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Proc. nº 795/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. I... (a seguir, I...), notificada para pagar a multa a que alude o artigo 145º, nº 6, do Código de Processo Civil, em consequência de ter deduzido oposição a uma execução fiscal apenas no terceiro dia útil após o termo do prazo fixado na lei, requereu ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa o benefício do apoio judiciário, com dispensa de 'efectuar quaisquer pagamentos a título de preparos, de multas e do pagamento de custas', por carecer de meios económicos para custear as despesas do processo.
2. Tendo aquele requerimento sido indeferido pela Juíza do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, I... interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. O Supremo Tribunal Administrativo, considerando que não estava em causa exclusivamente matéria de direito, julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso apresentado pela oponente I....
3. Remetido o processo ao Tribunal Tributário de 2ª Instância, foi por este Tribunal negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida. Inconformada, I... interpôs recurso deste acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância.
4. O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.
5. Ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, I... interpôs recurso deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, que considera contrária aos artigos 20º e 18º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Nas suas alegações, a recorrente afirmou, em síntese, que o artigo
15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, 'ao não abranger a dispensa do pagamento das multas, aplicáveis nos termos do artigo 145º, nº 6, do C.P.C., restringe ou mesmo impede o exercício do direito de defesa, ou seja, o mesmo artigo viola o referido artigo 20º da C.R.P. sendo, por isso, inconstitucional' e que 'viola, igualmente, as disposições do artigo 18º, nºs 1 e 2 da C.R.P., uma vez que não constitui uma das restrições, a um direito constitucional, previstas na Constituição'.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o presente recurso não merece provimento, uma vez que 'tendo em conta a função substancial desempenhada pelo instituto do apoio judiciário – facultar o acesso à justiça dos economicamente carenciados, dispensando-os do pagamento da taxa de justiça ou dos honorários dos profissionais do foro – não constitui interpretação inconstitucional do artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, a que se traduz em dele excluir a eventual dispensa do pagamento de quaisquer multas – sanções processuais, de natureza pecuniária, cominadas às partes pela violação da 'boa ordem' da marcha do processo'.
II
6. O instituto do apoio judiciário compreende a dispensa, parcial ou total, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (artigo 15º, nº 1, do Decreto--Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro).
Não sendo gratuito o serviço público de administração da justiça, o instituto do apoio judiciário tem como objectivo estabelecer as condições necessárias para que as pessoas com menos recursos económicos não sejam impedidas de fazer valer ou defender os seus direitos em juízo por causa do
'preço' desse serviço.
Cumprindo o imperativo constitucional de assegurar o acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), a lei ordinária, através do instituto do apoio judiciário confere a possibilidade de aceder aos tribunais, de qualquer grau hierárquico, mesmo às pessoas que não disponham de meios económicos necessários para recorrer aos serviços de um mandatário judicial ou para satisfazer os custos da subida de um recurso.
O instituto do apoio judiciário não abrange – nem, para cumprir a respectiva função, teria de abranger – o pagamento de multas. Na verdade, as multas não integram o 'preço' do serviço de justiça, não constituem a contrapartida da prestação de qualquer serviço público. As multas têm antes carácter sancionatório, são sanções processuais, de natureza pecuniária, impostas à parte que, no decurso do processo, não cumpre adequada e tempestivamente os seus deveres.
Esta caracterização das multas processuais, com a consequente exclusão do seu pagamento do âmbito do benefício do apoio judiciário, corresponde ao entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional em decisões anteriores (acórdão nº 17/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18º vol., p. 641 ss; acórdão nº 458/97, proc. 915/96, ainda inédito).
7. Se pode falar-se de dificuldade de acesso à justiça no caso de não pagamento da multa devida, tal dificuldade não é directamente relacionada com a falta de meios económicos, mas com a falta de diligência na prática, dentro dos prazos e nas condições fixadas pela lei, de um acto indispensável para fazer valer um direito ou interesse legalmente protegido.
8. Sendo assim, nem a norma do artigo 15º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de
29 de Dezembro, nem a interpretação que dessa norma fez o acórdão recorrido, contrariam o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais.
Não existe consequentemente qualquer restrição a um direito – o direito de acesso aos tribunais – que possa considerar-se não admitida pela Constituição.
III
9. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido na parte impugnada.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Artur Maurício Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa