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Proc. nº 456/97 Rel.: Cons. Sousa e Brito
I
1. A..., Limitada, requereu, nos termos do artigo 82º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto - Lei n º 267/85 de 16 de Julho), ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, a intimação do Presidente do Conselho de Administração da INFARMED - Instituto Nacional de Farmácia e de Medicamento, para : a) emitir e entregar à requerente, certidão integral da decisão de autorização de introdução no mercado do 'GASEC', bem como de eventuais decisões relativas à sua alteração e à renovação do seu período de validade, incluindo a respectiva fundamentação e demais indicações a que se refere o art. º 30º da LPTA; b) facultar à requerente, a consulta integral do processo relativo à autorização de introdução no mercado do 'GASEC', bem como de todo e qualquer outro processo relativo a alterações dessa autorização e de renovação do seu período de validade; c) emitir e entregar à Requerente certidões dos pedidos de autorização, alteração e renovação referidos na alínea anterior, bem como de todos os documentos a ele juntos e de todos os que integram os respectivos processos, designadamente: i) os elementos exigidos nos termos do artigo 5º, n º 1, alínea d), do Decreto - Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro, relativos à forma farmacêutica e à composição; ii) os elementos exigidos nos termos do artigo 5º, n º 2, alíneas c) do Decreto - Lei n º 72/91, de 8 de Fevereiro, e da Parte I-C referida no Anexo I à Portaria nº 161/96, de 16 de Maio, relativos aos relatórios dos peritos; iii) os elementos exigidos em conformidade com a Portaria nº 161/96 de 16 de Maio (e com o Anexo à Portaria n º 321/92, de 8 de Abril), indicados na Parte II, A a Q, do seu Anexo I, relativos à documentação química e farmacêutica, em especial à composição, ao modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo do processo de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, à biodisponibilidade e bioequivalência, e restantes informações; iv) os elementos exigidos em conformidade com a Portaria nº 161/96 de 16 de Maio (e com o anexo à Portaria n º 321/92 de 8 de Abril), indicados na Parte III, A a Q, do seu Anexo I, relativos à documentação toxicológica e farmacológica; v) os elementos exigidos em conformidade com a Portaria nº 161/96 de 16 de Maio (e com o anexo à Portaria n º 321/92 de 8 de Abril), indicados na Parte IV, A a Q, do seu Anexo I, relativos à documentação clínica, incluindo a farmacologia clínica e a experiência clínica; vi) os elementos exigidos em conformidade com o artigo 14º do Decreto - Lei n º 72/91 e com a Portaria n º 78/96, de 11 de Março; vii) os elementos exigidos em conformidade com o artigo 13º do Decreto-Lei nº 72/91; viii) os relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91º do Decreto - Lei n º 72/91, em especial os relativos à verificação do cumprimento das disposições em matéria de controlos sobre os componentes, produtos intermédios de fabrico, produto acabado e de controlos de qualidade;
No requerimento a A... declara supor que o GASEC é um medicamento similar ao LOSEC, por si comercializado, e, portanto, seu concorrente.
O requerimento foi apresentado na sequência da não satisfação de idêntico requerimento dirigido ao INFARMED em que o requerente declarou ter o
'fim de usar meios administrativos e contenciosos que a lei lhe faculta para obter a revogação da autorização de introdução no mercado do medicamento 'GASEC' e das suas eventuais alterações, de impugnar a renovação do seu período de validade e de se opor à comercialização do referido medicamento'.
2. Tendo a providência sido deferida por sentença de 9 de Abril de 1997, dela recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo o Presidente do INFARMED, alegando a violação dos artigos 61º, 62º e 64º do Código de Procedimento Administrativo (Decreto - Lei n º 442/91, de 15 de Novembro, os dois primeiros na redacção do Decreto - Lei n º 6/96 de 31 de Janeiro), 2º, 15º, n º 5 e 17º da Lei n º 65/93, de 26 de Agosto, e 82º da LPTA, considerando evidente a sigilosidade da informação dos documentos em causa, nos termos dos artigos 17º do Decreto - Lei n º 72/95, de 8 de Fevereiro, 10º da Lei n º 65/93, e 82º, n º
3, da LPTA.
Por seu turno, a A..., na sua alegação nesse recurso apresentou, entre outras, as seguintes «conclusões»:
' [...] b) os artigos 82º e seguintes das LPTA cruzam dois direitos constitucionais decorrentes dos nº s 4 e 5 do artigo 268º da Constituição: o do acesso dos cidadãos aos documentos da Administração e o uso de meios contenciosos com vista
à defesa dos seus direitos e interesses; c) apresentando-se o direito à informação consagrado no artigo 82º da LPTA como um direito prévio e instrumental relativamente ao exercício do direito de recurso contencioso dos actos administrativos, ele não se confunde com o previsto na Lei n º 65/93, nem com o consagrado nos artigos 61º e seguintes do CPA, configurando-se antes como uma prerrogativa autónoma que traduz a concretização no plano da lei ordinária de dois direitos constitucionalmente consagrados nos números 1, 4 e 5 do artigo 268º da lei fundamental; [...] h) na medida em que analisou a pretensão da recorrida à luz do disposto na Lei n
º 65/93, o recorrente interpretou e aplicou de forma incorrecta as disposições desse normativo, bem como os artigos 82º e ss. da LPTA; i) ainda que, contra o que se sustenta, o artigo 82º, nº 1 e nº 3 da LPTA devesse ser interpretado como limitando a divulgação de documentos contendo segredos relativos à propriedade intelectual e segredos comerciais e industriais ou sobre a vida interna das empresas ficou claramente demonstrado que nem em abstracto, nem em concreto, a passagem de certidões dos documentos em causa nestes autos poria em perigo a reserva legalmente reconhecida a eventuais segredos dessa natureza; [...] k) mas, ainda que assim não se entenda, o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, o artigo 10º da Lei 65/93 e o artigo 82º, nº 1 e nº 3 da LPTA a terem o alcance que o recorrente pretende, seriam materialmente inconstitucionais porquanto não são tão vastos os limites do direito à informação expressamente traçados no artigo 268º, nº 2 da Constituição, nem existem outros direitos constitucionais de carácter fundamental cujo respeito seja posto em causa pelo exercício do direito de acesso aos documentos entregues para instrução dos processos de introdução no mercado de medicamentos. [...]'
Por acórdão de 10 de Julho de 1997, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu parcial provimento ao recurso, determinando a intimação do Presidente do Conselho de Administração da INFARMED a providenciar no sentido de, no prazo de 15 dias a contar da notificação desse aresto, serem passadas certidões e facultada a consulta dos documentos, nos termos e com a fundamentação que se transcrevem :
[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos 'direitos, liberdades e garantias' enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo regime (artigos 17º e 18º da CRP).
Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos termos da lei.
Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições constitucionalmente explícitas - ressalvadas as que constam do n º 2 do artigo
268º da CRP que aqui não têm aplicação - não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em colisão com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está impedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no
âmbito do próprio sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.
Ora, no artigo 17º do Decreto-Lei n º 72/91, subjacente à classificação como confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5º e
14º, desencadeados no INFARMED - tal como no artigo 62º do CPA e artigo 10º da Lei 65/93 e ainda nos artigos 1º e 47º do Código da Propriedade Industrial - está a ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito fundamental (artigo 62º da CRP).
A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em confronto (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos), implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de protecção ao direito de propriedade e vice-versa.
Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos fundamentais) nem de generalidade e especialidade.
Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em causa.
Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no processo de intimação, tratando-se de um processo expedito, o titular dos direitos de propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus que pode ver postergados. A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto e não, em geral a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado.
Assim sendo, entendemos que a situação de equilíbrio entre os dois direitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas
à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A do Anexo I da Portaria nº 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria nº 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B - 1 do Anexo à Portaria nº 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às matérias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o artº 91 do Decreto - Lei 72/91 e do pedido a que se referem os art ºs 13º e 14º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida.'
3. É deste acórdão que vem, pela A..., interposto o presente recurso, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 17º do Decreto - Lei nº 72/91, 62º do Código de Procedimento Administrativo, 10º da Lei nº 65/93, na redacção dada pela Lei nº 8/95, e 82º, nº 3 da LPTA aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, esclarecendo, na sequência de convite que, para o efeito, lhe foi formulado, que tais preceitos 'são incompatíveis com os nº s 1, 2 e 4 do artigo 268º da Constituição na medida em que excluam - ou possam ser interpretados como excluindo do direito
à informação procedimental e instrumental documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, ou segredos relativos à propriedade literária, artística ou científica'.
Foram as seguintes as alegações da recorrente:
'a) os artigos 17º do Decreto-Lei n º 72/91, 10º da Lei n º 65/93, 62º do CPA e
82º da LPTA, na interpretação que lhes é dada pelo acórdão recorrido, excluem do direito à informação administrativa determinados documentos integrados no procedimento de autorização de introdução no mercado de medicamentos, com fundamento na necessidade de proteger a propriedade industrial e a propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais; b) os artigos 17º do Decreto-Lei n º 72/91, 10º da Lei n º 65/93, 62º do CPA e
82º da LPTA, com a interpretação que lhes é dada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão recorrido, são materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 268º nº 1, nº 2, nº 4 e nº 5 e do artigo 18º, nº 2 e nº 3 da Constituição, porquanto: i) os números 1, 2 e 4 do artigo 268º da Constituição reconhecem o direito fundamental de acesso e de informação administrativa e as condições e limites do seu exercício relativamente a diversas situações de interesse dos administrados, a saber, o direito procedimental de informação, o direito geral de acesso e o direito de informação instrumental da tutela jurisdicional efectiva, em particular, do direito de interposição de recurso contencioso; ii) de acordo com o artigo 268º n º 2 da Constituição, apenas podem ser impostas restrições explícitas ao exercício do direito de informação administrativa com fundamento na tutela dos valores e direitos aí exaustivamente enumerados - segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade dos cidadãos; iii) são também apenas estas e não outras as restrições que podem ser estabelecidas ao direito de informação procedimental e instrumental reconhecida nos números 1 e 4 do artigo 268º da Constituição; iv) da interpretação dada aos artigos 17º do Decreto-Lei nº 72/91, 10º da Lei nº
65/93, 62º do CPA e 82º da LPTA, decorre necessáriamente a restrição do exercício do direito à informação administrativa - em qualquer uma das suas vertentes subjectivas - relativamente a documentos que não podem ser qualificados como confidenciais por razões de tutela da segurança interna e externa, da investigação criminal e da intimidade dos cidadãos e, consequentemente também a limitação do direito fundamental de tutela jurisdicional, em particular, de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos; v) mesmo admitindo, por recurso à teoria das restrições implícitas, que o direito de informação pudesse ser restringido para tutela de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, em particular, do direito de propriedade privada, esta restrição não poderia justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certas categorias de documentos com fundamento na necessidade de proteger segredos comerciais e industriais que de modo algum se podem qualificar como direitos de propriedade, ou como manifestações de qualquer direito de propriedade, em especial, da propriedade industrial e intelectual, direitos que, em todas as suas vertentes, não podem ser postos em causa pela divulgação ou pela publicidade; vi) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é inadequada à protecção da propriedade industrial e comercial ou à salvaguarda de qualquer das suas manifestações e incompatível com o artigo 18º, n º 2 da Constituição; vii) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é desnecessária à protecção da propriedade industrial ou comercial ou à salvaguarda de qualquer das suas manifestações e incompatível com o artigo 18º, nº 2 da Constituição; viii) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é incompatível com o artigo 18º, nº 3 da Constituição, afectando o núcleo essencial do direito de recurso contencioso; c) tem pois de concluir-se que o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, o artigo
62º do CPA, o artigo 10º da Lei nº 65/93 e o artigo 82º da LPTA, na medida em que permitam recusar o acesso a documentos apresentados para instrução de processos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, com fundamento na protecção de direitos de propriedade industrial e de propriedade intelectual, ou na protecção de segredos comerciais e industriais, são materialmente inconstitucionais por violarem os artigos 18º, nºs 2 e 3, e 268º, nºs 1, 2, 4, e 5 da Constituição'
De seu lado, o Presidente do Conselho de Administração da INFARMED concluiu a sua alegação, na qual propugna por se dever negar provimento ao recurso, dizendo:-
'1ª - Os dispositivos legais em questão não padecem da alegada inconstitucionalidade por não verificação do disposto no artigo 268º, nº 2 da Constituição uma vez que não implicam qualquer restrição ao direito de informação procedimental não autorizada pela Lei Fundamental;
2ª - Consubstanciando tão-somente uma explicitação dos limites imanentes do direito em causa, concretização que a Constituição não apenas permite como impõe para harmonização dos bens e valores nela tutelados;
3ª - Ainda que de uma restrição se tratasse sempre a mesma se encontraria conforme ao disposto no artigo 268º, nº 2 da Constituição, assumindo manifestamente as vestes de um preceito necessário, adequado e proporcional aos objectivos de tutela dos direitos de propriedade intelectual e industrial que pretende prosseguir'.
Cumpre decidir.
II
4. É o seguinte o teor dos artigos 17º, do Decreto - Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro, 62º, do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n º 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto - Lei n º 6/96, de 31 de Janeiro, 10º, da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei n º 8/95, de 29 de Março, e 82º, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto - Lei n º 267/85, de 16 de Julho:
Decreto - Lei n º 72/91 Artigo 17º Sigilo
São confidenciais os elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o presente diploma, ficando os funcionários que deles tenham conhecimento sujeitos ao dever de sigilo.
Código de Procedimento Administrativo Artigo 62º Consulta do processo e passagem de certidões
1. Os interessados têm direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados, ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2. O direito referido no número anterior abrange os documentos nominativos relativos a terceiros, desde que excluídos os dados pessoais que não sejam públicos, nos termos legais.
3. Os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.
Lei n º 65/93 Artigo 10º Uso ilegítimo de informações
1 - A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas.
2 - É vedada a utilização de informações com desrespeito dos direitos de autor e dos direitos de propriedade industrial, assim como a reprodução, difusão e utilização destes documentos e respectivas informações que possam configurar práticas de concorrência desleal.
3 - Os dados pessoais comunicados a terceiros não podem ser utilizados para fins diversos dos que determinaram o acesso, sob pena de responsabilidade por perdas e danos, nos termos legais.
Lei de Processo nos Tribunais Administrativos Intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões Artigo 82º Pressupostos
1. A fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.
2. Decorrido esse prazo sem que os documentos ou processos sejam facultados ou as certidões passadas, pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o seu pedido.
3 - Só podem considerar-se matérias secretas ou confidenciais aquelas em que a reserva se imponha para a prossecução de interesse público especialmente relevante, designadamente em questões de defesa nacional, segurança interna e política externa, ou para a tutela de direitos fundamentais dos cidadãos, em especial o respeito da intimidade da sua vida privada e familiar.
5. Note-se que embora todos estes artigos estejam referidos igualmente no acórdão recorrido, no documento de interposição do recurso, no aperfeiçoamento do mesmo e na alegação do recorrente, eles relacionam-se diversamente com o objecto do processo.
O artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91 classifica como confidenciais os elementos apresentados para instrução dos processos de autorização de introdução no mercado, de fabrico e de comercialização de medicamentos de uso humano e sujeita ao dever de sigilo os funcionários que deles tenham conhecimento. O recorrente requereu o acesso a todos os documentos dos processos de autorização de introdução no mercado, incluindo os de renovação de autorização e de alteração de medicamento autorizado relativos a determinado medicamento. O requerente requereu esse acesso como titular de um direito procedimental e instrumental ao acesso, com o fim de possibilitar o uso de meios administrativos ou contenciosos, nos termos do artigo 82º da LPTA. A decisão recorrida entendeu que o recorrente tinha um interesse procedimental ao acesso, nos termos do artigo 62º do CPA, por aplicação extensiva deste artigo, por força do artigo 64º da mesma lei, não por ter um interesse directo no procedimento, mas por ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende, mas que esse interesse só era tutelado, nos termos desse artigo 62º, do artigo
82º da LPTA e do artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, relativamente a certos documentos e não a outros.
Em especial foi proibida a consulta integral de qualquer dos processos de autorização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de medicamento, dos elementos que contém, com excepção das certidões relativas à composição qualitativa e quantitativa dos componentes, à documentação toxicológica ou farmacológica, aos ensaios clínicos, aos relatórios de inspecção, e com excepção ainda da consulta dos documentos relativos às matérias assim delimitadas e das certidões dos pedidos de renovação de autorização e de alteração de medicamento e respectivas decisões fundamentadas. Fica assim abrangida pela proibição de consulta e de passagem de certidão toda a restante documentação científica, nomeadamente a relativa ao modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas fases intermédias do processo de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência, e a de farmacologia clínica. Nem o requerente invocou com fundamento da sua pretensão o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, consagrado no nº 2 do artigo 268º da Constituição, nem o artigo 65º do CPA, que igualmente o acolhe, nem a Lei nº
65/93, que regulou esse direito, e nos termos da qual (artigo 16º e 17º), o requerente, antes de interpôr o recurso contencioso, teria que reclamar primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não fez. O artigo 10º da Lei nº 65/93 só foi invocado na sentença recorrida como argumento a favor da relevância dos direitos de propriedade industrial e da proibição de concorrência desleal, a par de semelhantes argumentos retirados dos artigos 17º do Decreto - Lei n º 72/91, 62º do CPA, 1º e 47º do Código da Propriedade Industrial, como fundamento de restrição do direito de acesso invocado pelo recorrente.
Há portanto, que concluir que o artigo 10º da Lei n º 65/93 não integra o objecto do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, por não ter sido aplicado pela decisão recorrida (artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da LTC). Constituem, portanto, objecto do processo apenas as normas dos artigos 17º do Decreto - Lei nº 72/91, 62º do CPA e 82º do LPTA, quando interpretadas de modo a permitirem recusar o acesso de interessados ou de detentores de interesse legítimo a documentos apresentados para instrução dos processos de autorização de introdução no mercado de medicamentos de renovação dessa autorização e de alteração de medicamento, quando tais documentos se devam considerar confidenciais por porventura revelarem segredo comercial ou industrial, ou relativo à propriedade científica. Verifica-se, porém, que a recorrente obteve provimento do tribunal a quo, quanto
à passagem das certidões relativas à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A do Anexo I da Portaria nº 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria nº
161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B - 1 do Anexo à Portaria nº 161/91) e à consulta dos documentos relativos às matérias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o artº 91 do Decreto - Lei 72/91 e do pedido a que se referem os art ºs 13º e 14º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada. A parte correspondente do universo dos elementos apresentados para a instrução dos processos e abrangidos pela confidencialidade decretada pelo artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91 ficou, por consequência, fora do objecto do processo. Verifica-se, finalmente, que o nº 2 do artigo 268º da Constituição desempenha um papel fundamental na argumentação da recorrente, uma vez que invoca a reserva de lei nele contida para concluir pela inconstitucionalidade de qualquer outro limite ao direito de informação reconhecido nesse nº e, por consequência, ao direito de informação reconhecido em qualquer outro nº do artigo, incluindo aquele de que se arroga a recorrente. Conclui, portanto, pela inconstitucionalidade do artigo 10º da Lei nº 65/93 e, por consequência, dos artigos 17º da Lei nº 72/91 e 62º do CPA. Tratar-se-á, portanto, de seguida, da questão da inconstitucionalidade do artigo 10º da Lei nº 65/93, por tal ser exigido pela fundamentação da decisão, não obstante este artigo não integrar o objecto do processo.
6. Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.
Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente pretende que está implícito no direito dos administrados, consagrado nos nºs 4 e 5 do artigo 268º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.
A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de acesso consagrado no nº 2 do mesmo artigo 268º, como direito geral de todos os cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, nem tenham em vista obter elementos que lhe permitam, iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos (conferir, no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos deste tribunal nºs 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, 234/92 e 237/92, ambos de 30 de Junho, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 ss., 397 ss.,
599 ss., 609 ss.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade administrativa, ou numa 'administração aberta', como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, só pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública, nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades públicas (artigo 48º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no Estado democrático (artigo 2º), tem frequentemente direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a introdução do nº 2 do artigo 268º na revisão constitucional de 1989 veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no nº 1, pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de 1976 - nomeadamente, a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das referências à confidencialidade) nos artigos 62º e 64º do LPA e 82º da LPTA (cfr.o nº 1 do artigo 16º da Constituição).
7. A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do nº 2 do artigo 268º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum destes pontos. Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas no caso do direito de acesso do nº 2 que limites podem ser estabelecidos por uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 125,
1992, p.254), relativamente ao regime do direito à informação procedimental do nº 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado
à tutela jurisdicional dos nº 4 e 5 do artigo 268º. Estes direitos são reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer que o direito de acesso é reconhecido «sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas», implica até uma prevalência de princípio dos interesses na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cfr. também as cautelas do Acórdão nº 177/92, lug cit., p.405). Nada disto se aplica aos outros direitos
à informação consagrados no artigo 268º. Em segundo lugar, sem exceptuar o do nº 2, todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam
(assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do nº 1, quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62º do CPA e do artigo 82º do LPTA, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64º do CPA para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no artigo
62º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de acesso do nº
2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da Pátria - artigo 276º nº 1 da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos.
8. Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é verdadeira. A reserva de lei do nº 2 é uma remissão da Constituição para a lei e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim o nº 2 do artigo 268º implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou instrumental do direito de tutela jurisdicional dos nºs 1,4 e 5 do artigo 268º. Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto como a liberdade de expressão e informação (artigo 37º, nº 1), a própria Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (nºs 3 e 4 do artigo 37º) e o Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir ilícito disciplinar (Acórdão nº 81/84, Acórdãos cit., 4, pp. 225 ss., especialmente 233-234; cfr. sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão nº
113/97, Diário da República, II série de 15-4- 1997, pp.4478,4481). Temos aqui um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é consagrado à partida no nº 1 do artigo 25º da Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova ( e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas
(Acórdão nº 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão nº 263/97, Diário da República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). É certo que no acórdão nº 7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que limita à partida o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (arts. 34º, nºs 1 e
4), mas estava em causa apenas a hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos (artigo 50º, nº 1 da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos constitucionais directamente para os magistrados judiciais
(artigo 221º, nº 3, hoje 216 nº 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes militarizados (artigo 270º) e para as eleições para a Assembleia da República (artigo 153º, hoje 150º). Mas nos acórdãos nºs 225/85 e
244/85 (Acórdãos cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 ss., 217-228) o Tribunal admitiu restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia
(em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.
9. É claro que as considerações antecedentes só são relevantes no pressuposto de que os direitos de acesso à informação administrativa consagrados no artigo 268º são direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no título II da Constituição (artigo 17º da Constituição), para os efeitos da aplicação do regime do artigo 18º. O Tribunal já afirmou o pressuposto nos Acórdãos nºs 177/92 e 234/92 (Acórdãos cit., 22, pp.401, 603), a isso não obstando certamente a dimensão institucional desses direitos, especialmente no caso do princípio do arquivo aberto do nº 2 do artigo 268º dirigido aos cidadãos (semelhantemente ao direito de acesso aos cargos políticos, como igualmente se decidiu nos acórdãos nºs 225/85 [p.799] e 244/85
[p.218, de modo dubitativo]).
10. Um segundo pressuposto da aplicação do regime do artigo 18º é ainda o de que os limites ao direito de informação de que se trata no caso não estejam desde logo determinados à partida pela definição constitucional do objecto do direito. Ora, a definição constitucional do objecto de um direito fundamental implica por vezes limites que resultam, é certo, da possibilidade de situações de conflito com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas que já integram, tendo em conta o elemento histórico da interpretação, o próprio sentido das palavras que definem o direito. 'Exprimir e divulgar livremente o seu pensamento' (artigo 37º, nº1) dir-se-á, significa coisa diferente de
'difamar' ou 'caluniar', ou mais geralmente, 'mentir' ou 'ofender' (excluindo o uso de expressões ofensivas do domínio de protecção do direito, cfr. o Acórdão nº 81/84, Acórdãos cit., 4, p. 233). Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10º da Lei nº 65/93, estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra esta interpretação é o de o nº 2 do artigo 268º ter considerado necessária uma reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria que dizer que no nº 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples remissão para a lei da definição de certos limites. De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários. Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do direito à tutela jurisdicional expresso nos nºs 1, 4 e 5 do artigo 268º e que a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida. Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo, não valem as anteriores considerações acerca do nº 2 do artigo 268º. Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Tem todo o cabimento as cautelas constitucionais.
11. Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de informação previstos, quer no nº 2 do artigo 268º - que não está directamente em causa -, quer no nº 1 do artigo 268º, ou derivados dos nºs 4 e 5 do mesmo artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer em outras matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos nºs 2 e 3 do artigo 18º. Como se disse no acórdão nº 282/86 (Acórdãos cit., 8, p.223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do que a necessidade não apenas da existência de restrição, mas de certa medida ou modo de restrição - enunciado no artigo 18º, nº 2 vale directamente para todas as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a definição genérica ('tem de revestir carácter geral e abstracto': nº 3 do artigo 18º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no referido Acórdão nº 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão nº 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de Segurança Pública). Por outro lado, a proibição de 'diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais 'do nº 3 do artigo 18º não se refere ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori), mas ao seu conteúdo
'essencial', como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição da parte final do nº 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem aplicado (cfr., por exemplo, os citados acórdãos nºs 177/92 [p.404], 113/97
[4481] e o Acórdão nº 288/98 [Diário da República, I série-A, de 18-4-1998, pp.
1714-20, 25-). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão nº 177/92 (ibidem) de harmonizar 'os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro', ou, como se diz no Acórdão nº 288/98 (p.1714-25) 'a harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e outro por ser sacrificado'. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar
'em cada caso' genericamente 'as razões de prevalência'. É uma 'ponderação casuística' (Acórdão nºs 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora.
12. Ora há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional, invocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou industrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das regras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED considera eventualmente na titulariedade da pessoa detentora da autorização de introdução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62, nº 1 da Constituição). Poderá invocar-se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na liberdade de criação cultural do Título II da Constituição (artigo 42º), o interesse de livre iniciativa económica privada (artigos 61º, nº 1 e 80º, alínea c)), o interesse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre empresas (artigo 81, alínea e)) e o interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país (artigo 81º, alínea j)). Quanto à relevância dos interesses económicos por último referidos é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector de economia privada, como também uma redução drástica do acesso dos consumidores às inovações dos mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60º, nº 1) senão do direito à protecção da saúde (artigo 64,nº 1). Do outro lado da situação de conflito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso, os direitos de autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que chamam também à colacção as mesmas regras de leal concorrência em economia de mercado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua aptidão clínica. Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informação e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de autorização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de medicamento. Por um lado, reconheceu-se prevalência ao direito de informação quanto:
1. aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa de direitos de autor e industriais nomeadamente quanto às certidões das decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os artºs 13
(renovação de autorização) e 14º (alteração de medicamentos autorizados) do Decreto-Lei nº 72/91, bem como às certidões dos respectivos pedidos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A do Anexo I da Portaria nº 161/96) de
16 de Maio;
2. aos elementos relacionados com o interesse colectivo na fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento, nomeadamente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q do Anexo I), aos ensaios clínicos (Parte IV, B-1 do Anexo I da Portaria nº 161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91º do Decreto-Lei nº 72/91. Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que à consulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação, de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos documentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo
17º do Decreto-Lei nº 72/91. Os artigos 62º do CPA e 82º da LPTA devem interpretar-se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito da confidencialidade decretada para o artigo 17º do Decreto-Lei 72/91. Fica assim abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos processos em questão, referida no Anexo I da Portaria nº 161/96, nomeadamente a relativa ao modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de farmacologia clínica. Remete-se para o Anexo da Portaria nº 321/92, de 8 de Abril, com as 'Normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tóxico-farmacológicos e clinícos dos medicamentos de uso humano', para melhor compreensão e justificação das opções feitas.
Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o segredo relativo à propriedade científica se protege através do sistema da publicidade e controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos direitos de autor não é o segredo, mas a exclusividade de fruição das vantagens dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção da patente ou do direito de autor. Poderá, assim, entender-se que o acórdão recorrido bem decidiu, quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91 não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268º, nº 1, 4 e 5 da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes elementos apresentados
à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o Decreto-Lei nº 72/91 de
8 de Fevereiro: documentação relativa à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A do Anexo I da Portaria nº 161/96 de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria nº 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B-1 do Anexo I da Portaria nº
161/96), documentação correspondente às mesmas matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13º do Decreto-Lei nº 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14º do Decreto-Lei nº 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfação da sua pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve provimento do tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão recorrido, quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o mesmo Decreto-Lei além dos anteriormente enunciados, e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62º do CPA, do artigo 82º da LPTA e do artigo 10º da Lei nº 65/93, embora este último não seja objecto do processo.
III
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 4 de Maio de 1999 José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Messias Bento Vítor Nunes de Almeida Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto que junto). Declaração de voto.
Votei vencido, quer quanto à decisão, quer quanto aos fundamentos que, respectivamente, foram tomados e carreados ao acórdão a que a presente declaração se encontra apendiculada.
1. Efectivamente, sendo ao Tribunal solicitado que o mesmo afira da conformidade com o princípio constitucional do apelidado «direito à informação
(e/ou «direito ao arquivo aberto ou transparente»), postulado pelo artigo 268º da Lei Fundamental, a questão que se coloca é, justamente, a de saber se tal direito pode ser restringido pelas normas em apreço, quando interpretadas de sorte a salvaguardarem 'segredos comerciais, de segredos industriais, de segredos sobre a vida interna das empresas ou segredos relativos à propriedade literária, artística ou científica', talqualmente deflui do requerimento de interposição do vertente recurso.
Por outro lado, e situando-nos num processo de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, no qual este órgão de administração de justiça se não deve alhear das próprias circunstâncias do caso, haverá que não olvidar que, na presente situação, se coloca uma pessoa colectiva detentora de um anterior licenciamento para a introdução no mercado de um determinado medicamento, pessoa essa que veio a saber que um seu concorrente, posteriormente, requereu também a introdução de um outro medicamento cuja composição, modo de preparação, matérias primas, processo de fabrico e finalidades terapêuticas seriam similares às daquele; assim, invocando pretender usar de meios administrativos ou contenciosos, para a defesa do seu «direito», decorrente daquele licenciamento, requereu a intimação do Presidente da entidade que superintende na introdução de medicamentos no mercado nacional - que anteriormente não satisfez pedido formulado em tal sentido - para que, por entre o mais, lhe facilitasse a consulta integral do processo administrativo relativo
à autorização de introdução do «novo» medicamento, onde se incluiriam, como resulta do aresto em recurso, certos documentos e ou elementos de instrução constantes daquele processo.
Isto posto, cumpre, brevitatis causa, expor os motivos da minha discordância.
2. Sublinho, em primeira linha, que me não afasto da generalidade das considerações que se efectuaram no ponto 6. do acórdão de que esta declaração faz parte.
Já não acompanho, porém, a fundamentação - e conclusões dela extraídas, designadamente com projecção da decisão tomada - no particular em que se refere a que o estatuído na parte final do nº 2 do artigo 268º da Constituição não constitui, em rectas contas, qualquer restrição ao direito aí consagrado, antes se perspectivando como o estabelecimento de limites resultantes da reserva de lei (em matérias conexionadas com a segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas).
Tenho para mim, pelo contrário, que aquele direito - o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos -, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da Parte I da Lei Fundamental, deve ser visualizado como de «livre expansão». Todavia, tal como estes últimos, admite-se a possibilidade da respectiva restrição, conquanto, como é óbvio, isso esteja expressamente previsto na Constituição.
Neste contexto, leio a parte final do nº 2 do aludido artigo 268º como um expresso estabelecimento, pela própria Constituição, de restrições à
«livre expansão» do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, caso estejam em causa aquelas matérias. Simplesmente, a meu ver, nem tudo o que, em abstracto, com elas se relacione ou possa relacionar, veda esse direito, mas sim, e só, o que, sendo incluível em tais matérias, a lei ordinária venha a prescrever.
Daí que não adira ao entendimento - que flui do acórdão - de harmonia com o qual a parte final do nº 2 do artigo 268º mais não estabelece do que uma remissão para a lei ordinária ou, se se quiser, de uma enunciação, por esta, dos limites do próprio direito.
Não se nega que, havendo conflitos ou «pontos de contacto» tendencialmente contraditórios entre direitos fundamentais ou outros a eles análogos, e postando-se situações de não existência de relações de hierarquia ou especialidade, se lance mão de critérios de harmonização tendente ao melhor equilíbrio possível.
Contudo, perfilho a óptica segundo a qual, ali onde a Constituição permite, expressis verbis, a imposição de restrições (e assim considero o que se consagra na parte final do nº 2 do artº 268º) ao livre exercício de um direito fundamental (ou tido por análogo a esse), não faria sentido que, por apelo à teoria dos «limites a posteriori» ou dos «limites imanentes» (recte, «limites imanentes» não expressos), pudesse um tal exercício, para além daquelas restrições, ser objecto de uma eventual «compressão» ou «diminuição» da sua livre «expansão», ditada pela casuística ponderação de bens e interesses constitucionalmente protegidos, com vista a se obter uma resposta optimizada para que, assim, por um raciocínio de harmonização, sejam ultrapassadas situações de contacto, conflito ou confronto com outros direitos - fundamentais ou análogos -. É que, se o legislador constituinte, ao erigir um determinado direito a que concedeu a característica de fundamental ou a este análogo - e verificando que o respectivo exercício era passível de pontos de contacto, colisão ou confronto com outro um direito fundamental ou análogo - entendeu prescrever os modos em como aquele mesmo exercício podia ser «restringido», então, no meu entender, não fará sentido que, tendo levado a efeito aquela prescrição, ainda admita situações que, na prática e vista uma eventual concorrência com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, redundem na ocorrência de outras «compressões» ou «limitações», já não fundadas numa concretização ou delimitação legal do texto constitucional onde expressamente se previram aqueles modos.
Se desejasse que essas outras situações haviam de permitir as faladas «compressão» e «limitação», então o que se imporia, de um ponto de vista de racionalidade, seria que estatuísse as ditas situações de molde a constarem elas do elenco das «restrições» que previu no próprio texto constitucional.
Daqui resulta, na minha maneira de ver as coisas, que, ainda que o operador jurídico, porventura até com razões bastantes, conceda que existam bens ou interesses, nomeadamente tutelados pela Constituição, que imporiam a necessidade de serem ressalvados do livre exercício de um direito análogo a um direito fundamental como o em causa, tendo em conta que o legislador constituinte apenas estatuiu a possibilidade de uma dada corte de ressalvas, não se me afigura lícito que aquele operador possa ir para além da vontade do mencionado legislador (cfr., sobre a dificuldade advinda para o legislador ordinário no estabelecimento de restrições ao livre acesso aos registos e arquivos administrativos, face ao que se estabelece na parte final do nº 2 do artigo 268º da Constituição, Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, 1995, 359).
A conclusão acima extraída ainda se torna mais nítida se aditada à consideração, que considero como decisiva, de que, quando em causa está o exercício do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos como condição instrumental indispensável, quer para a formação da vontade de impugnar determinada decisão administrativa, quer para o exercício da garantia da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, como parece inequivocamente resultar da situação em apreço.
É que, nesses casos, em nome de uma «harmonização» dos dois direitos em conflito - de uma banda, o direito de propriedade e, de outra, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos -, suportada na consideração que o primeiro apresenta determinados limites cuja enunciação é «degradada» pela Constituição para a lei ordinária, vai-se, ao fim e ao resto, para além da diminuição de um dado conteúdo do primeiro, postergar irremediavelmente aqueloutro direito que o próprio Acórdão reconhece não apresentar limites a priori.
Como na situação vertente acontece sucede, uma limitação ao direito de acesso aos registos e arquivos administrativos em nome da resolução de situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, tal como foi defendido no presente Acórdão, vai, de todo, impedir a possibilidade de o interessado formar a sua vontade de impugnação do acto administrativo - por isso que aquele acesso se desenha, como se viu, como uma condição indispensável para tanto - e, em consequência, essa limitação posta-se, na minha perspectiva, como desnecessária e desproporcionada, indo, porventura, ao ponto de diminuir o conteúdo essencial da garantia de tutela prescrita no nº 4 do artigo 268º da Constituição, com o que se desenhará a violação do nº 2 do seu artigo 18º.
3. Estas, pois, mui em síntese, as razões pelas quais defendi que se deveriam julgar inconstitucionais, por violação da conjugação dos números 2 e 4 do artigo 268º da Lei Fundamental, as normas constantes dos artigos 17º, do Decreto-Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro, 62º, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, e 82º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, quando interpretadas no sentido de que, por razões de protecção de propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais, é possível restringir o acesso aos arquivos e registos administrativos, quando esse acesso se configure como condição instrumental indispensável para o eventual exercício da tutela jurisdicional efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos de quem quer aceder a tais arquivos e registos.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta pelo Exmº Conselheiro Bravo Serra, no essencial). Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta pelo Senhor Conselheiro Bravo Serra) Artur Maurício (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Bravo Serra) Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº. Conselheiro Bravo Serra). Luís Nunes de Almeida