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Proc. nº 475/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A... interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho de 7 de Fevereiro de 1985 do Chefe do Estado-Maior- -General das Forças Armadas que lhe indeferiu expressamente o seu requerimento para que lhe fossem pagas ajudas de custo.
Houve resposta da autoridade recorrida, após o que se seguiram as respectivas alegações pelo recorrente, tendo a autoridade recorrida prescindido das mesmas.
2. Por acórdão de 21 de Novembro de 1995, o STA negou provimento ao recurso.
Inconformado, o recorrente veio interpor recurso dessa decisão para o Pleno da secção do STA.
Admitido o recurso, veio o recorrente requerer a dispensa do pagamento de preparos e custas, ao abrigo do disposto no artigo 6º da Lei nº
11/89, de 1 de Junho, e no artigo 23º do EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei nº
34-A/90, de 24 de Janeiro.
Por despacho de 2 de Março de 1997, o relator indeferiu aquele pedido.
3. Inconformado, o recorrente reclamou desse despacho para a conferência, alegando, em conclusão, que:
a) a letra dos preceitos quer do artº 6º da Lei 11/89 quer do artº
23º do EMFAR refere tout court a defesa dos direitos dos militares afectados por causa do serviço que prestem nas FA ou no âmbito destas;
b) não distinguindo se a ofensa é causada por estranhos às FA ou pelos próprios serviços destas;
c) nem distingue se essa ofensa atinge direitos patrimoniais ou não patrimoniais do militar;
d) pelo que, em conformidade com as regras de interpretação da lei, constantes do artº 9º do C.Civil, maxime do seu nº 2, não é legítimo interpretar tais preceitos da forma redutora como o faz o despacho reclamado;
e) as referidas normas da Lei de bases gerais do estatuto de condição militar e do EMFAR, no entendimento amplo de que essa defesa de direitos se refere a quaisquer direitos, seja qual for o seu conteúdo, e qualquer que seja a origem da ofensa, não violam o princípio da igualdade, pelo que em caso algum são inconstitucionais, por ofensa do artº 13º da CRP.
4. Por acórdão de 24 de Junho de 1997, o Pleno do STA indeferiu a reclamação e manteve o despacho reclamado. Entendeu, para tanto, que:
A letra da lei é perfeitamente clara: o benefício de patrocínio e assistência judiciária só pode ser conferido e usufruído para defesa de direitos e/ou da honra e reputação quando os mesmos sejam afectados por causas correlacionadas com o serviço prestado às forças armadas ou no âmbito destas. Pressupõem, deste modo, as normas em análise que uma determinada conduta ou um determinado comportamento adoptados no seio da instituição militar - quer em combate quer em tempo de paz - sejam alvo de imputações difamatórias ou desonrosas para o militar em questão por parte de terceiros, ou que qualquer direito subjectivo seu seja afectado ou ameaçado 'ab externo' na sua consistência jurídica ou prático-económica em função, em razão ou por causa de tal serviço.
A 'ratio legis' - conf. artº 9º do C.Civil - não consente assim minimamente qualquer interpretação abrangente no sentido de que a defesa de todo e qualquer direito individual, v. g. de carácter económico, remuneratório-funcional ou meramente estatutário, reivindicado pelos militares
'uti singuli' sobre a própria instituição militar seja passível de tal benefício. Não se trata, por esse meio, de atribuir qualquer privilégio ou regalia especial aos militares pela simples razão de o serem, mas sim de salvaguardar direitos ou interesses próprios do serviço ou instituição castrense
'qua tale' ou com os mesmos intimamente ligados, perante ofensas ou invectivas de interesses aos mesmos estranhos.
Ademais, seria inconcebível que o legislador houvesse pretendido instituir uma isenção especial do pagamento de preparos e custas a favor de uma qualquer classe particular de cidadãos - neste caso dos militares no activo ou já fora dele - que se vissem pessoalmente envolvidos em qualquer querela, v. g. dos foros civilístico ou criminal, com outros cidadãos ou instituições, sem qualquer conexão com a condição militar, assim discriminando negativamente as restantes classes ou grupos profissionais, em manifesta afronta ao princípio da igualdade consagrado no artº 13º da CRP.
5. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC, por, no entender do recorrente, se ter verificado, naquele aresto, recusa de aplicação das normas constantes do artigo 6º da Lei nº 11/89, de 1 de Junho, e do artigo 23º do EMFAR, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição.
6. Já neste Tribunal, pelo relator foi elaborada exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LTC, na qual se afirmou:
Do teor do acórdão recorrido resulta que o STA entendeu que as normas do artº 6º da Lei nº 11/89, de 1 de Junho, e do artº 23º do EMFAR eram de interpretação «perfeitamente clara», contrária à pretensão do recorrente, independentemente de qualquer interpre-tação conforme à Constituição. O que o STA considerou foi que tais normas, na interpretação pretendida pelo recorrente, que ele - STA - não sufragava, seriam inconstitucionais.
Ora, numa tal hipótese, em que o Tribunal não afaste uma das interpreta-ções que ele próprio consideraria possíveis, com fundamento na sua incons-titucionalidade, antes considera que a interpretação acolhida pelo recorrente não tem correspondência na letra e espírito da lei e, para além disso, seria inconstitucional, não se pode concluir que tenha havido recusa de aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, de modo a abrir-se o recurso de constitucionalidade previsto na al. a) do nº 1 do artº 70º da LTC - a referência à questão de inconstitucio-nalidade surge como mero «obiter dictum».
Na sua resposta, o recorrente mantém a sua posição, afirmando que:
O presente recurso para o T. Cons-titucional foi interposto por se ter o STA recusado a aplicar à situação sub judice as normas do artº 6º da Lei
11/89, de 1/6, e do artº 23º do EMFAR. O fundamento de tal recusa foi o de que, se tais normas fossem aplicadas na situação concreta - ou seja, se fosse concedido ao Recorrente o direito à dispensa de pagamento de preparos e custas, ao litigar contra a Administração do Exército para defesa do seu direito a remunerações - isso configuraraia um privilégio a favor dos militares, pelo simples facto de o serem.
Verifica-se, asssim, a recusa da aplicação de tais normas, com o fundamento da sua inconstitucionalidade, já que, a serem aplicadas com o alcance que lhes dá o Recorrente, elas ofenderiam o princípio da igualdade (CRP, 13).
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
7. Não assiste qualquer razão ao recorrente.
Com efeito, o acórdão recorrido não procedeu a qualquer recusa de aplicação das normas em causa com fundamento na sua inconstitucionalidade. Considerou, isso sim, que a interpretação pretendida pelo recorrente não tinha acolhimento nem correspondência quer na letra quer no espírito da lei, não sendo o caso sub judice enquadrável na previsão normativa daqueles preceitos.
A consideração expendida no aresto recorrido de que a interpretação defendida pelo recorrente, para além de não ser a sufragada pelo acórdão, se revelar ainda como inconstitucional, não constituiu o essencial fundamento da decisão, não se configurando assim como uma verdadeira recusa de aplicação de norma com origem na sua inconstitucionalidade, por forma a abrir a via do recurso de constitucionalidade, antes surgindo como mero «obiter dictum».
Como este Tribunal tem, de resto, entendido, nomeadamente nos Acórdãos nº 14/91, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18º vol., pág. 267), nº 206/92, (Diário da República, II Série, nº 211, de 12 de Setembro de 1992), nº 636/94, (Diário da República, II Série, nº 26, de 31 de Janeiro de 1995), nº 567/96 e nº 358/97, (ambos inéditos), em tais situações, aquele 'juízo' de inconstitucionalidade sobre uma (ou mais) das interpretações possíveis não surge como ratio decidendi da decisão, mas como mera consideração; e, assim sendo, qualquer juízo de inconstitucionalidade a formular por este Tribunal não é susceptível de se repercutir na decisão da questão de fundo, não possuindo, pois, efeito útil.
III - DECISÃO
8. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.
Lisboa,4 de Fevereiro de de 1998 Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa