Imprimir acórdão
Proc. nº 348/95 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO TIRSO interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO E PLANEAMENTO, de 25 de Julho de 1989, exarado sobre o 'Relatório da Comissão de Avaliação dos Débitos da CM de Santo Tirso à EDP (Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril)', cujo teor é 'concordo com o montante proposto [628.759.900$00]. À consideração do Sr. SEATIE'; e do despacho DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA ENERGIA, de 31 de Julho de 1989, lançado sobre o mesmo Relatório e do seguinte teor:
'concordo com o montante da dívida proposta pela Comissão'.
Disse a recorrente, entre o mais, que a norma do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, na parte em que permite fixar o quantitativo da dívida dos municípios à
EDP, é inconstitucional, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional aos tribunais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 12 de Dezembro de
1992, concedeu provimento ao recurso, para o que recusou aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, ao mencionado nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, 'na parte em que permite aos Ministérios das Finanças e Planeamento e Administração do Território decidir quanto ao montante das dívidas das câmaras municipais à EDP'.
Interposto recurso para o Pleno da Secção, este, por acórdão de 2 de Maio de 1995, confirmou o julgado anterior, tendo ponderado que 'o artigo 5º, nº
4, do DL nº 103-B/89, permitindo à Administração o exercício de um poder unilateral e autoritário para fixação de uma dívida cujo montante é controvertido entre as partes directamente interessadas - para a composição de um conflito - estando, apenas, imediatamente em causa a realização do Direito e da Justiça, ofende os artigos 205º e 206º da CRP, na redacção anterior à revisão de 89, que atribuem, em exclusivo, aos tribunais aquele poder'.
É deste acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (de 2 de Maio de 1995) que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, 'que permite à Administração o exercício de um poder unilateral e autoritário para fixação de uma dívida cujo montante é controvertido entre as partes directamente interessadas - estando apenas imediatamente em causa a realização do Direito e da Justiça'.
Neste Tribunal, alegou o Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício, que formulou as seguintes conclusões:
1º A norma do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, na parte em que estabelece que, por decisão conjunta dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia, pode ser expressamente aceite o montante proposto pela comissão de avaliação dos débitos, para efeitos de fixação da dívida de cada município à EDP em 31 de Dezembro de 1988, não viola a reserva do poder judicial consagrado nos artigos 205º e 206º da Constituição, na versão anterior à 2ª revisão constitucional, correspondentes, na versão actual, aos nºs 1 e 2 do artigo 205º.
2º Na verdade, o relatório da comissão surge como mero acto preparatório do exercício do verdadeiro fenómeno de compensação, traduzido na retenção e transferência de verbas, ao verificar-se que o município é simultaneamente credor (do Estado) e devedor (da EDP) em consequência de relações jurídicas situadas no campo do Direito Público.
3º Justificando o relevante interesse público subjacente à viabilidade económica das empresas concessionárias do serviço público de distribuição de energia eléctrica - e a necessidade de, em última análise, o próprio Estado ter de a assegurar - a dispensa do requisito regra da reciprocidade dos créditos a que o fenómeno compensatório se reporta.
4º Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso e determinar-se a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada.
A CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO TIRSO concluiu como segue as suas alegações: Deve, pois, negar-se provimento ao recurso, interposto por legal obrigação, confirmando-se a inconstitucionalidade do artigo 5º, nº 4, do DL 103-B/89, ofensivo dos artigos 205º e 206º da Constituição da República Portuguesa na redacção anterior à revisão de 1989.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se a norma que se contém no nº
4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 103-B/89, de 4 de Abril, é ou não inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. Este Tribunal, pelo seu acórdão nº 260/98 (publicado no Diário da República, I-A, de 31 de Março de 1998, rectificado no Diário da República, I-A, de 13 de Abril de 1998, e pelo acórdão nº 335/98, publicado no Diário da República, I-A, de 29 de Maio de 1998), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação do disposto no artigo 242º, nº 1, da Constituição - das normas contidas no artigo 4º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº
103-B/89, de 4 de Abril - diploma a que pertence a norma aqui sub iudicio.
A decisão ministerial a que se refere a norma aqui em apreciação (a norma do nº 4 do artigo 5º daquele Decreto-Lei), tal como se mostrou no acórdão nº 436/98, tirado no processo nº 365/92, não pode 'ser executada por qualquer outra forma que não a da [...] retenção de verbas contemplada pelo inconstitucionalizado artigo 4º'. Resulta daí, tal como se concluiu nesse aresto, para cujos fundamentos aqui se remete, que a referida declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 'comunica-se, de forma consequencial e necessária, à norma do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº
103-B/89, de 4 de Abril'.
Há, por isso que julgar inconstitucional tal norma.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). julgar consequencialmente inconstitucional a norma constante do nº 4 do artigo 5º do Decreto-Lei nº
103-B/89, de 4 de Abril, em função da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº 260/98 (publicado no Diário da República, I-A, de 31 de Março de 1998, rectificado no Diário da República, I-A, de 13 de Abril de 1998, e pelo acórdão nº 335/98, publicado no Diário da República, I-A, de 29 de Maio de 1998);
(b). em consequência, negar provimento ao recurso. Lisboa, de de 1998