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Proc.n.º968/98
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – C... notificado da decisão sumária que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionaldade por si interposto veio reclamar para a conferência alegando que 'seja qual for a argumentação utilizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o certo é que a sua decisão redunda numa efectiva preterição daqueles preceitos legais, na medida em que denega ao recorrente o invocado duplo grau de jurisdição a que tem direito'.
Em resposta à reclamação apresentada, o representante do Ministério Público veio dizer que ela carece de fundamento desde logo porquanto a matéria em controvérsia 'se situa exclusivamente no âmbito dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça', e depois, 'pela própria 'natureza das coisas', é manifesto que não pode haver recurso de arestos proferidos pelos Supremos Tribunais, no exercício da tarefa de uniformizarem a jurisprudência nas respectivas ordens jurisdicionais'.
Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre apreciar e decidir.
2. – Nos termos do que consta da decisão sumária, agora em reclamação, o que ali se decidiu foi que o acórdão recorrida não tinha aplicado a norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada com o sentido inconstitucional que o recorrente lhe atribuía. È do seguinte teor a referida decisão:
'De acordo com o nº1 do artigo 445º, 'a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais', sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 443º (que se refere à aplicabilidade da proibição da reformatio in peius, salvo quando o recurso for em desfavor do arguido).
Na sequência do estabelecido no nº1, o nº2 do preceito determina que 'O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo'
Desta norma decorre que, quando a decisão recorrida tiver de ser alterada por força da jurisprudência uniformizadora fixada, pode sê-lo pelo próprio STJ ou pelo tribunal inferior, através do reenvio do processo, sem que porém esclareça em que casos a aplicação é feita pelo STJ e em que casos o processo deve ser remetido ao tribunal recorrido.
Segundo Maia Gonçalves (in 'Código de Processo Penal Anotado', 7ª Edição, 1996, pág. 635), 'se o recurso for interposto de acórdão do STJ é o próprio Supremo que faz a aplicação da jurisprudência obrigatória, no caso de ser contrária à decisão recorrida, devendo ser a secção a fazê-lo; se o acórdão foi proferido pela Relação (artº 437º, nº2) será a relação a aplicar a jurisprudência obrigatória no caso de ser contrária à da decisão recorrida, sendo, para o efeito, o processo para aí reenviado pelo Supremo'.
Este entendimento, porém, assenta numa dada premissa: que a jurisprudência uniformizadora é contrária à decisão recorrida, respeitando-se daquela forma as regras de competência aplicáveis.
O presente recurso parte de um entendimento semelhante, considerando inconstitucional o não reenvio do processo.
Porém, a decisão uniformizadora não aplicou a norma em causa com uma tal interpretação, nem o podia fazer. Com efeito, o acórdão do STJ entende que não existe qualquer incompatibilidade entre a jurisprudência que fixou e a decisão recorrido, considerando que «a questão sub iudice não é influenciada pela jurisprudência obrigatória a firmar», pelo que entendeu dever manter o acórdão recorrido.
Ora, a questão sobre se existe ou não contradição entre a decisão recorrida e a jurisprudência obrigatória é uma questão da exclusiva competência do Supremo Tribunal de Justiça e que este Tribunal tem de aceitar.
Assim sendo, não tendo a decisão agora em recurso aplicado a norma questionada com o sentido inconstitucional que o recorrente refere, não se verifica o pressuposto de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade pelo que se não pode conhecer do respectivo objecto.
Porém, de acordo com os termos da presente reclamação, o reclamante acusa agora a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de redundar numa efectiva preterição dos artigos 445º do Código de Processo Penal e 14º, n.º5 do pacto Universal por denegar o invocado duplo grau de jurisdição.
Ora, como se escreveu na decisão sumária, esta interpretação assenta na existência de uma contradição ou incompatibilidade entre a decisão do acórdão uniformizador de jurisprudência e o acórdão da Relação, então recorrido, incompatibilidade essa que o próprio Supremo afirma não existir e que é matéria excluída dos poderes de cognição deste Tribunal.
Assim, não tendo sido aduzidos argumentos que imponham a modificação da posição assumida na decisão sumária, tem esta de ser confirmada, mantendo-se a decisão de não conhecimento do recurso.
3. – Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 21 DE Abril de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa