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Processo nº 199/95
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
(Cons. Sousa e Brito)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. Publicado no Diário da República, II Série, nº 290, de 17 de Dezembro de 1994, o «Aviso» do Conselho Superior da Magistratura (adiante designado CSM) anunciando, para o dia 17 de Fevereiro de 1995, a eleição dos sete vogais daquele órgão 'eleitos de entre e por magistrados judiciais', nos termos do disposto no artigo 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (o Estatuto dos Magistrados Judiciais, adiante designado EMJ), foi afixada no átrio da sede do CSM cópia do 'caderno provisório de recenseamento' respeitante a magistrados judiciais com capacidade eleitoral activa, de harmonia com o preceituado no artigo 3º do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura (publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Agosto de
1985, e alterado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro de 1994, adiante designado Processo Eleitoral).
Foi na sequência daquela afixação que o Juiz de Direito Dr.J..., eleitor inscrito no referido caderno, veio reclamar deste para a Comissão de Eleições prevista no artigo 143º do EMJ, baseando tal reclamação na indevida inscrição de cento e vinte e oito magistrados (Juízes Conselheiros, Juízes Desembargadores, Juízes de Direito e Juízes de Direito em regime de estágio) que indicou como 'interessados a quem a procedência da reclamação' era susceptível de prejudicar.
2. A Comissão de Eleições, reunida em 11 de Janeiro de 1995, ponderou que entre as questões suscitadas pelo magistrado reclamante se encontrava:
(a) Irregularidade de inscrição de vários magistrados judiciais que, por se encontrarem em comissões de serviço eventuais ou não judiciais, não podem ser eleitores por não se poderem considerar em efectividade de serviço judicial.
Para fundamentar esta arguição, reporta-se ao disposto no artº 7º do Processo Eleitoral do CSM e artºs 56º e 140º nº 3, ambos da Lei 21/85, de 30/2.
Consignou a este respeito a mesma Comissão:
Conforme dispõe o artº 137º nº 1 al. c) da Lei nº 21/85, são eleitores todos os magistrados judiciais, muito embora só sejam elegí- veis, nos termos do artº 141º nº 2 da mesma lei, magistrados judiciais que estejam no Supremo Tribunal de Justiça ou na Relação ou exerçam funções de juiz de direito em cada um dos quatro distritos judiciais.
Por outro lado, dispõe o artº 1º nº 2 do mesmo diploma legal, que o estatuto aplica-se no complexo do seu conjunto de direitos e deveres a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que se encontrem.
Acresce ainda que, embora os artºs. 53º a 56º da mesma lei estabeleçam distinções entre co- missões de serviço de natureza judicial ou outras, certo é que se estabelece no seu artº 58º que o tempo em comissão de serviço sem qualquer distinção, é considerado para todos os efeitos como efectivo na função.
[...]
De harmonia com o raciocínio que se vem expondo, entende-se que tem de considerar-se como efectividade de serviço judicial, o desem- penho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais.
Dada a distinção entre a capacidade para ser eleitor e ele- gível, nunca se verificaria a coli- são de relações orgânicas que o reclamante refere
(...), o que afas- ta qualquer possibilidade de incons- titucionalidade, como foi alegado.
Assim, considera-se que podem ser eleitores todos os magistrados judiciais no activo, seja qual for a situação e o cargo em que se encontrem.
Noutro passo da mesma deliberação, equacionou a Comissão de Eleições outra das questões suscitadas pelo reclamante, relativa à indevida inscrição como eleitores dos juízes de direito em regime de estágio, referindo a tal propósito:
Não obstante o disposto no artº 40º al. d) da Lei 21/85 e artº 45º al. c) e artº 56º nº 1, ambos do DL. 374-A/79, de 10/9, donde poderá resultar alguma aparência de razão para a posição defendida pelo reclamante, certo é que neste último diploma legal se faz clara distinção entre os auditores de justiça, que são os candidatos às magistraturas que se encontram em fase anterior ao estágio de pré-afectação, e aqueles que são nomeados para a última fase de formação, designada de estágio de pré-afectação.
Esta distinção resulta nítida no disposto no artº 42º nº 1 do referido decreto-lei, onde se esta- belece que os auditores de justiça estão simplesmente sujeitos quanto a direitos, deveres e incompatibili- dades ao regime da função pública, enquanto que no artº 56º do decreto--lei se diz que, nesta última fase, os estagiários exercem já, sob res- ponsabilidade própria, embora com assistência de magistrados, funções inerentes à magistratura, tendo di- reitos, regalias, deveres e incompa- tibilidades próprias dos magistra- dos. Mostra-se ainda importante o que se contém no art. 57º nº 1, do mesmo diploma, onde se afirma que os auditores de justiça, entrando nesta última fase, são já nomeados juízes de direito, ou delegados do Procura- dor da República em regime de está- gio, como aliás o próprio reclamante os designa.
Por outro lado neste caso a sua nomeação é feita já pelo CSM - cfr. nº 1 daquele artº 54º.
[...] Assim, conclui-se, aliás de acordo com o procedimento unifor- me adoptado em anteriores actos eleitorais, que também os juízes de direito em regime de estágio de pré--afectação têm já capacidade eleitoral.
Em função deste entendimento foi a reclamação, nestes aspectos, desatendida.
3. Inconformado, interpôs o reclamante recurso contencioso para a Secção do Supremo Tribunal de Justiça decorrente da aplicação conjugada dos artºs. 145º e 168º do EMJ, renovando a alegação de indevida inscrição dos magistrados referidos na reclamação.
Entre as conclusões com que rematou a sua impugnação, sublinham-se as seguintes:
II. nenhum dos eleitores con- selheiros, desembargadores nomeados como supra interessados (...) se pode considerar em efectividade de serviço judicial, nos termos e para os efeitos do artº 56º da Lei nº 21/85, de 30 de Junho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, já que nenhum deles exerce qualquer dos cargos referidos nesta disposição legal;
III. os cargos exercidos por tais interessados são-no no âmbito da administração pública ou de órgãos independentes de carácter administrativo e que por natureza integram o sector da Administração Pública, ou ainda no âmbito de órgãos políticos encarregues de funções da «alta administração», pelo que por força do princípio da separação de órgãos jurisdicionais e administrativos, da incompatibilida- de de magistraturas e de independên- cia recíproca da Administração e da Jurisdição, nunca os respectivos titulares, podem ser equiparados a juízes sujeitos de uma relação orgânica com um órgão de soberania Tribunal;
IV. nos casos indicados é constitucionalmente inadmissível a existência simultânea de duas rela-
ções orgânicas, uma com um órgão ju- risdicional (um tribunal), outra com um
órgão prossecutor da função admi- nistrativa ou político-administrati- va - artº
218º nº 3 da Constituição;
V. a designação «juízes» mencionada no artº 220º nº 1 alínea c) da Constituição, é restrita a titular de um Tribunal, isto é, o indivíduo que exerce efectivamente as funções definidas no art. 205º da Constituição, titular portanto de uma relação orgânica com o órgão de soberania Tribunal;
VI. o artº 218º nº 3 da Constituição expressamente proíbe aos juízes em exercício de função jurisdicional o desempenho de qualquer outra função pública, o que implica a exclusão dos juízes sem qualquer relação orgânica com um tribunal;
VII. um juiz no exercício da função jurisdicional, por força da independência que tal exercício pressupõe (artº 207º da Constitui- ção), não pode exercer outra função, nomeadamente, a função político-le- gislativa e a função administrativa;
VIII. o sujeito que passa a exercer outra função que não a função jurisdicional, deixa de ser juiz em efectividade de serviço;
IX. o artº 140º nº 3 da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, deve ser interpretado no sentido que decorre da Constituição, isto é, que «magistrados judiciais em efectivi- dade de serviço judicial» são os «juízes em exercício de função jurisdicional» mencionados no artº 218º nº 3;
X. daí que «considerar-se como efectividade de serviço judicial», o desempenho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais, como o considera a deli- beração recorrida, traduz uma inter- pretação dos artºs. 137º nº 1 alínea c), 141º nº 2, 1º nº 2, 53º, 54º, 55º, 56º e 58º, todos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, em desconfor- midade com a Constituição, mostran- do-se violado o aqui disposto nos artºs. 205º, 207º e 218º nº 3, pelo que deve ser recusada a sua aplicação ao processo eleitoral em curso, entendendo-se que a capaci- dade eleitoral activa abrange apenas os juízes em exercício de função jurisdicional;
XI.o artº 220º nº 1 alínea c) da Constituição, faculta o acesso ao cargo electivo de «vogal do Conselho Superior da Magistratura», a «sete juízes eleitos pelos seus pares», fazendo coincidir a medida da capa- cidade eleitoral activa com a passi- va, decorrente do disposto no artº 50º nº 3 da Constituição, sendo cer- to que a Lei nº 21/85, de 30 de Julho, não estabelece qualquer res- trição naquele acesso em relação aos magistrados judiciais em exercício de função que não a jurisdicional;
XII. a interpretação impugnada do artº 141º nº 2 da Lei nº 21/85, de
30 de Julho, é violadora do disposto nos artºs. 50º nº 3 e 220º nº 1 alínea c) da Constituição, pelo que deve ser recusada a sua aplicação ao processo eleitoral em curso, considerando-se que a capaci- dade eleitoral activa abrange apenas os juízes em exercício de função jurisdicional, e que a sua medida coincide com a da capacidade eleitoral passiva;
XIII. o artº 7º do Regulamento do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura aprovado em 15/7/85, publicado no Diário da República, II Série nº 185, de 13/8/
85, e alterado por deliberação de 22/11/94, publicada no Diário da República, II Série, nº 286, de 13/12/94, é inconstitucional por vio- lação do artº 115º nº 7, da Consti- tuição, na medida em que se pretende fazer a remissão para o artº 58º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, como justificadora de considerar-se como efectividade de serviço judicial, o desempenho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais, mesmo em função outra que a jurisdicional;
XIV. encontram-se indevidamente inscritos como eleitores, os «juízes de direito em regime de estágio» acima referenciados (...);
XV. a categoria funcional «juiz de direito em regime de estágio», não consta do estatuto aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Junho;
XVI. um dos requisitos para exercer as funções de juiz de direi- to é o de ter frequentado com apro- veitamento os cursos e estágios de formação (artº
40º alínea d) da Lei nº 21/85, de 30 de Junho), sendo que o estágio de pré-afectação é a última fase do período de formação inicial (artº 45º alínea c) do DL. nº 374-A/79, de 10 de Setembro);
XVII. não podem considerar-se magistrados judiciais em efectivida- de de serviço judicial os auditores de justiça com a categoria funcional de «juízes de direito em regime de estágio»;
XVIII. o artº 56º nº 1 do DL. 374-A/79, de 10 de Setembro, con- traria a independência dever e di- reito dos juízes;
[...] XXII. é legalmente inadmissível a delegação da competência do Conselho Superior da Magistratura para nomear juízes, pelo que se se entender que o acto de delegação em causa abrange tal competência, se tem por violado o disposto no artº 158º nº 1 da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de
5 de Maio;
XXIII. se se entender que o acto de delegação em causa abrange a competência do Conselho Superior da Magistratura de nomear juízes, então tem-se tal interpretação, do citado artº 158º nº 1 e dos artºs. 152º e 154º da Lei nº
21/85, de 30 de Julho, por violadora do disposto nos artºs. 114º nº 2 e 219º nº 1 da Constituição, o que acarreta a sua inconstitucionalidade;
[...]
E conclui o recorrente :
[...] deve ser recusada a aplicação das normas legais referidas por inconstitucionalidade das mesmas na interpretação acolhida na delibera- ção impugnada, o que configura o vício de violação da lei, con- substanciado na violação das dispo- sições constitucionais e legais ci- tadas, e acarreta a sua invalidade.
Por outro lado, devem os eleitores nomeados como interessados ser considerados indevidamente ins- critos, e em consequência ser ex- cluídos do caderno de recenseamento eleitoral relativo às eleições em curso para os vogais a que se reporta o artº 137 nº 1 alínea c) da Lei nº 21/85 de 30 de Julho.
[...]
4. Concluso o recurso ao relator no STJ, veio o mesmo a ser decidido pelo acórdão de fls. 13/77, no sentido da sus improcedência, confirmando-se integralmente a deliberação recorrida.
Preliminarmente, assinalou-se nesse aresto:
[...] tendo em conta que, admitido o recurso, o mesmo se encontra sujeito ao disposto no artigo 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, (...), dados os prazos previstos nesse artigo, não têm viabilidade as requeridas citações dos interessados referidos no requerimento da interposição do recurso.
Seguidamente delimitou da seguinte forma as questões a resolver:
1ª. Será que os Magistrados Judiciais indicados no requerimento como interessados (...) podem ser eleitores para o Conselho Superior da Magistratura, não obstante se encontrarem em comissões de serviço de natureza não judicial?
2ª. E os juízes de direito em regime de estágio de pré-afectação (...) poderão já ser também eleitores para aquele Conselho?
3ª. Podendo sê-lo em abs- tracto, será que podem sê-lo em con- creto, na medida em que foram no- meados pelo Excelentíssimo Vice-Pre- sidente do Conselho Superior da Ma- gistratura e não pelo próprio Con- selho?
4ª. A deliberação recorrida aplicou normas feridas de inconsti- tucionalidade e está ferida do vício de violação de lei, sendo, por isso, inválida?
Quanto à primeira questão, o STJ, depois de citar o artigo 141º, nº
2, do EMJ, escreveu:
Desta norma resulta (...) que não coincidem a capacidade eleitoral activa e a capacidade eleitoral passiva e isso porque elegíveis como vogais só podem ser os juízes a exercer funções no Supremo Tribunal de Justiça (um juiz), nas Relações (dois juízes) e na 1ª Instância (quatro juízes - um de cada distrito judicial), e eleitores são todos os juízes em efectividade de serviço judicial (cfr. artigo 140º, nº 3, da aludida Lei nº 21/85).
Deste artigo 140º, nº 3, não há que fazer uma interpretação restri- tiva, como pretende o recorrente ao fundar nela a ideia da exclusão como eleitores dos juízes em comissões de serviço não judiciais, pois que tudo indica não ser esse o espírito da Lei.
De resto, a nosso ver, a interpretação que deve fazer-se é no sentido de que o artigo 140º, nº 3, ao falar em juízes «em efectividade de serviço» se reporta apenas a juízes no activo, não abrangendo assim os juízes aposentados nem aqueles que se encontrem em situação de licença, seja ilimitada, seja sem vencimento.
[...]
Por outro lado, os juízes em comissões de serviço de natureza não judicial continuam a estar sujeitos ao seu estatuto profissional, como resulta dos artigos 1º - em especial no seu nº 2 (que manda aplicar o Estatuto «a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que se encontrem») [...].
Em suma, continuam sujeitos à competência do Conselho tal como ela é definida no artigo 219º, nº 1 da Constituição.
De tudo isto resulta que, embora momentaneamente nessas comissões e apesar de não poderem ser eleitos para vogais do Conselho, aos juízes nessas situações não pode deixar de ser reconhecido o direito de voto na eleição desses vogais.
Quanto aos juízes estagiários, a segunda questão equacionada pelo STJ, refere o Acórdão:
Os juízes de direito em regime de estágio de pré-afectação são já verdadeiros magistrados judiciais, estando em efectividade de exercício da respectiva função. Assim, nada obsta a que façam parte do colégio eleitoral relativo à categoria de vogais do Conselho Superior da Magistratura, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 137º da Lei nº 21/85 e nos termos do artigo 140º nº
3 da mesma lei (na redacção, aparentemente inovadora, que lhe foi dada pela Lei nº 10/94, de 5 de Maio).
Relativamente à terceira questão, sublinha-se:
[...] o acto seria tão-somente anulável, como decorre dos artigos
133º e 135º daquele Código [de Procedimento Administrativo], e, por isso, teria de ser impugnado durante o prazo do recurso contencioso, o que não aconteceu.
E chegado, enfim, à quarta questão, consignou, no essencial, o STJ:
[...] a redacção do artigo 7º do aludido Regulamento [Processo Eleitoral], embora referenciada na douta deliberação recorrida foi irrelevante para o sentido dessa deliberação e é-o também para a solução do presente recurso.
Na verdade as razões em que se funda a deliberação recorrida, e em que se fundamenta a nossa decisão, nada têm que ver com o artigo 7º. Daí que tenha sido legalmente correcta a deliberação pela Comissão ao desatender a exclusão do recen- seamento dos juízes indicados na reclamação por ela decidida.
E, por fim, acrescenta-se no aresto em causa:
O artigo 50º, nº 3, da Constituição não é desrespeitado pelo facto de se haver entendido que os juízes em comissão de serviço de natureza não judicial apenas gozam do 'jus suffragii' e não do 'jus honorum'. É que, não pode esquecer-se, os juízes que não se encontram no exercício da função jurisdicional não podem ser eleitos para vogais do Conselho, mas isso não lhes retira o direito de voto para essa eleição, já que mantêm o seu estatuto de juízes.
Acerca do artigo 114º, nº 2, da Constituição, cabe referir que o mesmo também não foi violado pelo facto de o Conselho Superior da Magistratura haver delegado no seu Excelentíssimo Presidente poderes para a prática de certos actos, e entre eles, os de «resolver outros assuntos, nomeadamente de carácter urgente», nem pelo facto de tal competência haver sido depois subde- legada no Excelentíssimo Vice-Presidente do Conselho.
É que o artigo 114º, nº 2, reporta-se tão somente à «indis- ponibilidade de competências» entre órgãos de soberania.
Ora, por um lado, o Conselho Superior da Magistratura sendo um «órgão constitucional autónomo» (...), não é, em si mesmo, órgão de soberania, e, por outro lado, quer o seu Presidente, quer o seu Vice- -Presidente, enquanto seus membros, fazem parte dele e podem ter poderes delegados e subdelegados, respectivamente [...].
[...]
As interpretações efectuadas na douta deliberação recorrida relati- vamente aos artigos 220º, nº 1 e alínea c), da Constituição, 137º, nº 1 e alínea c), 141º, nº 2, 1º, nº 2, 53º, 54º, 56º e 58º, todos da Lei nº 21/85, em nada colidem com o estatuído no artigo 205º já aludido.
É verdade que o exercício da função jurisdicional não pode ser levado a cabo cumulativamente com o de outra função [...].
Tal não impede que os juízes em exercício possam ser nomeados em
«comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais», e isso por força do nº 4 do mesmo artigo, sendo certo que tais comissões em nada afectam a independência, e que, no decurso delas, tais juízes não têm actividade no âmbito da função jurisdicional.
5. Reagiu o impugnante, arguindo a nulidade deste acórdão, por preterição do princípio do contraditório, ao não ter sido determinada previamente a audição dos interessados pretendidos excluir dos cadernos eleitorais, afirmando:
Daí que se afigure incons- titucional, por violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da Cons- tituição, a interpretação feita no Acórdão de 7/2/75, do segmento constante do artigo 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, «(...) decidido, pela secção prevista no artigo 168º, nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão», no sentido de inviabilizar, tanto a notificação da autoridade recorrida, como a citação dos recorridos particulares.
O STJ, negando a existência de pronúncia indevida ou omissão de pronúncia - vício este apontado pelo impugnante -, considerou carecer o mesmo de legitimidade para defender a posição da Comissão de Eleições e dos interessados não citados. Indeferiu, assim, tal arguição.
6. Surge, então, o recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação das seguintes normas:
- o artigo 140º, nº 3, do EMJ, 'na interpre- tação dada', por violação do nº 3 do artigo 218º da Constituição;
- os artigos 137º, nº 1, alínea c), 141º, nº 2, 1º, nº 2, 53º, 54º,
55º, 56º e 58º, do EMJ, 'na interpretação dada', por violação do disposto nos artigos 205º, 207º e 218º, nº 3, da Constituição;
- o artigo 141º, nº 2, do EMJ, 'na interpre- tação dada', por violação do disposto nos artigos 50º, nº 3, e
220º, nº 1, alínea c), da Constituição;
- o artigo 7º do Processo Eleitoral, por violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição;
- o artigo 158º, nº 1, 'na interpretação dada', e os artigos 152º e
154º, todos do EMJ, por violação do disposto nos artigos 114º, nº 2, e 219º, nº
1, da Constituição;
- o segmento constante do artigo 145º do EMJ '... decidido, pela secção prevista no artigo 168º, nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão', 'na interpretação dada', por violação do disposto no artigo 20º, nº
1, da Constituição.
Admitido o recurso, alegou o recorrente, reeditando no essencial a argumentação que ao longo do processo foi expendendo quanto às questões de constitucionalidade.
O CSM, por sua vez, contra-alegou, contradizendo os argumentos do recorrente, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Corridos os vistos, foi a decisão levada ao Livro de Lembranças, tendo o processo mudado de relator.
II - FUNDAMENTAÇÃO
7. São várias as questões suscitadas pelo recorrente, importando isolá-las para de seguida proceder à sua apreciação.
Na base da alegação, feita inicialmente junto da Comissão de Eleições para o CSM, de que a inscrição nos cadernos eleitorais relativos ao acto eleitoral em causa de magistrados judiciais exercendo comissões de serviço não judiciais e dos chamados juízes de direito em regime de estágio violava disposições constitucionais, seguiu-se, em função da tramitação do recurso no STJ, a suscitação da inconstitucionalidade da norma (ou da sua interpretação) em que o recorrente entende ter-se baseado a decisão de não proceder, previamente à apreciação do recurso, à audição dos interessados particulares.
Em termos de lógica processual é por este aspecto que importa iniciar a análise do recurso. A) A não notificação dos juízes indicados como interessados
2.1. A referência normativa da suscitação de inconstitucionalidade é neste caso, para o recorrente, o artigo 145º do EMJ.
Este refere, relativamente a contencioso eleitoral :
O recurso contencioso dos actos eleitorais é interposto, no prazo de quarenta e oito horas, para o Supremo Tribunal de Justiça e decidido, pela secção prevista no artigo 168º, nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão.
O mesmo Estatuto, mais adiante, no capítulo relativo a reclamações e recursos, nos seus princípios gerais, contém o artigo 164º nº3, dizendo : São citadas as pessoas a quem a procedência da reclamação ou do recurso possa directamente prejudicar.
Foi em função desta norma que o recorrente, no final do recurso para o STJ, requereu 'a citação dos interessados nomeados' (ou seja das 128 pessoas alegadamente mal inscritas nos cadernos eleitorais).
A não citação destas decorre da segunda parte do despacho, do Exmº Conselheiro Relator, de fls.11, onde, sem determinação dessa diligência como condição de apreciação do recurso, se determina que para decisão deste nas quarenta e oito horas previstas no artigo 145º do EMJ, deve ele ser presente ao Conselheiro Vice-Presidente para marcação da sessão e serem colhidos, entretanto, os vistos dos Adjuntos
(aliás o Acórdão recorrido, a fls. 30, explicou a razão de ser deste processamento). Certo é que, sem citação desses interessados, o recurso foi decidido e, face à arguição de nulidade do Acórdão contendo tal decisão, o STJ entendeu não verificada a nulidade invocada - a prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil - e carecer o recorrente 'de legitimidade para defender a posição processual da Comissão de Eleições e dos interessados que não foram citados'.
A referência constitucional da argumentação do recorrente, nesta parte, reside no artigo 20º nº 1 da Constituição ( o direito de acesso à Justiça e aos tribunais entendido como abrangendo o princípio do contraditório) vendo-se, na interpretação do trecho do artigo 145º do EMJ que prevê a decisão do recurso eleitoral nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão, como excluindo (ou, se se preferir, como não incluindo) a notificação da Comissão de Eleições e a citação dos interessados indicados, a aplicação desse segmento normativo num sentido inconstitucional.
2.1.1. Estamos - e é este o ponto de partida que aqui importa lembrar - no domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, aquela que 'incide sobre uma norma tal como foi aplicada ou desaplicada na decisão recorrida, isto é, na sua incidência limitada ao caso de processo' e que traduz, na espécie aqui em causa, 'uma fiscalização subjectiva, porque introduzida por quem tem interesse pessoal na decisão da causa' (J.J.Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1993, p.1015).
Este interesse pessoal é assimilável à ideia de legitimidade processual, como decorre do disposto no artigo 72º nº 1 alínea b) da LTC ['Podem recorrer (...) As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpôr recurso.'], e implicitamente, do nº 3 do artigo 74º do mesmo diploma ['O recurso interposto por um interessado nos casos previstos nas alíneas b) (...) do nº 1 do artigo
70º aproveita aos restantes, nos termos e limites estabelecidos na lei reguladora do processo em que a decisão tiver sido proferida']. E isto equivale a dizer, tomando por base o texto do artigo 680º do Código de Processo Civil, que o recorrente só se 'directa e efectivamente' prejudicado pela decisão em causa (a decisão aqui em causa é a de não notificar a Comissão de Eleições e não citar os interessados que o recorrente pretende excluir dos cadernos), dela pode recorrer (cfr. o artigo 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo).
Vale aqui o brocardo pas d'intérêt, point d'action. E o que é facto
é que o recorrente, que não é fiscal genérico da constitucionalidade das normas e da sua interpretação, não sendo, como não é, directamente prejudicado no processo em que esta acção de constitucionalidade se insere pela não audição dessa Comissão e desses interessados, carece de legitimação processual para suscitar esta questão. O contraditório aqui alegadamente preterido não o foi relativamente a ele, não lhe diz respeito. Só podem suscitar tal questão aqueles 'cuja esfera jurídica é directamente atingida' (Antunes Varela, J.Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra 1985, p.129), ou seja, a chamada
'titularidade processualmente legitimante' dessa suscitação 'está dependente do seu carácter pessoal' e esse interesse só 'é pessoal em função da produção dos efeitos na esfera jurídica do sujeito que se encontra em juízo' (Miguel Teixeira de Sousa, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, Lisboa 1979, p.28; v.também, Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol.IV, Lisboa 1988, pp.168 e ss).
Carecendo o recorrente de legitimidade para suscitar esta questão de constitucionalidade (a referida ao artigo 145º do EMJ e ao artigo 20º nº 1 da Constituição), não tomará o Tribunal dela conhecimento.
Subsiste a questão relativa à inscrição nos cadernos eleitorais, respeitantes à eleição dos chamados «membros togados» do CSM (os referidos no artigo 220º nº 1 alínea c) da Constituição e no artigo 137º nº 1 alínea c) do EMJ), dos magistrados em comissões de serviço não judiciais e dos juízes de direito em regime de estágio,problema relativamente ao qual a decisão recorrida tomou posição expressa.
2.2. Esta questão, tendo que ver com a determinação da capacidade eleitoral destes dois grupos de elementos, está delimitada à partida, em função do entendimento expresso na decisão da Comissão de Eleições e do Acórdão recorrido (e da argumentação do próprio recorrente), à indagação da respectiva capacidade eleitoral activa.
Com efeito, o entendimento seguido pelo Acórdão do STJ é - e os trechos pertinentes foram atrás transcritos no relatório - o de que estes juízes dispondo do jus suffragii, podendo eleger esses sete «elementos togados» (e consequentemente integrar os cadernos eleitorais), não dispõem do chamado jus honorum, isto é, da capacidade eleitoral passiva expressa na possibilidade de serem eleitos vogais do CSM, ao abrigo do artigo 220º nº 1 alínea c) da Lei Fundamental.
É o entendimento que quanto a este grupo cumpre sindicar numa prespectiva constitucional.
Como ponto de partida importa sublinhar alguns aspectos gerais que na ulterior exposição haverá que pressupor.
2.2.1. Nos termos do artigo 205º nº 1 da Constituição 'os tribunais são os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo' e dentro destes só aos juízes compete tal administração (é a chamada
«reserva de juiz» : v.J.J.Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição...cit., p.792). Como traço marcante desse exercício da função jurisdicional temos a independência e exclusiva sujeição à lei que o artigo 206º do texto constitucional refere aos 'tribunais', mas querendo abranger os respectivos juízes (ibidem p.794).
Estes - os juízes -, como garantia dessa independência, 'são inamovíveis', 'não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei' (nºs 1 e 2 do artigo 218º da Constituição) e, se
'em exercício', não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei', bem como 'não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior competente (nºs 3 e 4 da mesma disposição constitucional).
Este é, relativamente aos tribunais judiciais, o Conselho Superior da Magistratura, ao qual se refere a Constituição nos seguintes termos :
Artigo 220º
1. O Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto pelos seguintes vogais : a) Dois designados pelo Presidente da República, sendo um deles magistrado judicial; b) Sete eleitos pela Assembleia da República; c) Sete juízes eleitos pelos seus pares, de harmonia com o princípio da representação proporcional.
2. As regras sobre garantias dos juízes são aplicáveis a todos os vogais do Conselho Superior da Magistratura.
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Trata-se o CSM, como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um
'orgão constitucional autónomo' cujo modo de composição visa dois fins distintos
: 'a) garantir a autonomia dos juízes dos tribunais judiciais, tornando-os independentes do Governo e da administrção; b) atenuar de algum modo a ausência de legitimação democrática dos juízes enquanto titulares de orgãos de soberania'
(Constituição... cit. p.828; v., dos mesmos autores, Fundamentos da Constituição, Coimbra 1991, p.225).
A existência do Conselho, tendo presente o leque das funções que lhe cabem, expressa determinada intencionalidade : a de subtrair aos restantes orgãos de soberania aquele conjunto de funções (pense-se, entre outras, no poder disciplinar sobre os juízes) cujo exercício poderia comportar o risco de, por forma mais clara ou mais subliminar, influenciar as decisões dos tribunais. Aquilo que o Tribunal Constitucional Espanhol, definindo a intencionalidade do «Consejo General del Poder Judicial»
(sentença 108/1986, in Jurisprudencia Constitucional, tomo 15º, pp. 600 e ss), refere nestes termos :
'... as funções que obrigatoriamente há-de assumir o Conselho são aquelas que mais podem servir ao Governo para tentar influir sobre os tribunais: por um lado o possível favorecimento de alguns juízes através de nomeações e promoções; por outro, as eventuais moléstias e prejuízos que poderiam sofrer com a inspecção e a imposição de sanções. A finalidade do Conselho, é, pois, privar o Governo dessas funções transferindo-as para um órgão autónomo e separado.'
O desenho constitucional do CSM, através da convergência de «membros togados» e «membros laicos», obtido por um processo misto que associa uma maioria de elementos designados por ógãos de soberania directamente eleitos
(Presidente da República e Parlamento) a uma maioria desses chamados «membros togados», 'oriundos da própria magistratura, a maior parte deles eleitos pelos próprios juízes, de entre si' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição...cit., p.828), solução esta que com uma ou outra variante é adoptada em diversas ordens jurídicas [através de leis que nas sugestivas palavras de Cristina Grisolia, têm 'esse estranho mérito de não agradar a ninguém' (Consiglio Superiore della Magistratura e Ministro di Grazia e Giustizia : Il Punto Sulla Questione, in «Giurisprudenza Costituzionale», Milano
1993, Fasc.5, p.3162/63)], tal desenho constitucional, dizíamos, não deixa de alguma forma de patentear uma ideia de 'autogoverno da magistratura', como reconhecem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ibidem).
Esta expressão - 'autogoverno' - não é neutra [a Constituição espanhola define o 'seu' Conselho como 'órgano de gobierno' da judicatura
(artigo 122 nº2) e a circunstância de os seus membros, mesmo os togados, não serem eleitos pelos próprios magistrados, mas pelo Parlamento, leva a doutrina,aí, a sublinhar o não reconhecimento constitucional ao 'Poder Judicial' de qualquer faculdade de autogovernar-se (v.Luis Lopez Guerra e outros, Derecho Constitucional, Vol II, Valencia 1992, pp.242/243)]. Porém a ideia de um afloramento constitucional de algum tipo de autogoverno da função judicial deve ser sempre encarado como um reforço da independência judicial, embora não como uma condição sine qua non dessa independência [a demonstração desta afirmação encontramo-la num estudo recente de Figueiredo Dias (Nótulas sobre temas de Direito Judiciário, in «Revista de Legislação e de Jurisprudência», Ano 127 pp
354/354 e Ano 128º pp. 8/13), nomeadamente, através da referência à actual experiência alemã]. A independência judicial estrutura-se, antes de mais e para além das formas organizatórias da magistratura judicial como corpo, através do status que a lei outorgue no exercício da função jurisdicional ao juiz: não é algo de imanente ao uso da beca - não é uma mera noblesse de robe - é a efectiva
garantia de condições de imparcialidade e de não sujeição a poderes exteriores ao «império da lei» no acto de julgar. Este o verdadeiro sentido da afirmação contida na nossa Lei Fundamental de que 'Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei' (cfr. artigos 4º, 5º, 6º e 7º do EMJ).
É, no essencial, essa independência que o recorrente entende posta em causa pela circunstância de juízes que não exercem, por se encontrarem em comissão de serviço, a função de julgar (que não têm, como diz, uma 'relação orgânica' com um tribunal) poderem eleger - e tão só eleger - os vogais do CSM. Da mesma forma, encara o recorrente como atentória dessa independência, com base numa construção argumentativa que adiante focaremos, a circunstância de nessa eleição poderem votar juízes de direito em regime de estágio.
São estes aspectos, tendo presentes as considerações gerais feitas, que cumpre agora apreciar. B) A capacidade eleitoral activa dos Juízes de Direito, Desembargadores e Conselheiros, na situação de comissões de serviço não judiciais
2.3. Já foi referido, citando o correspondente segmento normativo do nº 4 do artigo 218º da Constituição, que os juízes em exercício carecem de autorização do Conselho respectivo para poderem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais, o que, aliás, é reafirmado pelo artigo 53º do EMJ.
Algumas outras disposições do EMJ importa ter presentes.
É o caso do artigo 1º nº 2 ('O presente Estatuto aplica-se a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que a encontrem'), do artigo 35º nº 2 ['Os juízes de direito em comissão de serviço diferente da referida no número anterior (a em 'tribunais não judiciais') são classificadas se o Conselho Superior da Magistratura dispuser de elementos bastantes ou os puder obter através das inspecções necessárias, considerando-se actualizada, em caso contrário, a última classificação'. Esta norma é presentemente complementada, quanto à sua concretização, pelo artigo 29º do Regulamento das Inspecções Judiciais, publicado no Diário da República - II Série de 8/5/96), do artigo 58º ('O tempo em comissão de servço é considerado, para todos os efeitos, como de efectivo serviço na função') e o artigo 81º ('Os magistrados judiciais são disciplinarmente responsáveis...').
Da conjugação destas disposições resulta uma efectiva sujeição dos magistrados na situação referida pelo recorrente ao EMJ e, concretamente, ao CSM. Não pode, assim, afirmar-se, nesta perspectiva, que lhes seja indiferente a composição do órgão em causa, por em nada a sua situação e carreira serem por ele afectadas. Frisar este aspecto assume particular relevância se tivermos presente estar em causa, através da eleição destes vogais, 'acentuar a legitimidade democrática do CSM' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição... cit., p.828) dentro da própria magistratura, expressando uma ideia de participação democrática dos directamente afectados pelo funcionamento do Conselho no processo da sua formação.
A este propósito, citando Gomes Canotilho (Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização, in
«Boletim da Faculdade de Direito», vol LXVI, 1990, p.170), dir-se-á :
'O procedimento não deve aniquilar o direito de voto, devendo antes assegurar a sua efectividade óptima; o direito de voto, na ausência de um due process, transformar-se-á em «paródia de sufrágio». Perante esta dupla interacção, haveria que considerar o procedimento eleitoral justo como pré-efeito de um direito materialmente fundado; por outro lado, a dimensão material exigirá que o procedimento seja conformado de forma a restringir o menos possível o direito material de voto.'
2.3.1. Especificamente quanto ao procedimento de eleição destes vogais, importa recordar as seguintes disposições do EMJ : Artigo 140º
---------------------------------------------
3 - O colégio eleitoral relativo à categoria de vogais prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 137º é formado pelos magistrados judiciais em efectividade de serviço judicial.
--------------------------------------------- Artigo 141º
1 - A eleição dos vogais a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 137º efectua-se mediante listas elaboradas por um mínimo de 20 eleitores.
2 - As listas incluem um suplente em relação a cada candidato efectivo, havendo em cada lista um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, dois juízes da Relação e um juiz de direito de cada distrito judicial.
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A interpretação que destes segmentos normativos faz a decisão recorrida é a de que a referência do nº 3 do artigo 140º a magistrados 'em efectividade de serviço judicial' reporta-se 'apenas a juízes no activo, não abrangendo assim os juízes aposentados nem aqueles que se encontrem em situação de licença, seja ilimitada, seja sem vencimento'(fls.37), e que do nº 2 do artigo 141º decorre uma situação de não coincidência entre a capacidade para votar e a capacidade de ser eleito vogal, interpretação cuja correspondência na letra do preceito reside na passagem 'As listas incluem (...) um juiz do Supremo Tribunal de Justiça' (e não um juiz conselheiro)', dois juízes da Relação' (e não dois juízes desembargadores) e, desta feita de forma particularmente expressiva, 'um juiz de direito de cada distrito judicial' (e não quatro juízes de direito).
Esta interpretação - tendo presente a posição do recorrente, no sentido de a existência de uma relação com a Administração dos magistrados em comissão de serviço que não num tribunal, colocar em causa o princípio da independência recíproca da administração e da jurisdição - assume-se verdadeiramente como procura da interpretação constitucional-mente conforme, face a trechos normativos contendo um claro
«espaço de interpretação». Procura, enfim, tal interpretação uma concordância prática entre o direito de participação democrática de todos os magistrados, hipotéticos sujeitos da actividade do CSM, na escolha dos vogais, garantindo as faladas independência e separação de poderes que, na óptica do recorrente, seriam postas em causa pela circunstância desses magistrados poderem ser vogais do Conselho [note-se residir neste hipotético «risco» o verdadeiro fundamento da posição do recorrente, como se vê de fls.4vº/5 do recurso contencioso apenso, na seguinte passagem: '... imagine-se o que seria o Conselho Superior da Magistratura em que alguns dos vogais exercessem o cargo de Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, ou director-geral dos Serviços Judiciários, ou de director-geral dos Serviços Prisionais, ou de secretário-geral do Ministério da Justiça, ou de chefe de gabinete ministerial, ou de dirigente da Polícia Judicíária (...). Estaríamos perante flagrantes violações do princípio da independência da magistratura e dos tribunais.'].
Após a deliberação da Comissão Eleitoral, e designadamente nas alegações de recurso para este Tribunal, o recorrente não volta a ilustrar a sua posição recorrendo a estes exemplos. Passa, porém, no seu processo argumentativo, a defender deliberadamente a interpretação - a única interpretação - que poderia fazer eleger vogal do Conselho o 'Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça'. Opta, portanto, por uma interpretação não conforme à Constituição - para poder continuar a afirmar a existência de um 'risco' que já se demonstrou
(através da interpretação seguida pela Comissão Eleitoral e reafirmada pelo STJ) não existir.
Esta reiteração argumentativa assenta numa petição de princípio, consistente em pressupor o que se teria de demonstrar: a total coincidência entre a capacidade eleitoral activa e passiva na eleição dos vogais do CSM. É certo que o recorrente associa essa situação ao artigo 50º nº 3 da Constituição. Esquece, no entanto, que essa disposição, aditada pela Lei Constitucional nº
1/89, o que faz é, precisamente, reconhecer a possibilidade de existência de inelegibilidades, impondo apenas 'uma clara vinculação teleológica' dessas situações à 'garantia da liberdade de escolha dos eleitores e isenção e indepêndencia no exercício de cargos electivos' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição... cit.p.273; cfr. a entrada inelegibilidade no
«Dicionário de Legislação Eleitoral», ed. da Comissão Nacional de Eleições vol.I, Lisboa 1995, pp 193/196). Ora, para o recorrente - que vê um risco para a
'independência da magistratura e dos tribunais' na eventualidade do 'Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça', se magistrado de carreira, ser eleito vogal do CSM - deveria ser fácil de compreender a vinculação teleológica da interpretação perfilhada pela decisão recorrida quanto
à não coincidência entre a capacidade eleitoral activa e passiva dos magistrados em comissões do tipo das indicadas.
2.3.2. Temos, pois, por constitucionalmente legítimas as normas constantes dos artigos 140º nº3 e 141º nº 2 do EMJ, na interpretação seguida no Acórdão recorrido e já amplamente referida. Foram estas as normas, em determinada interpretação, que funcionaram como ratio decidendi da decisão impugnada, e não as diversas disposições do EMJ (por exemplo: os artigos 1º nº
2, 53º, 54º, 55º, 56º 58º) a que o recorrente estende a imputação de inconstitucionalidade, cujo aparecimento na decisão do STJ funcionou, tão só, como apoio a um processo argumentativo-interpretativo.
2.3.3. Uma referência específica se impõe, no entanto, quanto ao artigo 7º do Processo Eleitoral, alegadamente inconstitucional por ofensa do artigo 115º nº 7 da Constituição, que obriga a que os regulamentos indiquem expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
Estabelece esse artigo 7º (redacção publicada no DR-II de 13/12/94), sob o título de «Sistema eleitoral»:
Os vogais do CSM referidos na al. c) do nº 1 do art. 137º da Lei 21/85 são eleitos por um colégio eleitoral formado pelos magistrados judiciais em efectividade de serviço judicial e como tal considerados nos termos do artigo
58º daquela lei.
Segundo o recorrente (ponto 79º das alegações com correspondência na conclusão XV), tal inconstitucionalidade ocorre, 'na medida em que pretende fazer a remissão para o artigo 58º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, como justificadora do 'considerar-se como efectividade de serviço judicial, o desempenho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais', mesmo em função outra que a jurisdicional'.
A decisão recorrida, aludindo expressamente a esta questão, indica a total irrelevância dessa disposição do Processo Eleitoral para a decisão de considerar detentores de capacidade eleitoral activa os magistrados aqui em causa. Com efeito, tal decisão, na lógica interna do Acórdão recorrido, assenta numa leitura interpretativa dos artigos 140 nº 3 e 141 nº 2 do EMJ para a qual esse artigo 7º é totalmente indiferente. Não ocorreu, assim, na decisão recorrida aplicação dessa norma, não sendo, quanto a ela, sequer caso para se tomar conhecimento da questão. C) A capacidade eleitoral dos juizes de direito em regime de estágio
2.4. A alegação do recorrente de que a inscrição nos cadernos eleitorais dos chamados juízes de direito em regime de estágio
'contraria a independência dever e direito dos juízes', não se traduziu, de forma clara pelo menos, na imputação a uma norma inequivocamente identificada, ou a determinada interpretação de alguma norma, de uma situação de desconformidade constitucional. Não foi, neste aspecto, o recorrente particularmente claro na suscitação da questão de constitucionalidade.
Admitamos, porém, que se trata (e as posições defendidas pelo recorrente ao longo do processo parecem apontar neste sentido) de suscitar a inconstitucionalidade do já falado artigo 140º nº 3 do EMJ, quando interpretado no sentido de os 'magistrados judiciais' integrantes do 'colégio eleitoral' aí em causa abranger os juízes de direito em regime de estágio. Este entendimento, tendo presente o disposto no artigo 56º nº 1 do DL nº 374-A/79, de 10 de Setembro, contrariaria o princípio constitucional da independência judicial.
2.4.1. O DL nº 374-A/79, que criou o Centro de Estudos Judiciários, dando corpo ao sistema vigente de formação de magistrados judiciais e do Ministério Público, prevê relativamente aos chamados «cursos normais» uma terceira fase do período de formação denominada 'estágio de pré-afectação': Neste - e citamos o artigo 56º do DL nº 374-A/79 :
'1 - (...) os estagiários exercem, sob responsabilidade própria mas com a assistência de magistrados, funções inerentes à respectiva magistratura. 2 - Os estagiários têm os direitos e regalias, incluindo remunerações, e estão sujeitos aos deveres e incompatibilidades próprios dos magistrados.'
A assistência deste magistrado (o chamado «magistrado formador») consubstanciaria a falada violação da independência do juiz estagiário, não podendo este (que seria na óptica do recorrente um magistrado não provido de garantias de independência) integrar os cadernos eleitorais.
O raciocínio do recorrente assenta, também aqui, numa petição de princípio, consistente, desta vez, em dar por assente que a 'assistência' do formador põe em causa a independência do juiz estagiário, quando, em termos lógicos pelo menos, lhe incumbia provar tal tese. O recorrente nada nos diz a este respeito e não é evidente que o conselho e o apoio de alguém mais experiente na profissão seja, em si mesmo, um factor de dependência (ou de não independência).
O princípio constitucional da independência da magistratura não faz apelo a factores de natureza psicológica. Do que se trata é, tão só, de garantir normativamente, como já se sublinhou, um status de independência que a nossa Lei Fundamental caracteriza essencialmente no artigo 218º, preceito que se aplica 'a todos os juízes' (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição... cit., p.823), status esse que o DL nº 374-A/79, não deixa de reafirmar relativamente aos juízes de direito em regime de estágio no já citado artigo 56º (v. particularmente o seu nº 2).
Diversa desta é a questão de saber se a não referência expressa do EMJ a juízes de direito em regime de estágio significa que este pressupõe a sua existência para o efeito de os incluir nos cadernos eleitorais. Este aspecto do problema que o recorrente refere nos nºs 81, 82 e 83 das suas alegações (fls. 65 vº), configura-se como questão de interpretação normativa que o recorrente não reconduziu a qualquer referencial constitucional e que como tal não foi encarado no Acórdão recorrido. Não se tratando de um problema de constitucionalidade, não cumpre a este Tribunal, obviamente, apreciá-lo.
2.4.2. E, assim, chegamos à questão final da nomeação desses juízes de direito em regime de estágio por despacho do Vice-Presidente do CSM, onde estaria em causa uma interpretação 'do artigo 158º nº 1 e dos artigos
152º e 154º' do EMJ inconstitucional por violadora dos artigos 114º nº2 e 219º nº 1 da Constituição.
Da simples leitura do nº 2 do artigo 114º do texto constitucional ('nenhum orgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros orgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei') decorre não estar em causa algo que diga respeito à presente situação. O CSM não constitui um orgão de soberania e, seguramente, não está abrangido pela citada disposição.
Do que se tratou, na situação em causa, foi de uma «delegação de poderes» ('acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria': Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol I, reimpressão, Coimbra 1993, p.663; v.também Rogério Ehrhardt Soares, Direito Administrativo, Coimbra 1978, p.107) dentro do CSM. Ora, o artigo 219º nº1, estabelecendo a competência do Conselho para a nomeação dos juízes dos tribunais judiciais, introduz, com a expressão
'nos termos da lei' uma reserva de lei quanto aos aspectos específicos, organizatórios e concretizadores dessa competência. Estes aspectos são tratados pelo EMJ constante da Lei nº 21/85 que, aliás, no seu artigo 158º estabelece a possibilidade de delegações e subdelegações de poderes dentro do Conselho. Não se irá discutir os aspectos dessas delegações e subdelegações referidos pelo recorrente no nº 86 das suas alegações (fls. 66), tratando-se, como sem dúvida se trata, de problemas que não têm que ver (nem como tal foram ao longo do processo discutidos) com questões de inconstitucionalidade normativa.
O que interessa é apenas saber se o artigo 219º nº1 citado inviabiliza, dentro do próprio Conselho, delegações e subdelegações de poderes. O entendimento deste Tribunal é, tendo presente a expressão 'nos termos da lei' constante do trecho final da norma, de que não é constitucionalmente inadmissível que dentro do próprio Conselho, ao abrigo de normas do EMJ, essa situação ocorra.
III DECISÃO
3. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido, no que às questões de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 10 de Março de 1998 Luis Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito (vencido nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Fui vencido como relator por entender que não é inconstitucional a interpretação do artigo 140º, nº 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais pela qual os magistrados judiciais que se encontrem em comissão de serviço não judicial têm capacidade eleitoral activa na eleição dos vogais do Conselho Superior da Magistratura, a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 137º do mesmo Estatuto. A opinião maioritária entendeu, pelo contrário, violadas as disposições conjugadas da alínea c) do artigo 220º e nº 1 do artigo 114º, ou seja, que o princípio da separação dos poderes do nº 1 do artigo 114º é ofendido por uma interpretação da expressão 'eleitos pelos seus pares' da alínea c) do nº 1 do artigo 220º, que inclua os magistrados judiciais em comissão de serviço não judicial entre os pares dos juízes eleitos por essa alínea, para o efeito de os elegerem. Valeria aqui, segundo esta opinião, 'a dimensão da separação pessoal de funções', que implicaria que 'tal como um magistrado judicial, enquanto desempenha funções governativas ou na Administração (designadamente em serviços administrativos ou em organismos policiais), fica impedido de julgar, também há-de ficar privado de eleger os juízes do CSM, por este acto de eleger se encontrar [...] indissoluvelmente ligado ao próprio exercício da função judicial'. Esta ligação resultaria de a configuração do CSM na redacção anterior à revisão de 1997, ao garantir uma maioria de juízes e magistrados judiciais na composição do órgão (o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um magistrado judicial designado pelo Presidente da República e sete juízes eleitos pelos seus pares, isto é, nove em 17 membros) ter em vista garantir a independência dos tribunais judiciais, tornando-os independentes do Governo e da Administração. Nos termos do Acórdão 'tal objectivo resultaria claramente subvertido se os juízes membros do CSM, em vez de eleitos por outros juízes integralmente sujeitos às regras que garantem a independência judicial, viessem a ser escolhidos também por magistrados judiciais que no momento da eleição, por exercerem funções governamentais ou na Administração Pública, isto é, na dependência funcional do Governo, se encontrassem subtraídos ao império dessas mesmas regras.'
A independência dos tribunais judiciais, especialmente perante o Governo e a Administração, é um objectivo indiscutível do regime jurídico do CSM, que o procura garantir pelos seguintes meios: 1)pelo estatuto dos membros do CSM, uma vez que a todos 'são aplicáveis as regras sobre garantias dos juízes' (nº2 do artigo 220º da Constituição); 2) pela parte significativa, que na versão anterior a 1989, aqui aplicável, era mesmo maioritária, constituída por magistrados judiciais ou juízes (oito dos quais eleitos por juízes, incluindo nesse número o Presidente do Supremo, eleito pelo próprio Supremo) na composição de um conselho de 17 membros; 3) pela atribuição da presidência do CSM ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; 4) pela não intervenção do executivo na nomeação de nenhum membro do CSM; 5) pela atribuição da vice-presidência ao juiz do Supremo Tribunal de Justiça eleito por todos os juízes (nº1 do artigo 138 do EMJ); 6) pela atribuição do lugar de secretário a um juiz de direito (nº2 do artigo 138º do EMJ); 7) pela restrição de capacidade eleitoral passiva, como juízes vogais eleitos por juízes, aos juízes em efectividade de serviço judicial no Supremo, nas Relações ou em qualquer tribunal judicial (artigos 140º nº 3 e 141º nº 2); 8) pela restrição de capacidade eleitoral activa, na eleição dos mesmos vogais eleitos por juízes, aos juízes em efectividade de serviço judicial, no sentido de 'juízes no activo, não abrangendo assim os juízes aposentados nem aqueles que se encontrem em situação de licença, seja ilimitada, seja sem vencimento' (sentença recorrida, fls. 37).
É esta última interpretação que o presente acórdão considera inconstitucional, na medida em que não exclui também do colégio eleitoral os juízes no activo em comissão de serviço não judicial. Seria esta também uma exigência constitucional, pelo que a interpretação do nº 3 do artigo
140º do EMJ dada pelo recorrido acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a anterior prática correspondente da comissão de eleições do CSM, seria inconstitucional. Quer dizer: a norma expressa na interpretação questionada não estava dentro do âmbito da liberdade de conformação reservado ao legislador no desenvolvimento do preceito constitucional da alínea c) do nº 1 do artigo 220º da Constituição.
A Constituição não precisou o sentido da expressão
'eleito pelos seus pares'. Pares de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça são restritamente apenas os colegas efectivos do mesmo Supremo; em sentidos mais amplos a palavra abrangerá também nomeadamente os Conselheiros do Supremo em serviço no Tribunal Constitucional ou noutro tribunal superior, os que sejam membros do Governo, Procuradores Gerais Adjuntos ou estejam noutra comissão de serviço judicial ou não judicial, ou aposentados ou em licença de longa duração
(antiga licença ilimitada) ou sem vencimento ou qualquer combinação destas ou semelhantes categorias dos que alguma vez tomaram posse, ou foram nomeados enquanto em comissão ordinária, como juízes do Supremo Tribunal de Justiça. E de modo análogo quanto aos juízes de outras categorias. Há assim um espaço de determinação do sentido que a Constituição deixou à discricionariedade do legislador ordinário, que a deve exercer com razoabilidade, sem estar em conflito com os critérios sistemáticos da Constituição.
Ora o desenvolvimento da Constituição pelo qual os juízes em comissão de serviço não judicial (nesta situação não se encontra, por exemplo, um juiz que seja membro do Governo) são pares dos juízes que elegem, embora não possam ser eleitos por eles, é certamente conforme com a Constituição. Com efeito, a independência do órgão e da própria judicatura, que está implicada pela separação dos poderes e que aqui implica uma separação pessoal de funções, é suficientemente garantida, quanto a esses magistrados judiciais, pela exclusão da capacidade eleitoral activa. Eleger um juiz não é exercer a função jurisdicional ou administrar a justiça no sentido do artigo
202º (anterior 205º) da Constituição. A Constituição estendeu as regras sobre garantias dos juízes aos membros, mas não aos eleitores dos membros do CSM. São nomeadamente eleitores de alguns vogais do CSM os deputados da Assembleia da República, que não gozam de tais garantias. A independência e a liberdade dos eleitores aqui em questão é suficientemente garantida pelas regras do processo eleitoral, especialmente pelo caracter secreto do voto.
Ao alargar a juízes que estão em comissão de serviço não judicial, e que por isso não podem ser eleitos, a capacidade eleitoral activa, a interpretação sub judice acolheu um princípio sistemático derivado do princípio democrático. Com efeito, exprime-se assim uma ideia de participação democrática dos directamente afectados pelo funcionamento do CSM no processo da sua formação. É a própria Constituição que estabelece as bases da subordinação dos juízes em serviço, quando nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais, ao conselho superior competente, ao exigir para tanto a autorização deste último (nº 4 do artigo 118 - actual 116º; assim o artigo 53º do EMJ).
O EMJ desenvolve outros aspectos desta subordinação. É o caso do artigo 1º nº 2 ('O presente Estatuto aplica-se a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que se encontrem'), do artigo 35º nº
2 ('Os juízes de direito em comissão de serviço diferente da referida no número anterior [a em 'tribunais não judiciais'] são classificados se o Conselho Superior da Magistratura dispuser de elementos bastantes ou os puder obter através das inspecções necessárias, considerando-se actualizada, em caso contrário, a última classificação'). Esta norma é presentemente complementada, quanto à sua concretização, pelo artigo 29º do Regulamento das Inspecções Judiciais, publicado no Diário da República - II Série de 8/5/96), do artigo 58º
('O tempo em comissão de serviço é considerado, para todos os efeitos, como de efectivo serviço na função') e o artigo 81º ('Os magistrados judiciais são disciplinarmente responsáveis...').
Da conjugação destas disposições resulta uma efectiva sujeição dos magistrados na situação referida pelo recorrente ao EMJ e, concretamente, ao CSM. Não pode, assim, afirmar-se, nesta perspectiva, que lhes seja indiferente a composição do órgão, por em nada a sua situação e carreira serem por ele afectadas. Frisar este aspecto assume particular relevância se tivermos presente estar em causa, através da eleição destes vogais, 'acentuar a legitimidade democrática do CSM' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição... cit., p.828) dentro da própria magistratura.
Não se diga estar presente na interpretação agora julgada inconstitucional 'uma qualificada protecção de raíz corporativa aos magistrados judiciais, na defesa dos respectivos interesses profissionais'. Trata-se antes de dar relevância ao princípio democrático, de forma não só inteiramente compatível com a independência que se deseja para o C.S.M., mas também reforçativa dela, por alargar a base respresentativa do C.S.M..
É, portanto, um desenvolvimento da Constituição necessário, que se fez com razoabilidade e conforme ao sistema constitucional. Menos razoável se afigura ao primitivo relator que numa questão de política institucional, dentro do espaço de concretização aberto pelo texto constitucional, seja o Tribunal Constitucional a impôr uma certa configuração ao
órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial. Fernando Alves Correia (vencido, pelo essencial dos fundamentos da declaração de voto do primitivo relator, Exmº Conselheiro Sousa e Brito) Messias Bento (vencido pelo essencial das razões da declaração de voto do Exmº Conselheiro Sousa e Brito) José Manuel Cardoso da Costa
( tem voto de conformidade do Exmº Consº. Guilherme da Fonseca, que não assina por ter cessado funções neste Tribunal.