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Processo nº 85/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. F..., V..., J..., JA..., C..., R..., M..., A... e M... impugnaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, os actos de indeferimento, praticados pelo DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE PRESTAÇÕES DO CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL, em matéria de indemnizações, que requereram ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro.
Inconformados com a sentença, recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que nela se interpretou 'o conceito de antiguidade restritamente', ao considerar que esta 'se reporta às funções na última empresa', e não à admissão na profissão - interpretação que, em seu entender, é inconstitucional.
O Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo), por acórdão de 10 de Dezembro de 1996, concedeu provimento ao recurso, depois de concluir pela 'inconstitucionalidade - por ofensa do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) - da norma do nº 1 do artigo
9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro', no segmento em que, 'para efeitos de fixação do subsídio nela posto a cargo do Estado, e no âmbito da indemnização que resulta do nº 3 do artigo 13º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e para que aquela norma remete', desconsidera o 'tempo de serviço prestado pelos destinatários de tal norma a entidade diferente da última (com excepção, como é evidente, das situações de transmissão do próprio estabelecimento)'.
2. É deste acórdão (de 10 de Dezembro de 1996) que vem o presente recurso, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma constante do mencionado segmento do dito artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro.
Neste Tribunal, alegou o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO aqui em exercício, tendo formulado as seguintes conclusões:
1º A norma constante do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, ao pôr a cargo do Estado o pagamento de uma fracção da indemnização global devida aos trabalhadores de despachantes oficiais cujos contratos de trabalho cessem, calculada nos termos gerais, previstos no nº 3 do artigo 13º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro - em vez de obrigar o Estado ao pagamento àqueles trabalhadores de um autónomo subsídio, calculado segundo regras próprias e tendo em conta toda a antiguidade dos trabalhadores no sector do despacho alfandegário - não constitui solução legislativa arbitrária ou discricionária, violadora do princípio de igualdade.
2º Na verdade, a aplicação de tal critério geral - que atende exclusivamente à antiguidade do trabalhador na empresa que era sua entidade patronal à data da cessação da relação laboral - não se configura como incompatível e perfeitamente inadequada à especificidade da causa da cessação dos contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço de despachantes oficiais, em consequência da inviabilidade económica do sector, como decorrência da abolição dos controlos aduaneiros intercomunitários.
3º Tal critério geral - constante do citado nº 3 do artigo 13º - é também aplicável, no âmbito do próprio Decreto-Lei nº 64-A/89, não apenas aos casos de despedimento ilícito promovido pela entidade patronal, funcionando então como sucedâneo de uma possível reintegração na empresa, não desejada pelo trabalhador, mas também nos casos em que haja ocorrido, em termos análogos ao dos autos, despedimento colectivo ou cessação do contrato de trabalho por motivos económicos, tecnológicos ou estruturais.
Os recorridos concluíram as suas alegações, dizendo o seguinte quanto à questão de constitucionalidade: Dada a conhecida mobilidade dos trabalhadores no sector do despacho alfandegário e a constatação de que, frequentemente, ao fim da sua carreira, tinham já passado por várias entidades patronais do mesmo sector, o nº 1 do artº. 9º do D.L. 25/93, de 5/2, com a remissão nele feita para o nº 3 do artº. 13º do D.L.
64-A/89, de 27/2, quando interpretado no sentido de que a antiguidade relevante para o cálculo da comparticipação posta a cargo do Estado a favor dos trabalhadores, pela cessação do contrato de trabalho, é a antiguidade correspondente ao tempo de serviço na última entidade patronal e não em todo o sector, acarreta a violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da C.R.P. por essa determinação temporal ser arbitrária e conduzir a desigualdades injustificáveis e preversas no universo dos trabalhadores destinatários do D.L.
25/93.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se a norma constante do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, no segmento apontado, é
(ou não) inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. A norma sub iudicio:
No propósito de concretizar a ideia do mercado único no âmbito comunitário, aboliram-se, a partir de 1 de Janeiro de 1993, as fronteiras fiscais e os controlos aduaneiros no tocante às trocas nesse espaço económico.
Como tais trocas representavam uma percentagem muito elevada do comércio externo português, era previsível uma redução da actividade dos despachantes oficiais.
Isso levou o Governo - lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro - 'a legislar no sentido de eliminar as restrições incidentes sobre as empresas de despachantes e dos seus titulares, por forma a facilitar a reconversão das mesmas e a diversificação da sua actividade, reduzindo o impacte negativo no volume de emprego'; e, bem assim, a 'instituir um conjunto de medidas de excepção especialmente dirigidas aos trabalhadores em despachantes oficiais como forma de minorar as consequências adversas sobre a estabilidade do emprego no sector a partir do início de 1993'.
Tais medidas - diz-se no mesmo preâmbulo - 'traduzem-se em prestações de carácter social, como sejam a antecipação do direito à pensão de velhice, a pré-reforma, os subsídios de desemprego e a concessão de indemnizações, bem como numa forte vertente de apoios à formação e reconversão profissional e à criação de empregos'.
No artigo 3º do mencionado Decreto-Lei nº 25/93, enumeram-se essas
'medidas especiais de protecção social e de apoio à formação profissional e ao emprego'. São elas:
(a). Antecipação do direito à pensão de velhice;
(b). Prestações de pré-reforma;
(c). Prestações de desemprego;
(d). Compensação por cessação do contrato de trabalho;
(e). Apoios à formação profissional;
(f). Apoios ao emprego.
É da compensação por cessação do contrato de trabalho que trata o artigo 9º do mencionado diploma legal, cujo nº 1 aqui está sub iudicio.
Este artigo 9º preceitua como segue:
1 - Serão comparticipadas pelo Orçamento do Estado em um terço do valor que resulta da aplicação do nº 3 do artigo 13º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, as indemnizações atribuídas aos trabalhadores cujos contratos de trabalho: a) Cessem por mútuo acordo; b) Cessem por despedimento colectivo; c) Cessem por rescisão com justa causa decorrente do não pagamento da remuneração por período superior a 60 dias; d) Caduquem nos termos do artigo 6º desse regime jurídico.
2 - Os centros regionais de segurança social efectuarão, mediante requerimento do trabalhador, o pagamento da comparticipação referida no número anterior.
3 - Em caso de manifesta e comprovada impossibilidade das entidades empregadoras em proceder ao pagamento das indemnizações devidas aos trabalhadores nos termos do nº 1, será assegurada pelo Orçamento do Estado uma comparticipação correspondente: a) Ao valor que resulta da aplicação do nº 3 do artigo 13º do regime jurídico aprovado pelo Dereto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, para os trabalhadores com idade superior a 50 anos; b) A 50% do valor referido na alínea anterior, para os trabalhadores de idade compreendida entre os 40 e os 50 anos, desde que tenham um mínimo de 15 anos de antiguidade no sector.
4 - As comparticipações referidas no número anterior serão requeridas pelas entidades empregadoras junto dos centros regionais de segurança social e serão por estes pagas directamente aos trabalhadores envolvidos, após o despacho ministerial referido no nº 5.
5 - É da competência do Ministro das Finanças a decisão relativa aos requerimentos constantes do nº 4, em função dos resultados dos respectivos relatórios de verificação produzidos pela Inspecção-Geral de Finanças, dos quais conste se a entidade empregadora tem ou não condições financeiras para cumprir as obrigações legais nesta matéria.
6 - Nos caso a que se refere o nº 3, quando tenham decorrido mais de três meses sobre a data da notificação ou acordo de despedimento sem que a entidade empregadora tenha apresentado o requerimento referido no nº 4, este pode ser excepcionalmente apresentado por qualquer dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento, sendo a entidade objecto das averiguações previstas no nº 5.
O Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e alterado, entretanto, pelo Decreto-Lei nº 403/91, de 16 de Outubro), dispõe, no nº 3 do artigo 13º para que remete o nº 1 do artigo 9º, acabado de transcrever, o seguinte: Artigo 13º (Efeitos da ilicitude)
3. Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença.
Por conseguinte, os trabalhadores de empresas de despachantes oficiais, cujos contratos de trabalho hajam cessado por mútuo acordo, despedimento colectivo ou rescisão com justa causa decorrente do não pagamento da remuneração por período superior a sessenta dias [cf. artigo 9º, nº 1, alíneas a), b) e c), do mencionado Decreto-Lei nº 25/93] ou tenham caducado nos termos do artigo 6º do mencionado Regime Jurídico [ou seja, no caso, por extinção da entidade empregadora, sem que tenha havido transmissão do estabelecimento: cf. alínea d) do nº 1 do mesmo artigo 9º, em conjugação com este artigo 6º], têm direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade (ou fracção) na empresa, sendo que essa indemnização não pode, em nenhum caso, ser inferior a três meses (cf. artigo 13º, nº 3, do mencionado Regime Jurídico).
Um terço da indemnização é pago pelo Orçamento do Estado, através dos centros regionais de segurança social; os outros dois terços são da responsabilidade da respectiva entidade empregadora (cf. o nº 1 do mencionado artigo 9º).
Se, porém, houver 'manifesta e comprovada impossibilidade das entidades empregadoras em proceder ao pagamento das indemnizações devidas aos trabalhadores', o Orçamento do Estado, por intermédio dos mesmos centros regionais, pagará:
(a). aos trabalhadores com idade superior a cinquenta anos, o valor total da referida indemnização;
(b). aos trabalhadores com idade compreendida entre os quarenta e os cinquenta anos, desde que tenham um mínimo de quinze anos de antiguidade no sector, 50% dessa indemnização [cf. nº 3, alíneas a) e b) do referido artigo
9º].
Dizendo de outro modo: o Estado comparticipa o pagamento da indemnização devida pela cessação (nos casos do nº 1 do artigo 9º) dos contratos de trabalho dos trabalhadores que exerciam a sua actividade em despachantes oficiais, pagando um terço da mesma. E, se a entidade empregadora for insolvente, responsabiliza-se pelo pagamento dessa indemnização (de toda ou de metade, conforme os casos), substituindo-se, então, totalmente ao empregador.
Só assim não sucederá, se, apesar da extinção da empresa, os contratos de trabalho não caducarem, por haver transmissão do respectivo estabelecimento. Neste caso, com efeito, os trabalhadores passam a ficar vinculados ao adquirente do estabelecimento, que, assim, ocupará o lugar da anterior entidade patronal (cf. artigo 6º do mencionado Regime Jurídico, conjugado com o artigo 37º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969).
A indemnização a que, pela cessação dos respectivos contratos de trabalho, têm direito os trabalhadores que exerciam a sua actividade em despachantes oficiais - que, recorda-se, é correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade (ou fracção) na empresa, e nunca inferior a três meses - é a mesma a que têm direito os trabalhadores em geral que vejam os seus contratos de trabalho cessar, em virtude de despedimento colectivo (cf. artigo 23º, nº 1, do Regime Jurídico aprovado pelo referido Decreto-Lei nº 64-A/89) ou por motivos económicos ou de mercado, tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa (cf. artigo 31º referido ao artigo 26º do Regime Jurídico acabado de citar). E é idêntica àquela a que têm direito os trabalhadores em geral, cujos contratos de trabalho caduquem em virtude da extinção da empresa: a estes a lei não garante, como faz quanto àqueles, o mínimo de indemnização correspondente a três meses de remuneração de base (cf. citado artigo 6º, nºs 2 e 3).
No tocante à indemnização devida pela cessação dos contratos de trabalho, o que, então, diferencia os trabalhadores que exerciam o seu labor em despachantes oficiais dos demais trabalhadores, é o facto de, apenas quanto aos primeiros, o Estado assumir o encargo de pagar uma parte da indemnização (um terço) ou, em caso de insolvabilidade do empregador, de a pagar toda ou 50 por cento dela, conforme os casos (para além, naturalmente, de que só àqueles se garante um mínimo de indemnização no caso de caducidade dos contratos de trabalho, em resultado da extinção da empresa).
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. O acórdão recorrido julgou inconstitucional o segmento do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro, que remete para o nº 3 do artigo 13º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, para o efeito de determinar a parte, posta a cargo do Estado, da indemnização devida aos trabalhadores dos despachantes oficiais que viram caducar os seus contratos de trabalho pelos motivos aí indicados.
É que, dessa remissão, resulta que o tempo de serviço a ter em conta para tal cálculo é o que o trabalhador tiver prestado para a entidade patronal a que se achava vinculado no momento em que se pôs termo ao contrato, e não também o tempo de serviço que antes prestou a entidades diferentes.
Ora, esse resultado (ou seja, o facto de, para o efeito em causa, apenas se contar o tempo de serviço prestado à última entidade patronal) viola - decidiu o aresto sub iudicio - o princípio da igualdade.
Na verdade - diz-se nesse acórdão -, estabelece-se, desse modo, 'uma distinção inaceitável' ou 'desrazoável' entre os trabalhadores dos despachantes oficiais com o mesmo tempo de serviço no sector, pois que as 'comparticipações' que recebem do Estado (um terço do montante global da indemnização que lhes é devida) assumem 'a natureza de um subsídio', mas terão montante diferente
'consoante [eles] tenham estado ou não sempre ao serviço de uma única entidade patronal': no primeiro caso, 'todo o tempo de serviço releva para o cálculo da indemnização'; no segundo, 'se o trabalhador com muitos anos de serviço se tiver mudado para outra entidade patronal pouco tempo antes de esta ter promovido o seu despedimento [...], ele vê a sua indemnização drasticamente reduzida por só contar para cálculo desta o (pouco) tempo de serviço prestado em favor da última entidade patronal'.
5.2. É certo que a norma sub iudicio (dito artigo 9º, nº1, do Decreto-Lei nº 25/93, de 5 de Fevereiro), ao remeter para o nº 3 do artigo 13º do Regime Jurídico, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, para efeitos de cálculo da indemnização devida aos trabalhadores dos despachantes oficiais que viram cessar os seus contratos de trabalho por alguma das causas apontadas naquele artigo 9º, nº 1, é susceptível de dar lugar ao pagamento de indemnizações de montantes muito diferentes a trabalhadores com o mesmo tempo de serviço no sector. E, sendo muito diferentes os montantes da indemnização, muito diferentes serão também os montantes do terço por que o Estado se responsabiliza.
Daí, porém, não decorre que a norma sub iudicio viole o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República.
O princípio da igualdade - tem-no dito o Tribunal repetidas vezes e por diversas formas - requer que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Reclama, por isso, respeito pela diferença. Ele não proíbe distinções de tratamento. Proíbe tão-só a discriminação, o arbítrio legislativo - é dizer: as soluções irracionais ou desrazoáveis, carecidas de fundamento material bastante.
Pois bem: quando a cessação do contrato de trabalho dê lugar ao pagamento de uma indemnização, é perfeitamente razoável (e, assim, materialmente justificado) que o montante dessa indemnização varie em função dos 'anos de casa'. É-o para o caso dos trabalhadores que exerciam o seu ofício em despachantes oficiais, como para o daqueles que trabalhavam em qualquer outro ramo de actividade.
É que, tanto num caso, como no outro, a empresa tem que pagar a indemnização. Por isso, não seria razoável, nem justo, impor-lhe o encargo de indemnizar por anos de trabalho prestado a outra entidade patronal.
É certo que, como atrás se assinalou, a empresa só paga essa indemnização na totalidade fora dos casos de aplicação do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 25/93, pois, quando o contrato respeita a trabalhadores de despachantes oficiais e cessa por algum dos fundamentos previstos nessa norma, a empresa empregadora só paga dois terços da referida indemnização. E, ainda assim, se a sua situação não for de manifesta e comprovada insolvência, pois, em tal caso, é o Estado quem assume o encargo de solver a indemnização (na totalidade ou por metade, conforme os casos).
É esta uma solução (a solução de o Estado se substituir, total ou parcialmente, à empresa no pagamento da indemnização aos trabalhadores dos despachantes oficiais, a cujos contratos se pôs termo por algum dos fundamentos enunciados na norma sub iudicio) que, sendo excepcional, encontra, contudo, a sua justificação num facto que, também ele, é excepcional, pois não se inscreve na lógica normal do mercado. Esse facto foi a abolição das fronteiras alfandegárias e dos controles aduaneiros no espaço económico comunitário, que a muitas empresas do sector aduaneiro não deixou outra saída que não fosse a de porem termo à respectiva actividade, assim deixando desempregados, não apenas os trabalhadores, como os próprios empresários.
Mas, o facto excepcional acabado de referir, sendo, embora, capaz de justificar que (contrariamente ao que se passa na generalidade dos casos) o Estado se substitua às empresas no pagamento (parcial ou, mesmo, total) da indemnização, não implica que, para o efeito de calcular a parte da indemnização
(indemnização, e não subsídio) posta a cargo do Orçamento do Estado, se deva atender a todo o tempo de serviço prestado pelo trabalhador nesse sector de actividade - e que, assim, a solução, consagrada na norma sub iudicio, de mandar atender apenas ao tempo de serviço prestado à última empregadora, seja irrazoável ou arbitrária, porque infundamentada.
É que, do que tão-só se trata é de garantir que a indemnização, que no caso é devida aos trabalhadores, lhes seja efectivamente paga. E esse desiderato é atingido, seja qual for o tempo de serviço que se indemnize.
Acresce que não se vê qualquer razão para se dever atender a todo o tempo de serviço, que o trabalhador 'despedido' leva no sector, para o efeito de calcular a parte da indemnização por que o Estado se responsabiliza, e apenas ao seu 'tempo de casa', quando se trata de determinar a parte da indemnização da responsabilidade da empregadora.
Na verdade, não podendo essa pretensão (a pretensão de ver contado todo o tempo de serviço prestado nesse sector de actividade, em vez de apenas o que se prestou na última empregadora) justificar-se, como já se disse, com a excepcionalidade da situação que se deixou apontada e que conduziu à perda dos postos de trabalho, tão-pouco ela encontra justificação na invocada 'mobilidade dos trabalhadores no sector do despacho alfandegário', que, segundo os recorrentes, fazia com que, 'frequentemente, ao fim da carreira', muitos deles
'tinham já passado por várias entidades patronais do mesmo sector': efectivamente, desde logo, essa 'mobilidade' não é exclusiva deste sector da actividade económica, antes se verifica em muitos outros a que se aplicam as regras gerais constantes do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº
64-A/89.
A única razão invocada no aresto sob recurso para que, com vista ao cálculo da parte da indemnização da responsabilidade do Estado, se deva considerar todo o tempo de serviço do trabalhador, e não apenas o seu 'tempo de casa', é a de que, de outro modo, trabalhadores com o mesmo tempo de serviço no sector, podem receber indemnizações de montantes muito diferentes.
Só que isso mesmo acontece em geral, sempre que a cessação dos contratos de trabalho impõe a obrigação de pagamento de indemnização. E, quanto aos casos a que se aplica a norma sub iudicio, é o que, inclusive, se verifica no que concerne à parte da indemnização posta a cargo da entidade patronal.
Ora, já se viu que existe fundamento material para essa solução legal.
Aliás, se, para o efeito de determinar o terço da indemnização a suportar pelo Orçamento do Estado, houvesse de considerar-se todo o tempo de serviço prestado no sector pelos trabalhadores, como, para calcular os dois terços da responsabilidade da empregadora, apenas se leva em linha de conta o
'tempo de casa', poderia criar-se esta situação pouco razoável: o terço da indemnização a pagar pelo Estado poderia ser de montante muito mais elevado que o dos dois terços que ficavam a cargo da empregadora. Bastava, para que tal acontecesse, que o trabalhador tivesse muito pouco 'tempo de casa' na última entidade patronal e uma já longa actividade profissional no sector.
Mas mais: a adoptar-se o mesmo referente nos casos de insolvência da empresa empregadora, a indemnização por que o Estado se responsabiliza (a totalidade dela ou 50% da mesma), nalguns casos (em todos aqueles em que o trabalhador teve mais do que uma entidade patronal), era sempre de montante superior à que seria paga aos trabalhadores nas mesmas circunstâncias, mas cujas entidades empregadoras podiam pagar os seus dois terços: de facto, para a determinação destes dois terços, a estes últimos só se contaria o 'tempo de casa'.
Ora, há-de convir-se que esta disparidade de regimes seria de todo irrazoável e injusta. Do mesmo modo que, irrazoável e injusto, seria que, quando o Estado tivesse que suportar apenas um terço da indemnização, no cálculo da respectiva responsabilidade, se tomasse em consideração todo o tempo de serviço do trabalhador; e que, quando ele assumisse o encargo de pagar a totalidade da indemnização ou 50% dela, se fosse atender apenas ao 'tempo de casa' que ele tinha na última empregadora.
5.3. A norma sub iudicio (dito artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº
25/93, de 5 de Fevereiro), ao remeter para o nº 3 do artigo 13º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro - e, assim, ao mandar atender apenas ao tempo de serviço prestado ao despachante oficial em que os trabalhadores serviram por último, para efeitos de cálculo do terço (posto a cargo do Estado) da indemnização aí referida - não consagra uma solução arbitrária.
Tal norma não viola, por isso, o princípio da igualdade, contrariamente ao que decidiu o acórdão recorrido.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento de inconstitucionalidade dele constante, a fim de ser reformado em conformidade com o aqui decidido.
Lisboa, 12 de Maio de 1998 Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Beleza (c/dispensa de visto) Luis Nunes de Almeida