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Proc.Nº 813/96 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - M... intentou recurso contencioso de anulação do acto administrativo contido no despacho de 13 de Dezembro de 1991, da Direcção dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Depósitos, que lhe fixou, para efeitos de aposentação, a pensão transitória de 245.000$00.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 29 de Março de 1994, julgou o recurso improcedente, depois de ter concluído que o acto impugnado não estava afectado dos vícios que a recorrente lhe imputava.
Inconformada com esta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (adiante, STA), tendo suscitado nas suas alegações a questão da inconstitucionalidade do artigo 129º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário (adiante designado apenas por Estatuto), aprovado pelo Decreto-Lei nº
139-A/90, de 28 de Abril.
O STA, por acórdão de 5 de Junho de 1996, decidiu negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
Ainda não conformada com esta decisão, a recorrente interpõe agora recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a constitucionalidade do artigo 129º do referido Estatuto.
2.- Quer a recorrente quer a autoridade recorrida apresentaram as pertinentes alegações.
A recorrente terminou as suas pela forma seguinte:
...................................................
...'Face ao exposto, e:
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Atendendo às disfunções do sistema que, recorrendo a princípios da administração habilitadores de uma leitura parcelar, casuística e distorcida dos preceitos legais, redundam, na sua aplicação, em injustiças, preterição de direitos que ofendem o DIREITO, e desigualdades não permitidas pela Lei Fundamental e ao pretendido pelo legislador na forma como gizou, na pluralidade de normas, o regime de aposentação dos professores;
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Atendendo a uma visão sistémica da sedimentação de materiais fornecidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que, precisando os contornos da moldura constitucional, entende o princípio da igualdade, não só como um ponto de partida, mas também como um ponto de chegada, visando uma igualdade de resultados;
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Em virtude de, só através do Tribunal Constitucional ser possível, obter o que a cada um é devido, em concretização da Justiça distributiva que determina dar o seu a quem lhe é divido, na formula do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 14/84, de 2/4/83.
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Como estamos perante uma situação em que a disciplina jurídica deve ser igual - uniformidade normativa - por que são uniformes as condições das hipóteses reguladas, como se demonstrou abundantemente no processo administrativo e resulta claro da análise comparativa das petições e contestações apresentadas.
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Ilidindo, porque derrubada a presunção de racionalidade, em nosso entendimento, os princípios da margem de liberdade do legislador e o primado da conformação legal que lhe é reconhecida, só resta concluir pela agressão da regra constitucional do artigo 13º da Constituição.'
A Direcção dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações também alegou e, sem formular conclusões, defendeu a posição da decisão recorrida no sentido de que se estava no domínio da actividade vinculada em que a Administração ou respeita a lei, e os seus actos serão iguais para casos iguais, ou não a respeita, e então a desigualdade não releva juridicamente porque está coberta pela ilegalidade, concluindo pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade interpretativa.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e conhecer. II - FUNDAMENTOS:
3. - Nos autos, vem questionada a conformidade à Constituição da norma do nº 2 do artigo 129º do Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, na interpretação da decisão recorrida que, no entender da recorrente, viola o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos, antes de mais, o teor da norma em causa. Artigo 129º Dispensa de candidatura
1.- ..........................................
2.- Os educadores de infância e os professores do ensino primário que, à data da transição para a nova estrutura da carreira, possuam 29 ou mais anos de serviço docente ou equiparado são dispensados da apresentação da candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão da carreira docente, progredindo ao 9º escalão em 1993 ou, exclusivamente para efeitos de aposentação, em 1992.
3.- ..........................................
4.- ..........................................
Segundo a recorrente, aplicar aos professores que estão nessas condições e a que se aplica o regime de aposentação previsto no DL
409/89, de 18 de Novembro, e que apresentaram o seu pedido de aposentação até 31 de Dezembro de 1991, o disposto no nº 2 do artigo 129º do DL 139-A/90, de 28 de Abril, com o fim de diminuir a sua remuneração, por aplicação de um regime jurídico que não é o seu, é usar a lei para fixar fronteiras aleatoriamente traçadas no tempo, sem adequado suporte material, que redundam, quando assim aplicadas, em graves violações da igualdade, como atributo do direito e condição da lei e da justiça material, que o princípio constitucional encerra.
4. - Pretende, por isso, a recorrente que a sua pensão de reforma seja calculada com base no que se dispõe no artigo 27º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, que estabelece um regime de aposentação excepcional.
Esta norma tem o seguinte teor:
'1 - Os docentes que, por limite de idade ou por sua iniciativa, se aposentarem até 31 de Dezembro de 1991 terão a sua pensão calculada sobre a remuneração correspondente ao escalão seguinte ao fixado para o período de condicionamento, desde que o docente a ele já se pudesse candidatar ou aceder, de acordo com as normas dinâmicas da carreira docente.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, é considerada para cálculo da pensão de aposentação dos bacharéis actualmente integrados no nível de qualificação 1 do mapa anexo ao Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, e que, nos termos previstos neste diploma, transitaram para o índice 200 a remuneração correspondente ao índice 226.'
A decisão recorrida afastou a pretensão da recorrente através da seguinte argumentação:
'Exposto sucintamente o quadro jurídico atinente aos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, voltemos ao artº 27º e à dúvida que a seu respeito importava dilucidar. O que se procurou com este preceito foi obstar que docente que se aposentasse até 31.12.91, com condições de acesso ao escalão seguinte pudesse ser prejudicado na pensão de aposentação por condicionamento da progressão. Norma semelhante foi aplicada também aos funcionários do regime geral. Dispunha o nº 4 do artº 38º do DL. nº 353-A/89 de 16.l0., que ' durante o período de condicionamento da progressão é facultada a aposentação em escalão imediatamente superior ao que resulta do condicionamento, desde que o funcionário ou agente a ele já pudesse ter ascendido de acordo com as normas dinâmicas da progressão.'
Trata-se, portanto, do condicionamento da progressão e, como vimos, no regime especial da carreira docente a progressão nos escalões esteve condicionada até 31.12.9o (artº 23º/2 do DL. Nº 4o9/89). Neste sentido tem-se pronunciado quase pacificamente a jurisprudência deste Supremo Tribunal. (Cfr. entre outros, os Acs de 11.11.93, proc. 32.292; 21.12.93, proc.32.203).
Assente, pois, que o período de condicionamento só pode corresponder ao período de condicionamento da progressão nos escalões, atentemos no que se passa com a situação da recorrente.
Por força da norma do artigo 14º a recorrente aquando da transição para a nova escala indiciária (1.10.89), passou para o índice 172 do 6º escalão, que correspondia à 6ª fase (máximo desenvolvimento dos professores do ensino básico).
Foi este o escalão fixado para o período de condicionamento, i.e., até 31.12.90, pois que, embora tendo mais anos de serviço do que os que estavam fixados para o escalão de transição e lhe pudessem ser contados 2 anos no 7º escalão, só tinha condições para a ele aceder em 1991 (artº 24º).
Mas, porque à data da transição para a nova estrutura da carreira foi posicionada no 6º escalão e possuía mais de 29 anos de serviço, foi dispensada da apresentação da candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão da carreira docente (cfr. artº 129º do DL. Nº 139-A/90 de 28.4.).'
Quando a recorrente pede a aposentação estava posicionada em escalão superior ao que lhe foi atribuído no período de condicionamento da progressão, daí que não pudesse beneficiar do regime vertido no artº 27º do Decreto-Lei nº
409/89.
Mesmo que outro fosse o entendimento quanto ao período de condicionamento, ao estabelecer um regime de aposentação excepcional, baseado nas normas dinâmicas constantes do Decreto-Lei nº 4O9/89, o citado artigo 27º não contempla outros regimes de progressão como o definido no artigo 129º do ECD.
Deste modo, temos como correcto o cálculo da pensão de aposentação em relação ao 8º escalão, pois só em 1992 a recorrente, nos termos do artigo 129º/2 do ECD teria direito a progredir para o 9º escalão.
Não merece, por isso, qualquer reparo a sentença sob recurso ao considerar que o regime do artigo 27º não é aplicável ao caso vertente, mas sim, o artigo 129º do ECD.
É esta, de resto, a orientação que tem vindo a ser perfilhada por este Tribunal. (Cfr. além dos arestos citados, os Acs de 10.5.94, proc. 32.509 e
20.10.94, proc. 34.417).'
Quanto à questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente, no sentido de que a interpretação seguida violaria o princípio da igualdade, a decisão recorrida afastou tal arguição por entender que a situação vertente se inscrevia no exercício de uma competência vinculada, razão pela qual a conformação a tal princípio seria feita por mediação da própria lei, cujo acatamento assegura desse modo a legalidade da actuação da Administração, a menos que fosse invocada a inconstitucionalidade da própria lei, o que não era o caso.
5. - Na sequência desta decisão do STA, a recorrente levanta a questão da legitimidade constitucional da interpretação feita do nº 2 do artigo 129º do Estatuto na medida em que entende que, ao traçar aleatoriamente no tempo uma data limite, para sem qualquer fundamento válido discriminar professores quanto à sua reforma, esta interpretação viola o princípio da igualdade.
Será, de facto, assim?
Nos termos da norma questionada, os professores do ensino primário que, à data da transição para a nova estrutura de carreira, tenham 29 ou mais anos de serviço docente ou equiparado são dispensados da apresentação da candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão da carreira docente, progredindo ao 9º escalão em 1993 ou, em 1992, exclusivamente para efeitos de aposentação. De acordo com o preceituado no Decreto-Lei nº 409/89, a nova estrutura da carreira docente desenvolve-se por nove escalões (artigo 8º) e a respectiva progressão faz-se pelo decurso do tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes (artigo 9º, nº1), dependendo o acesso ao 8º escalão de aprovação em processo de candidatura, que deve ser apresentado no decurso do
6º ou 7º escalões (artigo 10º, nº1).
6. - A questão que vem colocada não pode deixar de ser considerada como inserida no contexto mais alargado do sistema de carreiras docentes para um novo estatuto remuneratório instituido a partir de 1989, pelo que importa realizar uma análise mais detalhada do respectivo contrato legal.
O Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, definiu os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal, princípios estes que vieram a ser desenvolvidos por diversos diplomas, entre os quais o Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro. Ainda no desenvolvimento desses princípios, e em conjugação com o preceituado no artigo
28º do último diploma, o Governo fez aprovar o Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, através do qual se aprovou a estrutura de carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e do ensinos básico e secundário e respectivo estatuto remuneratório.
A carreira passou a ser estruturada em módulos de tempo de serviço, designados por escalões, fazendo-se a progressão na carreira por decurso do tempo de serviço efectivo, avaliação do desempenho e pela frequência de módulos de formação (artigos 7º,8º e 9º). Porém, como se referiu antes, o acesso ao 8º escalão passou a depender de aprovação em processo de candidatura
(artigo 10º).
Tal como no Decreto-Lei nº 353-A/89, aplicável genericamente na função pública, o legislador, para evitar graves desfazamentos e desigualdades resultantes de uma imediata aplicação do novo sistema de carreira, sentiu a necessidade de proceder ao congelamento da progressão nas categorias e de calendarizar o progressivo alargamento do desenvolvimento por escalões, também no âmbito do Decreto-Lei nº 409/89, aplicável às carreiras docentes, houve necessidade de congelar a imediata progressão nos escalões, a qual apenas teve lugar a partir de 1 de Janeiro de 1991 (artigo 23º, nº2).
Assim, um docente do 1º ciclo do ensino básico do nível de qualificação 3 (Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio) transitou para o índice
88 do 1º escalão ou para os 2º,3º4º,5º ou 6º escalões, conforme se encontre respectivamente, nas 1ª,2ª,3ª,4ª,5ª,ou 6ª fases, devendo aplicar-se-lhe o regime especial de transição previsto no artigo 24º, do Decreto-Lei nº 409/89. Esta norma determina dever contar-se aos docentes que, em 30 de Setembro de 1989 (o diploma entrou em vigor, para este efeito, em 1 de Outubro de 1989) tinham, nas respectivas fases, mais anos de serviço do que os que passaram a estar fixados para o escalão de transição, esse tempo de serviço no escalão para o qual progridam, até ao limite de dois anos.
Com esta norma, introduziu o legislador um regime mais favorável, no que respeita aos escalões mais elevados da carreira. É que a lógica da transição implicaria apenas que o tempo de serviço contado para a concessão de fases só tinha este relevo para efeitos de inserção no escalão correspondente a esse tempo de serviço, sendo indispensável para o acesso ao 8º escalão o processo de candidatura; uma vez desbloqueada a progressão a esse escalão, haveria que cumprir o tempo de serviço no mesmo para progredir a outros escalões.
Por sua vez, e também como princípio que foi acompanhando a orientação seguida em vários diplomas desde o Decreto-Lei nº
353-A/89 (vejam-se os Decretos-Lei nºs 57/90, de 14 de Fevereiro - artigo 14º; Decreto-Lei nº 59/90, de 14 de Fevereiro - artigo 26º; Decreto-Lei nº 73/90, de
6 de Março - artigo 53º e Decreto-Lei nº 347/91, de 19 de Setembro - artigo 2º), em situações de condicionamento da progressão, o legislador facultou a aposentação em condições mais favoráveis do que as que resultariam da directa aplicação da lei, permitindo que o funcionário se aposentasse pelo escalão imediatamente superior ao que resultava do condicionamento, na condição de que o funcionário a ele pudesse ascender pelas regras dinâmicas de progressão na carreira.
No caso do Decreto-Lei nº409/89, de 18 de Novembro, o artigo 27º consagra um regime excepcional de aposentação para quem o faça até 31 de Dezembro de 1991, mandando calcular a pensão pela remuneração correspondente ao escalão seguinte ao fixado para o período de condicionamento, desde que o docente a ele já se pudesse candidatar ou aceder, de acordo com as normas dinâmicas da carreira docente.
Esta norma, no caso em apreço, foi todavia, expressamente afastada pela decisão recorrida na sua aplicação ao decidido com o fundamento de que quando a recorrente pediu a aposentação estava posicionada em escalão superior ao que lhe fora atribuído no período de condicionamento da progressão.
Posteriormente ao Decreto-Lei nº 409/89, foi publicado o Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o Estatuto da Carreira dos educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, já atrás referido como Estatuto. Com relevo para o caso, importa referir que, pelo artigo
129º inserido nas «disposições transitórias e finais», se determinou a dispensa da candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão relativamente aos educadores de infância e aos professores do ensino básico e secundário, desde que possuissem 29 ou mais anos de serviço docente ou equiparado.
Ainda por força desta norma, dispensada a candidatura ao
8º escalão, e em conjugação com o preceituado no artigo 142º do Estatuto - que manda considerar para efeitos de progressão na carreira o tempo de serviço contado para a concessão de fase aos docentes integrados nos termos do Decreto-Lei nº 409/89 - por aplicação da Portaria nº 1218/90, de 19 de Dezembro, a recorrente, tal como vem apurado nos autos, em 31 de Dezembro de 1990 (data em que se «descongelou» a progressão nos escalões), estava colocada no 7º escalão, acedendo ao 8º escalão em 1 de Janeiro seguinte e vencendo pelo índice 230, deste escalão.
A decisão recorrida afastou a possibilidade de subsumpção do caso ao artigo 27º do Decreto-Lei nº 409/89, no seguimento de jurisprudência quase pacífica do STA, conforme se lê na parte transcrita. Trata-se aí de um ponto insindicável por este Tribunal, que apenas é chamado a apreciar a conformidade à Constituição do regime constante do artigo 129º, nº 2, do Estatuto. No entanto, há alguns pontos firmes que previamente será conveniente recordar.
Assim, o Decreto-Lei nº 409/89 instituíu um novo estatuto remuneratório em desenvolvimento do sistema retributivo da função pública introduzido pelo Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho. Tratou-se de adoptar o anterior regime de fases aplicável aos docentes, criado pelo Decreto-Lei nº
100/86, de 17 de Maio, a um novo sistema. E não só terá havido necessidade de regular a transição dos destinatários das normas para o novo sistema como também se terá tornado necessário prever um conjunto de normas de aplicação transitória.
O princípio básico do regime de transição vinha enunciado no Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, ele próprio desenvolvimento do regime geral estabelecido para a função pública. Segundo o nº
1 do artigo 30º deste diploma, 'a integração na nova estrutura salarial faz-se de acordo com as seguintes regras: a) Na mesma carreira e categoria; b) Em escalão a que corresponda na estrutura da categoria remuneração igual ou, se não houver coincidência, remuneração imediatamente superior'. Por outro lado, o afastamento do sistema de fases implicou que na nova estrutura remuneratória dos docentes passasse a relevar apenas o tempo de serviço efectivo, que para o futuro, viesse a ser prestado em cada escalão após a transição.
Já com carácter de norma de aplicação transitória, e com a finalidade nítida de atender às diferentes situações que, quanto ao tempo de serviço, se verificariam entre os docentes que tinham transitado para o mesmo escalão, estabeleceu o nº 1 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 408/89 que 'o tempo de serviço prestado na fase ou escalão de que o docente é titular conta como tempo de serviço prestado no escalão de integração para efeitos de progressão ao escalão imediatamente seguinte'. A recorrente pôde também beneficiar do disposto no artigo 24º deste diploma: veio a progredir para um determinado escalão - o
8º, que já não era o escalão de integração, que foi o 6º - contando já naquele escalão de progressão com dois anos de serviço porque, em 30 de Setembro de 1989 tinha nas fases mais anos de serviço do que aqueles que tinham sido fixados para o escalão de transição. Todavia, a progressão de que beneficiou, e que a levou até ao 8º escalão, só teve lugar a partir de 1 de Janeiro de 1991, conforme resultou do nº 2 do artigo 23º. Até 31 de Dezembro de 1990 vigorou o chamado período de condicionamento de progressão nos escalões.
Com efeito, a recorrente transitou para o 6º escalão, em
índice que correspondia ao máximo desenvolvimento de carreira que até então poderia ser atingido pelos professores do ensino básico. É certo que em 1991, ano em que pede a aposentação, já estava posicionada no 8º escalão. No entanto, tal progressão opera-se já fora do período de condicionamento. É essa a razão pela qual basicamente o STA entendeu não lhe ser aplicável o nº 2 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 409/89.
Uma vez que só em 1992 a recorrente teria direito a progredir para o 9º escalão, o STA, tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo
129º do Estatuto (Decreto-lei nº 139-A/90), considerou como correcto o cálculo da pensão de aposentação por referência ao 8º escalão, aquele em que se encontrava a recorrente ao formular o pedido de passagem à aposentação.
Tenha-se em conta que o artigo 129º, nº 2, citado, é também ele norma de aplicação transitória do regime contido no Estatuto, segundo a qual a progressão ao 9º escalão, em regra, só seria possível em 1993, salvo para efeitos de aposentação, caso em que seria admitida se fosse pedida no ano de 1992. Ora, como se referiu, a aposentação foi pedida em 1991, e nesse ano estava vedada a progressão até ao 9º escalão.
Na medida em que o nº 2 do referido artigo 129º não toma em conta, pelo menos para efeitos de aposentação, a situação dos docentes que, tal como a recorrente, já eram possuidores do tempo de serviço legalmente exigido para passarem para o 9º escalão, isto é, na medida em que lhes não permite beneficiarem de pensão calculada por referência ao 9º escalão, será a norma nele contida inconstitucional por violação do princípio da igualdade?
Em concreto, alega a recorrente que serão materialmente iguais as situações tanto daqueles que apresentaram o pedido de passagem à aposentação em 31 de Dezembro de 1991 como as daqueles que apresentaram o mesmo pedido em 1 de Janeiro de 1992. O nº 2 do artigo 129º, tal como foi interpretado, contem um limite temporal que é uma fronteira aleatoriamente traçada no tempo, sem adequado suporte material.
O que pensar acerca desta tese ?
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proibe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. Assim, o princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos nºs 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96,
1188/96, publicados in Diário da República, respectivamente, de 2 de Setembro de
1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).
Sendo este o sentido a considerar do princípio da igualdade, a norma questionada pela recorrente viola, na referida dimensão tal princípio?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, a referência contida na norma do nº 2 do artigo 129º do Estatuto ao ano de 1992 como momento da progressão ao 9º escalão, exclusivamente para efeitos de aposentação dos professores do ensino primário que tivessem, à data da transição para a nova estrutura de carreira, 29 ou mais anos de serviço, não é arbitrária nem discriminatória nem irrazoável.
Voltemos ao caso da recorrente e à sua alegação de que situações iguais teriam sido tratadas de forma diferente.
Em primeiro lugar, e dentro do campo definido pela interpretação a que chegou a decisão recorrida, pois não pode relevar para aqui a eventual disparidade de critérios seguidos pela Administração e pelos tribunais na aplicação do regime em causa à qual várias vezes alude a recorrente, há que assinalar que a lógica do artigo 27º do Decreto-Lei nº 408/89 e a lógica do artigo 129º, nº 2, do Decreto-Lei nº 139-A/90 são diferentes. Na primeira destas normas, que estabeleceu um regime favorável aplicável a todos os docentes, a preocupação do legislador foi a de evitar que estes viessem a ser prejudicados pelo congelamento da progressão nos escalões. À segunda norma preside uma orientação de gestão de carreira: a transição já está definida, trata-se agora de ordenar a progressão. Esta é desbloqueada até ao 8º escalão, para acesso ao qual se previu um regime especial, e, apenas quanto aos docentes nele colocados no decurso de 1991, que tivessem 29 ou mais anos de serviço, foi estabelecido um regime especial de aposentação, mais favorável.
Neste contexto, e quanto aos professores colocados no decurso de 1991 no 8º escalão, em que se desenharam duas categorias de situações, há lugar para o estabelecimento de mais subdiferenciações e será menos correcto afirmar que as situações serão materialmente as mesmas. Uns terão menos de 29 anos de serviço e outros terão ultrapassado esse limite. E dentro destes, no período de tempo correspondente ao ano de 1991, uns terão o tempo de serviço e a idade até ao termo do período previamente fixado para a cessação de funções públicas que lhes permitirá passar ao 9º escalão em 1992 e aí aposentarem-se, e outros não o poderão fazer. Nesta última situação se encontrava a recorrente.
É puramente arbitrária a data de 1992? Certamente que não. Ela corresponde sobretudo à intenção de fixar uma graduação no acesso a um patamar remuneratório que não existia na legislação anterior. Tal como ao legislador é permitido inovar na ordem jurídica em benefício dos particulares, da mesma forma lhe é legítimo desdobrar no tempo o acesso a níveis remuneratórios que anteriormente não podiam ser atingidos. E neste particular não é anódina e desprovida de significado a fixação de domínios de aplicação da lei por referência a anos civis. Trata-se aí de escalonar no tempo o esforço financeiro a suportar por referência aos períodos de execução orçamental. Além de que a data de referência não terá de ser 1 de Janeiro de
1992, mas sim a data a partir da qual, no ano de 1992, estão reunidas, quanto a cada docente, as exigências de tempo de serviço necessário para aceder ao 9º escalão. A previsão de entrada em vigor, para o futuro, de regimes não imediatamente aplicáveis é não mais do que uma cautela legislativa que vincula o legislador orçamental, tal como resulta do nº 2 do artigo 108º da Constituição, e que faculta aos particulares o conhecimento antecipado do regime de que poderão beneficiar.
Não ocorre assim, no presente caso, uma distinção descriminatória nem o legislador procedeu de forma arbitrária.
O legislador criou categorias de destinatários bem diferenciadas, segundo critérios com suporte material evidente baseado na consideração do tempo de serviço, como é próprio de relações laborais duradouras, e para cada uma dessas categorias previu um regime jurídico que não merece censura, quando apreciado do ponto de vista da respectiva adequação.
III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando, na parte impugnada, a decisão recorrida.
Lisboa, 1998.03.10 Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa