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Procº nº 124/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 26 de Fevereiro de 1999 lavrou o relator nos presentes autos
(fls. 522 a 532) decisão sumária, por intermédio da qual não tomou conhecimento do recurso intentado interpor por A... do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 4 de Junho de 1998.
Disse-se nessa decisão:-
'1. Por acórdão proferido pelo tribunal colectivo do Tribunal de Círculo de Coimbra em 20 de Novembro de 1997, foi o arguido A... condenado, como co-autor material de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação, previstos e puníveis pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, alínea a), e 256º, números 1, alíneas b) e c), e 3, na pena única de quatro anos de prisão.
Não se conformando com o assim decidido recorreu aquele arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, dizendo nas «conclusões» da sua motivação:-
‘1. As disposições consignadas nos artigos 423º al. C), 433º, 410º nº 2 do C.P.P. estão enfermadas de inconstitucionalidade por violação do Princípio ‘in dubio pro reo’ do artº 32º nº 1 da C.R.P., do nº 1 do artº 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem recebida e elevada a princípio constitucional pelo artº 16º nº 2 da C.R.P., do artº 14º nº 5 do Pacto Internacional dos Direitos Cívicos e Políticos de 16 de Dezembro de 1996, aprovado pela Lei nº
29/78, de 12 de Junho e artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. O Tribunal deu como provado que o ora recorrente foi o mentor do plano criminoso, sem que tal conclusão se estribe em factos concretos insertos no texto decisório.
3. Nem tal conclusão se podia retirar dos factos constantes da Acusação.
4. O arguido não foi confrontado com tal facto, não podendo como tal defender-se quanto a essa acusação, pelo que o Tribunal violou o artº 32-2 da C.R..P. e 358 do C.P.P..
5. A matéria de facto dada como provada é insuficiente para levar à conclusão de que o arguido foi o mentor do plano, pelo que o acórdão enferma do vício contido no artº 410º nº 2, al. A) do C.P.P..
6. O Tribunal ao ter valorado a ficha policial do recorrente, violou o princípio da presunção de Inocência e Liberdade e garantias de defesa, contidas no artº
32º da C.R.P..
7. A ficha policial é uma mera informação para serviço da polícia que não reproduz com lealdade a vida criminal do arguido, razão porque para reproduzir o passado criminal do arguido, existe o certificado do registo criminal, este sim com total valor probatório, porque actual e fidedigno.
8. O recorrente ainda antes de ser deduzida a Acusação reparou totalmente todos os prejuízos designadamente pagando o cheque acrescido de indemnização, ocasionando como consequência que o ofendido tenha solicitado a desistência de queixa a fls. 16.
9. Deveria o Tribunal ter aplicado a atenuação especial da pena porque prevista na lei artº 206º- 1, considerando o nº 3 do artº 218º e nos termos do artº 72º, todos do Cód. Penal, o que não fez.
10. O tribunal deverá tendo em conta o factor pedagógico e reeducativo da suspensão da execução de suspender a pena porque o arguido ao ter reparado o dano demonstrou uma personalidade bem formada, e inadequadamente ao tipo de ilícito.
11. Apesar de já ter uma suspensão anterior, mas que por factos diferentes dos constantes do presente acórdão (uso de documento falso), não é razão para concluir que a sua personalidade é susceptível de fraquezas, devendo pois dar-se uma oportunidade mais ao arguido, considerando, o seu comportamento posterior aos factos, ser pessoa querida, bem quista na sociedade conforme se prova pelo Acórdão.
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Na audiência que teve lugar no Supremo Tribunal de Justiça em 28 de Maio de 1998, a defensora do arguido, na sua alegação oral, requereu que na respectiva acta ficasse a constar ‘a invocação de inconstitucionalidade das normas contidas no artº 125º do Cód. de Processo Penal quando interpretadas e aplicadas no sentido de se valorar a ficha policial do arguido, tendo sido violados os princípios de presunção de inocência e garantias de defesa do próprio arguido contidas no artº 32º da Constituição da República Portuguesa’ e que o ‘Tribunal ‘a quo’, ao se ter recusado a aplicar a atenuação especial da pena e a suspensão da mesma, fez errada interpretação das normas contidas no artº 206º nº 1, conjugado com o artº 218º, nº 3, do artº 72º e 50º do Cód. Penal, ferindo-as de inconstitucionalidade material’.
Por acórdão de 4 de Junho de 1998 foi concedido parcial provimento ao recurso, impondo ao arguido A... a pena única de três anos e seis meses de prisão.
Nesse aresto, pode ler-se, no que ora releva:-
‘.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................
C) Valoração da ficha policial do recorrente:
Na fundamentação da matéria de facto, o acórdão recorrido faz referência a diversos documentos, entre os quais se inclui a ficha policial do recorrente (fls. 59).
No entanto, não se explicita o relevo que foi conferido a tal documento, sendo certo que as menções nele constantes não entraram no elenco dos factos provados nem foram chamados à colação em sede de determinação concreta da pena.
Assim se verifica que foi irrelevante, por inócua, a referência a tal documento.
Pelo que não se vislumbra como foi violado o princípio de presunção de inocência, liberdade e garantias de defesa, contidos nos nºs. 1 e 2 do artº. 32º do C.R.P..
A Exmª Mandatária do recorrente A... suscitou nesta audiência e no decurso das suas alegações orais (cf. Acta respectiva) a questão da inconstitucionalidade do artº. 125 do Cod. Proc, Penal, quando interpretado no sentido de que é admissível, em audiência de julgamento, a prova resultante da ficha policial junta aos autos.
Todavia, esta alegação improcede.
Na verdade, ao Tribunal Colectivo não pode subtrair-se a apreciação de todos os documentos juntos aos autos, designadamente da aludida ficha policial, a qual pode ilucidar o tribunal sobre a personalidade do arguido, elemento de particular relevância no âmbito dos artºs. 369º nº 1 do C.P.P. e 71º nº2 al. e) do Cod. Penal.
De resto, a ficha (registo) policial, como documento junto aos autos, constitui prova produzida e examinada na audiência; e só não valem em julgamento, para o efeito da convicção do tribunal, as provas ‘que não tiverem sido produzidas e examinadas em audiência’.
D) Atenuação especial da pena:
Nos termos do artº. 218º n.º 3, conjugado com o disposto no artº. 206 n.º 1, ambos do Cod. Penal Revisto, ‘se tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, em dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1ª Instância, a pena é especialmente atenuada’.
No acórdão recorrido, teve-se por provado que, ‘estando o processo-crime a correr, o arguido A... indemnizou o ofendido, no montante equivalente’ (ao prejuízo causado).
No documento de fls. 16, o ofendido ASA... pretendeu desistir de queixa apresentada contra o arguido A..., ‘em virtude de o mesmo lhe ter pago o montante do cheque e os prejuízos no montante de 3000.000$00’.
Nesta conformidade, as penas parcelares deveriam ter sido especialmente atenuada, reduzindo-se de um terço (1/3) os limites máximos das penas de prisão e fixando-se um mínimo legal os limites mínimos das penas de prisão, relativos aos crimes em concurso real, por que os arguidos foram acusados e condenados, burla qualificada e falsificação de documento, a que corresponderão as molduras penais abstractas de um (1) mês a cinco (5) anos e quatro (4) meses de prisão; e de um (1) mês a três (3) anos e quatro (4) meses de prisão, respectivamente (artºs 73º n.º 1 al.s a) e b) e 41º n.º 1, ambos do Código Penal).
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Em face das molduras penais resultantes da atenuação especial da pena e tendo em consideração os factos enumerados no art.º 71º do Cod. Penal e que se encontram devidamente especificados no acórdão recorrido e resultaram da factualidade provada:
1) O arguido A... será condenado:
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E) Suspensão da execução da pena:
a) No que concerne ao arguido A..., continua a inexistir o pressuposto material da suspensão: a cominação de penas de prisão não superior a três anos
(art.º 50 n.º 1 d Cod. Penal).
............................................................................................................................................................................................................................................’
Do acórdão de que parte se encontra transcrita veio o arguido A... solicitar o esclarecimento de uma obscuridade, pretensão que foi indeferida por acórdão de 15 de Outubro de 1998.
Ainda o mesmo arguido veio arguir a nulidade do aresto de 4 de Junho de 1998, essencialmente invocando que nele se atenuou uma das penas parcelares e não atenuou a outra e que, quanto ao cúmulo jurídico, não efectuou ‘a especial fundamentação imposta pelo artº 77-1 al. d), conjugado com o artº 71-3 ambos do C.P.’, pelo que teria incorrido na nulidade ‘por falta de fundamentação nos termos do artº 374-2 e 379 al. a) do C.P.P. referente às penas parcelares e essencialmente à pena única’.
Por acórdão de 7 de Janeiro de 1999, foi desatendida a arguição de nulidade.
Veio então o arguido, ‘nos termos do artº 280º da C.R.P.’ e ‘artº 70º nº 1 al. b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro’ e ‘da al) g) do artº 70º da Lei
28/82’, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo que:-
‘Assim sendo, o acordão recorrido ao ter interpretado as normas do artº 125º do C.P.P. e agora as invocadas pelo S.T.J. na sua resposta à alegada inconstitucionalidade, artº 369º- 1 do C.P.P. e artº 71º nº 2 al. b) do C.P., no sentido de valorar e admitir como meio de prova a ficha policial do arguido, fez uma interpretação violadora dos princípios constitucionais e previstos no artº
32º da C.R.P., o que se argui.
........................................................................................................................................................................................................................................................................ O Tribunal não atenuou nem justificou quais os motivos porque não atenuou, devendo-o ter feito. O Acordão recorrido que confirmou a decisão da 1º instância, quanto à não atenuação especial da pena, quanto ao crime de falsificação por que o arguido foi condenado em concurso real com o de burla, fez errada interpretação das normas contidas na al. c) do nº 2 do artº 72º do Cód. Penal por ser uma interpretação violadora dos princípios consignados no artº 32 e 205 da C.R.P. Já foi suscitada a inconstitucionalidade destas normas nas Alegações Orais, constando da Acta. Mais se requer que esse Tribunal Constitucional aprecie nos termos da al) g) do artº 70º da Lei 28/82 com as alterações introduzidas pela Lei 13-A/98 da inconstitucionalidade das normas contidas no nº 2 do artº 374º do C.P.P., quando interpretadas da forma como o foram pelo Acórdão ora recorrido. O Supremo Tribunal de Justiça atenuou especialmente a pena ao arguido e fez o cumulo jurídico das penas após ter aplicado as penas parcelares. O artº 374º-2 do C.P.P., obriga expressamente que da sentença conste uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
........................................................................................................................................................................................................................................................................ O acórdão do S.T.J. não especificou e individualizou os elementos de prova para ajuizar da personalidade, dos antecedentes e dos factos designadamente para se aferir da determinação da pena concreta referente às penas parcelares e essencialmente à pena única. A interpretação do nº 2 do artº 374º do C.P.P. adoptada aqui pelo Ac. do S.T.J., vem inviabilizar o direito ao recurso ou a garantia do duplo grau de jurisdição. Assim como no acordão 680/98 da 2ª Secção o Tribunal fez errada interpretação da norma do nº 2 do artº 374º do C.P.P., uma interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª Instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, neste caso concreto para aplicação da pena concreta com base nos penas parcelares. Só agora se argui este inconstitucionalidade por só agora ter tido conhecimento do douto acordão nº 680/98 desse Tribunal Constitucional, cuja decisão deve ser aplicada ao caso concreto’.
O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça em 28 de Janeiro de 1999.
2. Não obstante um tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei, a presente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Assim:
Como se extrai do requerimento de interposição de recurso, pretende o arguido a apreciação, em sede de conformidade com a Lei Fundamental, das normas constantes:-
- quanto ao recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, dos artigos 125º e 369º, nº 1, estes do Código de Processo Penal, e
71º, nº 2, alínea a), e 72º, nº 2, alínea c), estes do Código Penal;
- quanto ao recurso baseado na alínea g) daquele nº 1 do artº 70º, do artº 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
2.1. Comecemos pelo recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº
70º.
Dúvidas não há em como o recorrente, na motivação de recurso da decisão tirada na 1ª instância, não questionou, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional (cfr. as transcritas «conclusões» daquela motivação), qualquer dos normativos que agora incluiu no requerimento de interposição de recurso.
Por outro lado, na alegação oral produzida na audiência que teve lugar no Supremo Tribunal de Justiça, o arguido, por intermédio da sua mandatária, colocou a questão de ser inconstitucional a norma do artº 125º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de ser valorado o que consta do registo policial do arguido e, bem assim, que a decisão, então sob recurso, ao não ter atenuado especialmente e decretado a suspensão da execução da pena, ter feito uma errada interpretação das normas ínsitas nos artigos 206º, nº 1, em conjugação com o artº 218º, nº 3, 72º e 50º, todos do Código Penal,
’ferindo-as de inconstitucionalidade’.
2.1.1. Significa isso que, relativamente à impugnação estribada na aludida alínea b) do nº 1 do artº 70º, antes da prolação do acórdão intentado recorrer, o arguido não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade referentemente às normas que se contêm no nº 1 do artº 369º do Código de Processo Penal e na alínea a) do nº 2 do artº 71º do Código Penal.
Por isso, e à mingua de um dos pressupostos condicionadores de tal recurso (ou seja, aquele que, justamente, consiste na suscitação «durante o processo», da questão de inconstitucionalidade normativa), não deveria o mesmo ter sido admitido concernentemente àquelas normas [artº 369º, nº 1, do Código de Processo Penal e 71º, nº 2, alínea a), do Código Penal]. De onde se não tomar conhecimento do objecto da presente impugnação quanto a tais preceitos.
2.1.2. No que se reporta à norma da alínea c) do nº 2 do artº 72º do Código Penal, é desde logo claro, ponderando o que foi referido na alegação oral produzida pela mandatária do arguido na audiência ocorrida no Supremo Tribunal de Justiça, que a respectiva incompatibilidade com o Diploma Básico não foi assacada a essa mesma norma, mas antes, e de um modo generalizado, ao artº 72º.
Mas, mesmo que, numa postura de menor formalismo, se aceitasse que a mera referência, naquela alegação, ao artº 72º, poderia ainda constituir a inclusão da alínea c) do nº 2 desse artigo, o que é inquestionável é que a forma como a questão foi equacionada não pode, de todo em todo, ser considerada como um modo adequado de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade para efeitos de abrir a via do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Na verdade, como por várias vezes este Tribunal já tem sublinhado, se em causa estiver a suspeição de desconformidade com a Lei Fundamental de uma dada interpretação normativa, mister é que o recorrente, antes da decisão pretendida impugnar, indique de forma clara qual o sentido interpretativo que reputa de contrário à Constituição e qual o sentido com que a norma foi aplicada, como suporte da decisão querida recorrer, não bastando a mera indicação que, ao aplicar e interpretar determinada norma, se violaram preceitos ou princípios constantes do Diploma Básico.
Ora, como é límpido, na alegação oral efectuada na audiência que teve lugar perante o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente (pela voz da sua mandatária) limitou-se a dizer que ‘Tribunal ‘a quo’, ao se ter recusado a aplicar a atenuação especial da pena e a suspensão da mesma, fez errada interpretação das normas contidas no artº 206º nº 1, conjugado com o artº 218º, nº 3, do artº 72º e 50º do Cód. Penal, ferindo-as de inconstitucionalidade material’, não tendo, em consequência, enunciado qual teria sido essa ‘errada interpretação’ e porque modo a mesma seria conflituante com a Constituição.
Não houve, desta arte, no respeitante à norma da alínea c) do nº 2 do artº 72º do Código Penal, uma suscitação adequada e operativa da questão de inconstitucionalidade, razão pela qual, quanto a ela, se não toma conhecimento do objecto do recurso.
2.1.3. Pelo que tange à norma do artº 125º do Código de Processo Penal, torna-se evidente que o recorrente, antecedentemente a ser lavrado o acórdão de 4 de Junho de 1998, colocou o problema da inconstitucionalidade da mesma, se interpretada no sentido de se valorar o que consta do registo policial do arguido.
Suposto que o aresto sub specie não deixou de assacar a essa norma um tal sentido, a questão que se coloca é a de saber se ela constituiu suporte normativo para a decisão (ou para qualquer passo decisório) ali tomada.
Pois bem.
Como resulta do que acima se transcreveu, no acórdão pretendido pôr sob censura foi devidamente realçado que ‘[n]o entanto, não se explicita o relevo que foi conferido a tal documento, sendo certo que as menções nele constantes não entraram no elenco dos factos provados nem foram chamados à colação em sede de determinação concreta da pena’, o que levou à conclusão de
‘que foi irrelevante, por inócua, a referência a tal documento’.
Significa isso que, ainda que se concluísse pela invocada incompatibilidade com a Constituição do sentido normativo questionado pelo recorrente quanto ao artº 125º do Código de Processo Penal, e que se aceitasse que no acórdão foi acolhido esse sentido, o que é certo é que uma tal sorte de interpretação, no caso, não constituiu a base normativa de qualquer decisão.
Efectivamente, o que no acórdão em crise foi decidido foi que, de todo o modo, o que constava do registo policial do arguido não serviu, quer para o elenco dos factos provados, quer como um elemento tendente à determinação da pena, sendo, pois, ‘irrelevante, por inócua’, a referência, na decisão tomada na
1ª instância, a tal registo.
De outra banda, lido o conteúdo desse acórdão, igualmente não resulta que foi dado o mínimo de atendimento ao que constava do registo policial, designadamente para a formulação de um juízo sobre a personalidade do arguido ou para determinação da sanção que lhe foi imposta.
As menções, nesse aresto, a uma não inconstitucionalidade da norma do artº 125º do Código de Processo Penal, tomada no indicado sentido, não passam, assim, de um mero obter dictum, sem projecção normativa decisória.
Por isso, não se pode dizer que, in casu, houve, na decisão pretendida impugnar, a aplicação, como suporte do decidido, de norma cuja inconstitucionalidade foi atempadamente suscitada.
2.2. Resta o recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Se bem se entende a postura do recorrente, o acórdão sub iudicio não indicou os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão consistente na imposição das penas parcelares e, designadamente, da pena unitária, assim fazendo uma interpretação da norma constante do nº 2 do artº 374º do Código de Processo Penal que já teria sido julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 680/98 do Tribunal Constitucional.
Independentemente da questão de saber se, efectivamente, à situação do acórdão que se desejou recorrer, seria aplicável o juízo de inconstitucionalidade que ocorreu no mencionado Acórdão nº 680/98 (do que muito legitimamente se pode duvidar), o que é certo é que, tendo o aresto referido em
último lugar sido lavrado em 2 de Dezembro de 1998, nunca poderia o Supremo Tribunal de Justiça, na decisão em causa - datada de 4 de Junho de 1998 - ter tido conhecimento daquele juízo e, consequentemente, ter levado a efeito a aplicação da norma que, precedentemente ao dito Acórdão nº 680/98, nunca tinha sido julgada inconstitucional por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
Neste contexto, não se reúnem, no caso, os pressupostos do recurso da alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, motivo pelo qual, respeitantemente a esta impugnação, também se não tomará conhecimento do respectivo objecto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.'
Do assim decidido apresentou o arguido «reclamação» 'nos termos do nº 4 do artº 76º da Lei do Tribunal Constitucional', sustentando, em síntese, que:-
- o acórdão desejado recorrer fez uma interpretação das normas do artº 125º e do nº 1 do artº 369º, ambos do Código de Processo Penal, 'violadora dos princípios constitucionais e previstos no artº 32º da C.R.P.';
- o Supremo Tribunal de Justiça, ao atenuar especialmente a pena quanto ao crime de burla e não a tendo atenuado quanto ao crime de falsificação, não justificando os motivos desta não atenuação, fez 'uma interpretação violadora dos princípios consignados no artº 32 e 205 da C.R.P.', o que ele, arguido, 'suscitou nas alegações orais de recurso no S.T.J.', sendo que discorda da decisão sumária quando nela se diz que não foi enunciado o sentido dessa inconstitucional interpretação, já que '[a]firmar que uma norma, na interpretação que lhe foi dada por qualquer Tribunal, afronta a lei fundamental, vale como arguição de inconstitucionalidade, e é, assim, fundamento de recurso';
- quanto ao recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, quando o acórdão recorrido aplicou a norma do nº 2 do artº 374º do Código de Processo Penal, 'já o Tribunal' 'tinha conhecimento do julgamento de inconstitucionalidade pelo T.C. não só pelas vias normais, mas também pelos orgãos de comunicação social que fizeram brado desta Decisão' [o Acórdão nº
680/98].
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, pronunciando- -se sobre a «reclamação» em apreço, defendeu que a decisão sumária em causa deveria ser inteiramente confirmada.
Cumpre decidir.
2. Em primeiro lugar, não se entende minimamente a referência ao nº
4 do artº 76º da Lei nº 28/82 como fundamento legal para a «reclamação», já que nos não postamos perante um caso em que, da banda do Tribunal a quo, houve prolação de despacho de não admissão de recurso, sendo que é para esses casos que tal disposição rege.
Supõe-se, assim, que a «reclamação» corporizada no requerimento de fls. 539 a 545 visou o exercício da faculdade a que se reporta o nº 3 do artº
78º-A daquela Lei sendo, pois, com base nessa suposição que se a encarará.
Pois bem.
Nenhuma da argumentação carreada nessa «reclamação» consegue, minimamente que seja, infirmar o que consta da decisão sumária sub specie, cujos fundamentos, na sua essencialidade, se acolhem no vertente aresto.
Na verdade, como consta da mencionada decisão, o Supremo Tribunal de Justiça veio a entender que as referências constantes do registo policial do arguido nunca 'foram chamados à colação em sede de determinação concreta da pena', pelo que não têm qualquer razão de ser os considerandos que, a propósito do artº 125º do Código de Processo Penal, se descortinam na «reclamação» em causa.
Por outro lado, no que tange ao artº 72º , nº 2, alínea c) do Código Penal, igualmente se aceita a fundamentação da dita decisão sumária, assinalando-se que no requerimento em que se encontra deduzida a «reclamação» não só não é demonstrado que, antes da prolação do aresto impugnado, foi indicada qual a interpretação 'errada', levada a cabo por esse mesmo aresto, e que a teria ferido de 'inconstitucionalidade material', como também tão pouco se consegue agora fazer tal indicação, não valendo, para tanto, e como é claro, dizer-se que '[o]bviamente o Tribunal de 1ª Instância não tendo aplicado a atenuação especial da pena como não aplicara e o que em parte foi confirmado pelo S.T.J. (quanto a pena parcelar), quando essa aplicação era imposta por lei designadamente artº 206 e 72º do C.P., faz errada interpretação das normas dos arts. 206º e 72º do C.P., interpretação essa violadora dos princípios basilares do Estado de Direito Democrático, nomeadamente artº 32º nº 1 e 2, 202º nº 1,
204º e 205º da C.R.P.'.
Por último e pelo que se refere ao recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, tendo em conta que o acórdão recorrido é, justamente, o lavrado em 4 de Junho de 1998, é totalmente de aceitar o que, a esse propósito, se encontra dito da decisão sumária em crise.
Assim, e tendo em conta o que se estatui no nº 4 do aludido artº
78º-A, confirma-se a decisão sumária reclamada, consequentemente se não tomando conhecimento do objecto do recurso pretendido interpor.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 5 de Maio de 1999 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa