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Processo n.º 1238/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de recurso de constitucionalidade, figura, como decisão recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 4 de abril de 2013.
Notificada de tal acórdão, a aqui recorrente, ANEPE – Associação Nacional de Empresas de Parques de Estacionamento, apresentou requerimento, peticionando esclarecimento e arguindo a nulidade do mesmo aresto.
Por acórdão de 20 de junho de 2013, foi julgada improcedente a arguida nulidade e indeferido o pedido de aclaração, invocando-se, além do mais, o seguinte:
“(…) o que a requerente ANEPE pretende não é uma verdadeira aclaração, mas antes uma modificação essencial da nossa decisão: pretende, aliás, que se altere a decisão tomada face ao seu recurso, apesar de ter percebido perfeitamente que ali se ponderou e decidiu que todas as conclusões do recorrente, que, como se sabe, delimitam o âmbito do recurso – como é jurisprudência pacífica do STJ – foram consideradas improcedentes.
(…)
Assim, sob a “capa” de um pedido de aclaração do Acórdão desta Relação vem agora a ANEPE – Associação Nacional de Empresas de Parques de Estacionamento tentar in extremis reverter decisão que lhe foi desfavorável, bem como adiar a sua executoriedade ao impedir o seu trânsito em julgado.
(…) pelo que se indefere tal pedido de aclaração de sentença, por se afigurar o mesmo infundado.
(…)
Carece, assim, de razão a requerente ANEPE quando alega ter havido falta de fundamentação, incompletude e/ou obscuridade ou a prática de qualquer inconstitucionalidade.” (destacado nosso)
Notificada de tal acórdão, a recorrente apresentou novo requerimento de arguição de nulidade deste novo aresto.
No exercício do contraditório, a Autoridade da Concorrência pronunciou-se, referindo que a ANEPE se limita a “repetir os «mesmos» pedidos em relação ao Acórdão de 20 de junho de 2013 que havia feito quanto ao Acórdão de 4 de abril de 2013”, pugnando pelo indeferimento do requerimento por ser “manifestamente dilatório visando obstar ao trânsito em julgado do Acórdão de 4 de abril de 2013”, e acrescentando “não poder deixar de alertar para o risco de prescrição da infração de que vem condenada a ANEPE.”
O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 10 de outubro de 2013, indeferiu o requerimento, considerando o mesmo legalmente inadmissível e referindo, nomeadamente que, neste novo requerimento, a recorrente alega “na sua essência os mesmos fundamentos e argumentação que já havia produzido relativamente ao (…) acórdão de 4 de abril de 2013”, mais acrescentando, em citação de outro aresto, que “A lei não faculta pedidos de esclarecimento, numa interminável espiral que mantém o processo sempre pendente, sem que a respetiva decisão transite em julgado, não podendo tais pedidos ser formulados “ad nauseam”, num sistema de multiplicação de dúvidas que são sugeridas ou forjadas de dúvidas anteriores e assim sucessivamente”.
Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, para apreciação de recurso de constitucionalidade, foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento do recurso.
Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, que, por acórdão, indeferiu a reclamação e confirmou a decisão sumária reclamada.
2. Notificada deste aresto, proferido em 13 de fevereiro de 2014, veio agora a requerente arguir a sua nulidade, invocando, por um lado, “preterição de formalidade legalmente obrigatória com influência na decisão da causa” e, por outro, “falta de fundamentação”.
Refere a requerente que o Ministério Público alega, no seu parecer, “de forma inovatória” que “é, desde logo, duvidoso, que a arguida apresente uma verdadeira dimensão normativa para a questão de constitucionalidade que pretende suscitar”.
Acrescenta que não foi com base na falta de indicação de uma verdadeira dimensão normativa que a decisão sumária proferida considerou inadmissível o recurso de constitucionalidade, mas sim com fundamento na não coincidência “entre a norma cuja sindicância se requer e a ratio decidendi” utilizada pelo tribunal a quo.
Porém, alega a requerente que o acórdão proferido teve em consideração a “posição inovatória” constante do parecer do Ministério Público, acrescentando um “argumento novo - a falta de um outro pressuposto para a admissibilidade do recurso - para decidir pelo indeferimento da Reclamação da Decisão Sumária apresentada”.
Nestes termos, defende que deveria ter sido notificada do parecer do Ministério Público, para exercício do direito ao contraditório, formalidade cuja preterição importa nulidade do acórdão proferido em 13 de fevereiro de 2014.
Mais acrescenta que é inconstitucional o n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), quando interpretada no sentido de um parecer do Ministério Público com argumentos inovatórios, no âmbito da reclamação, não carecer de ser notificado ao reclamante quando envolva a adoção de uma decisão com os fundamentos inovatórios invocados nesse parecer.
Pelo exposto, requer que o acórdão, colocado em crise, seja revogado e que seja concedido prazo não inferior a dez dias para a requerente se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público.
Refere ainda a requerente que o referido acórdão fixa a taxa de justiça em vinte unidades de conta, “ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma)”.
Porém, não é apresentada qualquer fundamentação para a fixação da taxa de justiça referida, não sendo analisados os critérios enunciados no aludido artigo 9.º, n.º 1.
Alega que, para o efeito, não basta a mera referência à ponderação dos critérios em que assenta a decisão, sem concretização do iter cognitivo do Tribunal em relação a cada critério, acentuando que “no presente caso, mais se justificará conhecer a fundamentação subjacente à aplicação da taxa de justiça máxima quando (i) a Recorrente é, por natureza, uma Associação sem fins lucrativos; (ii) está em causa um processo de natureza sancionatória; (iii) a Recorrente não é contumaz; e (iv) o processo não terá elevada complexidade”.
Conclui, nestes termos, que a decisão é nula quanto a custas, pelo que requer a sua revogação.
3. O Ministério Público, em resposta, veio pugnar pelo indeferimento do pedido.
Fundamenta a sua posição referindo que não corresponde à realidade a afirmação da requerente de que a questão da dimensão normativa do objeto do recurso de constitucionalidade tivesse estado ausente da fundamentação da Decisão Sumária proferida.
Na verdade, tal questão esteve subentendida em tal Decisão, apenas não merecendo tratamento mais específico por se ter entendido, “face «à natureza cumulativa» dos pressupostos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, que se mostrava «ociosa a apreciação dos restantes» pressupostos, bastando um deles - o facto de a questão enunciada pela recorrente não ter integrado a ratio decidendi da decisão recorrida – para determinar a inadmissibilidade do recurso.”
Tal conclusão resulta da apreciação dos seguintes excertos:
“Analisada a decisão recorrida, conclui-se que a questão de constitucionalidade, erigida como objecto do recurso – independentemente de qualquer outra apreciação sobre a sua formulação – não encontra reflexo na fundamentação da solução dada ao caso pela decisão recorrida.
(…)
Tal enunciado da questão de constitucionalidade, que a recorrente constrói, assenta, aparentemente, na sua subjectiva apreciação dos factos valorados pela decisão recorrida, que – em conformidade com a sua tese – deveria conduzir à conclusão do não preenchimento, in casu, da previsão legal do tipo contra-ordenacional em análise.
Essa subjectiva apreciação não é partilhada, porém, pelo tribunal a quo (…).”
“Pelo exposto, conclui-se que, em nenhum momento, foi convocado o entendimento plasmado na questão enunciada pela recorrente, pelo que – ainda que se entenda que de tal questão é possível extrair um sentido normativo útil – é manifesto que a mesma não integra a ratio decidendi da decisão recorrida.” (com os destaques plasmados no parecer do Ministério Público)”
Nestes termos, conclui o Ministério Público que, secundando a linha argumentativa da Decisão Sumária proferida, se limitou a referir ser “duvidoso que a arguida apresente uma verdadeira dimensão normativa para a questão de constitucionalidade que pretende suscitar”. Tal afirmação dubitativa não corresponde a qualquer fundamento novo, que pudesse surpreender a requerente, ao contrário do que a mesma afirma.
Pelo exposto, de acordo com a jurisprudência, nomeadamente dos Acórdãos n.os 5/10, 68/11, 188/13, 805/13, 117/04 e da Decisão Sumária n.º 51/14, não assiste razão à requerente.
Acresce que, independentemente da questão da dimensão normativa do objeto do recurso, a conclusão do acórdão, colocado em crise, relativamente à inadmissibilidade, sempre seria a mesma, em face da falta de coincidência entre a questão de constitucionalidade colocada e a ratio decidendi da decisão recorrida.
No tocante ao segundo fundamento, igualmente refere o Ministério Público que não assiste qualquer razão à requerente.
Acrescenta que não deixa de ser curioso que a requerente suscite tal questão, a propósito das custas, pela primeira vez, na fase final do processo constitucional, quando é certo que poderia tê-la colocado a propósito da decisão sumária proferida.
Porém, a condenação em custas encontra-se devidamente fundamentada, como se decidiu no Acórdão n.º 405/10, a propósito de questão idêntica.
Conclui o Ministério Público que caberá ao Tribunal Constitucional ponderar se deverá recorrer à faculdade plasmada no n.º 8 do artigo 84.º da LTC, como foi decidido, nomeadamente no Acórdão n.º 700/13.
A Autoridade da Concorrência, com fundamento no caráter manifestamente dilatório do requerimento, veio expressamente prescindir do seu direito de resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
4. A apresentação do requerimento em análise - pela sua manifesta falta de fundamento, conjugada com o contexto em que surge, de reiteração de arguições de nulidade infundadas, como revela o relatório apresentado no ponto 1., a propósito das reações aos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa - demonstra que a requerente apenas pretende obstar ao trânsito em julgado do acórdão de 13 de fevereiro de 2014, que julgou improcedente a reclamação deduzida, e à consequente baixa do processo.
Constata-se que a arguição de nulidade, assente na preterição do princípio do contraditório, parte do pressuposto de que o Ministério Público introduziu uma argumentação inovadora, que veio a ser utilizada no acórdão agora posto em crise.
É manifesto que tal alegação, porém, não encontra qualquer sustentação factual, uma vez que, por um lado, resulta claramente do confronto entre a decisão sumária proferida - numa leitura minimamente atenta - e o parecer do Ministério Público que a posição reticente, a propósito da natureza normativa do objeto do recurso, não é inovatória, e, por outro lado, que o fundamento do acórdão, que confirmou a decisão sumária proferida, coincide com o adotado nesta decisão, ou seja, a falta de coincidência entre a questão enunciada pelo recorrente e a ratio decidendi, independentemente de qualquer apreciação mais profunda sobre a natureza de tal questão.
Nestes termos, a referida arguição de nulidade apresenta-se manifestamente infundada também no tocante à questão da alegada falta de fundamentação, relativa à concreta condenação em custas, igualmente não se vislumbra uma argumentação que demonstre um mínimo de razoabilidade, tanto mais que assenta no pressuposto de que foi fixada a taxa de justiça máxima, quando a mera leitura da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, demonstra que tal asserção não é verdadeira.
Assim, quer porque a fundamentação aduzida e a fixação da concreta taxa de justiça reproduzem os critérios utilizados pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante e uniforme, em situações semelhantes, quer porque o grau de fundamentação da decisão, agora colocada em crise, não é menor do que o das decisões anteriores proferidas neste processo, nomeadamente na decisão sumária, datada de 12 de dezembro de 2013, e nas decisões do tribunal recorrido, facto que não mereceu qualquer reação anterior da requerente, considera-se a arguição manifestamente infundada.
Nestes termos, justifica-se a utilização da faculdade prevista no artigo 84.º, n.º 8, da LTC, determinando-se a imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, precedido de extração de traslado, onde será tramitado qualquer ulterior incidente que sobrevenha.
Mais se consigna que, para todos os efeitos, com a prolação da presente decisão, se considera transitado em julgado o acórdão de 13 de fevereiro de 2014, que julgou improcedente a reclamação.
Assim sendo, o processo deverá seguir os seus regulares termos no tribunal recorrido.
III - Decisão
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se determinar que, após extração de traslado dos presentes autos e contado o processo, se remetam de imediato os autos ao tribunal recorrido, a fim de aí prosseguirem os seus termos.
Sem custas.
Lisboa, 25 de março de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.