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Proc. nº 705/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I - Relatório
1 – F... foi condenado, por acórdão do Supremo Tribunal Militar de
18 de Junho de 1997, como autor material de um crime de deserção p.p. pelos artigos 142º, nº 1, al. b), 149º, nº 1, al. a) e 155º, todos do Código de Justiça Militar, a uma pena de 16 meses de presídio militar.
2 - Inconformado com o teor do aresto supra referido veio o agora reclamante, em 15 de Julho de 1997, e ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), dele interpor recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. Pretendia o reclamante ver apreciadas as normas constantes dos artigos 142º nº1 al. b), 149º nº 1 al. a) 1ª parte, 155º, 428º, 431º nº 1 e 434º, todos do Código de Justiça Militar, por entender que tais normas violavam o disposto nos artigos 1º, 2º, 12º, 13º, 18º,
32º nº 1, 205º nºs 1 e 2 e 251º da Constituição.
Sublinhou ainda o recorrente que - não obstante o acórdão recorrido ter sido proferido em 18 de Junho de 1997 - o recurso era tempestivo, na medida em que aquele acórdão não havia ainda transitado em julgado, porquanto nem o arguido esteve presente na audiência, nem foi notificado pessoalmente da decisão, nem o processo foi depositado na secretaria.
3 - Porém, o relator do processo no Supremo Tribunal Militar, por despacho de 9 de Outubro de 1997, não admitiu o recurso de inconstitucionalidade por o considerar intempestivo, atendo-se para tanto, em síntese, à seguinte fundamentação: Em primeiro lugar o acórdão não foi notificado ao arguido porque não tinha que sê-lo, atento o disposto no art. 372º nº 4 do Código de Processo Penal. Em segundo lugar, também não é verdade que o aresto em referência não tenha sido depositado na secretaria, pois que, como se vê a fls. 234 verso, o senhor Secretário do Tribunal, no dia 18 de Junho de 1997, lavrou termo de recebimento do processo contendo já o mesmo acórdão incorporado. Sendo então óbvio que os prazos para recorrer do aresto começaram a contar na data publicação e depósito daquele na secretaria, ou seja, em 18 de Junho de
1997, como resulta do art. 411º nº 1 do Código de processo Penal, termos em que a interposição do recurso em 15 de Julho de 1997, se deve ter por intempestiva.
4 - Contra este despacho apresentou o arguido, em 20 de Outubro de
1997, reclamação para o Tribunal Constitucional, aduzindo na exposição das razões que a justificam, em síntese, o seguinte: O acórdão do Supremo Tribunal Militar datado de 18 de Junho de 1997, no âmbito do qual o reclamante foi condenado a 16 meses de presídio militar não transitou em julgado, uma vez que: nem o arguido esteve presente à sua leitura, nem o processo foi depositado na secretaria, nem, finalmente, o arguido foi notificado da douta decisão proferida pelo Supremo Tribunal Militar. Assim, o recurso interposto deste acórdão para o Tribunal Constitucional era e é admissível, já que naquele aresto foram aplicadas normas cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada nas alegações de recurso, a decisão não admitia recurso ordinário, o recurso era restrito à inconstitucionalidade suscitada, era tempestivo, tinha efeito suspensivo, subia nos próprios autos e o arguido tinha legitimidade para a sua interposição.
5 - Nos termos e para os efeitos do art. 688º nº 3 do Código de Processo Civil foi o processo remetido à conferência do Supremo Tribunal Militar que, por acórdão de 30 de Outubro de 1997, decidiu manter o despacho do relator no sentido da não admissão do recurso com fundamento na sua intempestividade.
6 - Já neste Tribunal, foram os autos com vista do Procurador-Geral Adjunto, que emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, pelos motivos que de seguida se sintetizam: Face ao silêncio da Lei 28/82, é às disposições do processo em que se insere o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade que incumbe dispor sobre o momento a partir do qual se deve considerar publicitada e processualmente conhecida e, portanto, recorrível a decisão proferida, e consequentemente, iniciado o prazo a que alude o nº 1 do art. 75º daquela Lei. No caso dos autos o Supremo Tribunal Militar entendeu que - por aplicação subsidiária da lei processual penal comum (arts. 372º nº 4 e 411º nº 1) - a decisão condenatória deveria considerar-se notificada aos sujeitos processuais que deveriam considerar-se presentes em audiência com a respectiva leitura; e que tendo o acórdão condenatório sido, na mesma data, depositado logo na secretaria (estando, consequentemente, inteiramente ao dispor do arguido e do seu defensor), se iniciou com tal facto processual o prazo para recorrer da decisão proferida. Acresce que - mesmo em processo penal comum - não carece o arguido de estar presente na audiência em que se julga o recurso, dispondo o nº 3 do art. 430º do Código de Processo Penal que ele só é convocado se for determinada a renovação da prova perante as relações - o que obviamente não ocorreu no caso dos autos. O arguido não questionou a constitucionalidade das normas atrás referidas (arts.
372º nº 4 e 411º do Código de Processo Penal), em que assentou a decisão de considerar intempestivo o recurso interposto. Assim sendo, parece evidente a improcedência desta reclamação, por não competir autono-mamente ao Tribunal Constitucional a interpretação de normas processuais penais, estritamente atinentes às formalidades da audiência penal realizada, sem que se mostre directa e adequadamente suscitada a respectiva inconstitucionalidade. Nesta perspectiva - e tendo em conta a interpretação do direito infraconstitucional realizada pelo Supremo Tribunal Militar - é efectivamente intempestivo o recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
Corridos os demais vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentação
7 - Para a decisão da questão que concretamente se coloca, i.e., a de saber se é tempestivo ou intempestivo o recurso de constitucionalidade interposto, decorre dos autos, com suficiente suporte documental, a seguinte conjuntura factual:
a) a decisão recorrida foi proferida em 18 de Junho de 1997, em audiência de julgamento em que não esteve presente o arguido nem os seus defensores legalmente constituídos;
b) não estando presentes os defensores legalmente constituídos do arguido foi nomeado defensor oficioso o Coronel da Força Aérea Paulino de Jesus Belo;
c) o arguido não foi notificado da decisão proferida em audiência;
d) o processo, de onde constava já a decisão recorrida, foi depositado na secretaria do Tribunal no dia 18 de Junho de 1997.
O objecto da presente reclamação, consistente na alegada tempestividade do recurso, há-de assim ser apreciado com base neste quadro factual.
8 - Como se refere no parecer do Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, em face do silêncio da Lei 28/82, de 15 de Novembro, é às disposições do processo em que se insere o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade que incumbe dispor sobre o momento a partir do qual se deve considerar publicitada e processualmente
conhecida a decisão proferida e, consequentemente, iniciado o prazo a que alude o nº 1 do art. 75º daquela Lei.
9 - Assim, na falta de disposição sobre esta matéria no Código de Justiça Militar, deve recorrer-se subsidiariamente, ex vi dos arts. 4º e 331º daquele diploma - como, aliás, fez o Supremo Tribunal Militar - às normas aplicáveis do processo penal comum. Ora, a norma do processo penal comum no caso aplicável é justamente o art. 411º nº 1 do Código de Processo Penal, do qual decorre que o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da verificação de um de três factos processuais:
a) a notificação da decisão, ou;
b) o depósito da sentença na secretaria, ou;
c) tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
10 - Ora, tendo ficado provado, conforme resulta de fls.43 verso dos presentes autos de reclamação, que a sentença foi depositada na secretaria do Tribunal em 18 de Junho de 1997 - i.e., no próprio dia em que foi proferida, como, aliás, se dispõe que deve ser no nº 5 do art. 372º do Código de Processo Penal -, tanto basta, nos termos do já citado nº 1 do art. 411º do mesmo diploma, para que nessa data se considere iniciado o prazo a que alude o nº 1 do art. 75º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que a constitucionalidade daquela norma nunca foi questionada pelo reclamante. Nestes termos, é efectivamente intempestivo o recurso de constitucionalidade que, em 15 de Julho de 1997, se pretendeu interpor. III - Decisão
Ante o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando em cinco unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Maio de
1998 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Luis Nunes de Almeida