EPARAA -, a citada habilitação, embora necessária, não é todavia suficiente, porquanto: (i) a disciplina do Decreto-Lei n.º 90/90, quando aplicável aos recursos geológicos existentes nos fundos marinhos de zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores – como é o caso do mar territorial e da zona económica exclusiva adjacentes ao citado arquipélago (cfr., por exemplo, os respetivos artigos 2.º e 8.º) – não contempla qualquer forma de gestão partilhada consentânea com o princípio consagrado no artigo 8.º, n.º 3, do EPARAA; e (ii) consequentemente, a aplicação de tal disciplina legal na Região Autónoma dos Açores não está apenas dependente de um “diploma regional adequado que lhe introduza as necessárias adaptações”, mas antes da adaptação a realizar por um diploma legal emanado dos órgãos da República que densifique o aludido princípio da gestão partilhada.
4. Deste modo, a norma do artigo 52º do Decreto-Lei nº 90/90, na parte em que determina a aplicação desse mesmo Decreto-Lei, com as adaptações a introduzir apenas por diploma regional adequado, nomeadamente um decreto legislativo regional, relativamente aos recursos geológicos existentes nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes ao arquipélago dos Açores enferma de ilegalidade superveniente, por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do EPARAA. Com efeito, dado que a prospeção e pesquisa e a exploração dos recursos geológicos existentes nas citadas zonas marítimas implica um uso privativo das mesmas (cfr. o ponto 7.4. do Acórdão), não pode o Decreto-Lei n.º 90/90 ser aplicado na Região Autónoma dos Açores quanto a tais recursos – conforme estatuído no seu artigo 52.º - sem que previamente se encontre definido – necessariamente por diploma da República adequado - o quadro legal da gestão partilhada com a Região previsto no artigo 8.º, n.º 3, do EPARAA.
Pedro Machete
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto à alínea b) da decisão.
Votei a declaração de ilegalidade do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, por entender que o mesmo violava o direito da região a exercer conjuntamente com o Estado poderes de gestão sobre o domínio marítimo em causa. Entendi que este direito da região, estatutariamente consagrado, só poderá vir a ser exercido se houver uma prévia definição legal do quadro adequado para o seu exercício; que a competência para essa definição legal [do quadro do exercício do direito da região] pertence ao legislador estadual; e que, por a ela não ter procedido o legislador do Decreto-Lei n.º 90/90, o seu artigo 52.º – que se limita a prever a “adaptação” do seu regime às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira sem definir o quadro geral dessa adaptação – é ilegal por violação do artigo 8.º do EPARAA.
As razões que fundamentam a minha dissensão quanto à orientação maioritária não são apenas de índole “jurídico-administrativa”. Não está em causa apenas a questão de saber se a habilitação legal constante do artigo 52.º pode surgir como habilitação suficiente do regulamento que o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, de 9 de maio, substancialmente contém. Do meu ponto de vista, está ainda (e porventura sobretudo) em causa a questão de saber como é que um direito da região, estatutariamente consagrado, pode ser lesado pela inação do legislador estadual. De acordo com o artigo 8.º do EPARAA, a Região não deve, só por si, administrar o mar português que lhe seja contíguo. O que o Estatuto consagra (e consagra como direito da região) é que essa tarefa de administração seja conjuntamente exercida pelo Estado e pela região. O exercício de uma tarefa de administração conjunta tem que ser previamente regulado por lei. No caso, em que se trata de partilhar tarefas e responsabilidades administrativas entre executivo nacional e executivo regional, é evidentemente a lei do Estado que tem que vir previamente definir o quadro geral da colaboração (v.g., que poderes de gestão administrativa devem ser exercidos em conjunto; que poderes serão exercidos separadamente; quais as formas e as áreas possíveis de codecisão). Sem essa prévia definição legal, o direito da região consagrado no artigo 8.º não é, pura e simplesmente, passível de ser exercido.
Não sendo o artigo 8.º do EPARAA exequível por si mesmo, e dependendo o seu cumprimento de intervenção do legislador nacional, a ausência dessa intervenção, resultante da “norma em branco” ínsita no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90, consubstancia, em meu entender, uma ilegalidade por violação de norma estatutária. Creio ainda que a decisão maioritária do Tribunal, ao limitar-se, neste caso, a declarar a ilegalidade do ato legislativo da região, faz uma leitura dos Estatutos que me não parece possível. Face à interpretação que considero correta da norma estatutária (e que atrás descrevi) torna-se logicamente impossível invalidar a lei regional por não ter conferido ao Estado os instrumentos que a “gestão partilhada” do mar português exigia, sem do mesmo passo invalidar a lei do Estado, que não forneceu à região quaisquer indicações sobre a sua própria participação nesse quadro de “gestão partilhada”.
Maria Lúcia Amaral.