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Proc. nº 188/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de Abril de
1996, considerou válida a denúncia do contrato de cessão de ocupação do telhado de um prédio para colocação de um anúncio publicitário (qualificado nos presentes autos como contrato de arrendamento), em que figuravam como locatária E..., Lda., e como locadora C...., confirmando, consequentemente, o acórdão então recorrido.
E...., Lda., requereu a aclaração do acórdão de 18 de Abril de 1996, aclaração que foi indeferida por acórdão de 21 de Novembro de 1996.
2. E..., Lda., interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 18 de Abril de 1996, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 1083º,
1054º e 1055º do Código Civil, interpretadas no sentido de ao contrato em causa não ser aplicável o regime geral do arrendamento urbano mas sim o regime geral da locação civil, podendo, nessa medida, o senhorio denunciar livremente o contrato.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
26 de Fevereiro de 1997, com fundamento na não verificação dos respectivos pressupostos processuais.
E..., Lda., reclamou do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º, da Lei do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 115/98 (fls. 107 e ss.), decidiu conceder provimento à reclamação.
3. Junto do Tribunal Constitucional a recorrente alegou, tendo tirado as seguintes seguintes conclusões:
1. Está dado como assente que o contrato ora em crise foi qualificado como arrendamento urbano.
2. A lei aplicável aos factos é o regime previsto na vigência do Código Civil. Pelo que,
3. Temos previamente de subsumir o presente contrato ao regime do art. 1083º.
4. Ou do nº 1 ou do nº 2 deste preceito.
5. O nº 2 do art. 1083º é norma taxativa e excepcional.
6. Afigura-se claro, e contrariamente ao entendimento do STJ que o contrato de arrendamento dos autos não se pode subsumir na parte final da alínea b) do nº 2 do art. 1083º, porquanto não tem fins transitórios.
7. Como norma excepcional que é, não admite interpretação analógica.
Pelo que,
8. O contrato de arrendamento urbano dos autos obrigatoriamente cabe na previsão do art. 1083º nº 1. Aliás,
9. Este é o entendimento do Tribunal Constitucional - vide Acórdão nº 257/88, de 9.11.88, publicado no D.R. II Série, nº 35 de 11.02.89. Assim,
10. Este contrato de arrendamento está sujeito à regra imperativa do art. 1095º do C.C., tendo carácter vinculístico.
11. Pelo que, a interpretação feita no aresto do S.T.J. é materialmente inconstitucional, violando o princípio da igualdade.
12. Porquanto o contrato de arrendamento urbano comercial, subsumível no nº 1 do art. 1083º do C.C., não pode estar sujeito a um regime diferenciado dos restantes contratos comerciais, sob pena de violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.
13. E nem se diga que o legislador com a publicação do RAU pretendeu alterar este regime jurídico.
14. Porquanto, a autorização legislativa concedida ao Governo através da Lei
42/90, de 10/8 não especifica que era intenção da Assembleia da República modificar e inovar o regime jurídico do arrendamento urbano, excluindo do seu
âmbito de aplicação os arrendamentos urbanos comerciais atípicos.
15. Assim sendo, e dado que estamos em face de matéria de reserva relativa da Assembleia da República o art. 5º, nº 2, al. e) do RAU é formal e organicamente inconstitucional por violação do art. 168º (hoje art. 165º) nº 1 al. h) da CRP. Termos em que se requer a declaração de inconstitucionalidade material da interpretação dada as normas dos arts. 1083º, 1054º e 1055º do C.C., no douto acórdão recorrido (em detrimento da aplicabilidade do art. 1095º do mesmo diploma) por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, assim se fazendo JUSTIÇA
Por seu turno, a recorrida contra-alegou, afirmando o seguinte:
1º Dá-se, igualmente por reproduzido, no que diz respeito à matéria de facto com relevância para os autos, o teor do Acórdão nº 115/98 desse Tribunal Constitucional.
2º O contrato em causa, foi correctamente qualificado como contrato de arrendamento urbano,
3º com fins transitórios, pelo que subsumível, como bem entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, na parte final da alínea b) do nr. 2 do art. 1083º do Código Civil.
4º Não tendo, o contrato de arrendamento em causa, carácter vinculístico, não está sujeito à regra imperativa do art. 1095º do Código Civil,
5º pelo que não foram, ao contrário do alegado, violados quaisquer princípios constitucionais, seja o princípio da igualdade, seja o princípio da proporcionalidade.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 1083º, 1054º e 1055º do Código Civil, interpretadas no sentido de, num contrato de arrendamento do espaço do telhado de um prédio para instalação de reclamos luminosos, ser permitida ao locador a denúncia do contrato (não se aplicando assim o artigo
1095º do Código Civil). A recorrente entende que tais normas violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade. A recorrente afirma também que o artigo 5º, nº 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano, é inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea h), da Constituição.
6. A apreciação da questão de inconstitucionalidade do artigo 5º, nº 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano, está prejudicada por tal preceito não ter sido aplicado pela decisão recorrida. Com efeito, resulta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril e de 21 de Novembro de
1996 (cf. as transcrições constantes do Acórdão nº 115/98) que a norma contida no artigo 5º, nº 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano, não serviu de fundamento à decisão que considerou o contrato de arrendamento dos autos regularmente denunciado (isso mesmo foi verificado no referido Acórdão nº
115/98).
Por outro lado, a própria recorrente, na reclamação de fls. 753 e ss., afirma que 'o recurso interposto é dirigido unicamente à questão da inconstitucionalidade dos artigos 1083º do Código Civil tal como interpretado e efectivamente aplicado e já não ao artigo 5º, nº 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano' e que 'assim sendo, não está em causa no recurso, cuja interposição foi indeferida no despacho aqui reclamado, a norma do artigo 5º, nº
2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano'.
Nessa medida, o Tribunal Constitucional não apreciará a conformidade
à Constituição da norma do artigo 5º, nº 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano, em virtude de a mesma não ter sido aplicada pela decisão recorrida
[artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional].
7. O presente recurso de constitucionalidade tem assim por objecto a apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos
1083º, 1054º e 1055º do Código Civil, interpretadas no sentido de o senhorio poder denunciar livremente um contrato de arrendamento do telhado de um prédio para colocação de um reclamo publicitário (não sendo portanto aplicável, ao contrário do que pretende a recorrente, o artigo 1095º do Código Civil). A recorrente sustenta que tal interpretação viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade.
O Tribunal Constitucional já apreciou esta questão de constitucionalidade num processo no essencial idêntico ao dos presentes autos
(Acórdão nº 408/97, de 21 de Maio - inédito).
Nesse aresto, o Tribunal Constitucional entendeu existir 'uma manifesta diferença entre o arrendamento de um prédio para aí se instalar a própria habitação ou um estabelecimento comercial ou industrial e a mera locação de um espaço para instalação de um anúncio luminoso', afirmando que nesta última situação 'não se põe necessariamente em causa a subsistência da actividade económico-social desenvolvida pela locatária, pelo que não ocorrem as mesmas razões que justificam o regime de denúncia estabelecido na lei para os contratos de arrendamento urbano'. Em consequência, o Tribunal Constitucional considerou que as normas em apreciação não violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
É esse entendimento que agora se acolhe. Não suscitando a recorrente qualquer questão nova que importe apreciar, o Tribunal Constitucional mantém a fundamentação constante do Acórdão nº 408/97 (do qual se junta cópia), concluindo que as normas em apreciação não violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
Não julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1083º, nº 2,
alínea a), 1054º e 1055º do Código Civil, tal como foram interpretadas na
decisão recorrida;
Negar provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão
recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 5 de Maio de 1999. Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa