Imprimir acórdão
Proc. nº 373/98
3ª Secção Rel.: Consº Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1. - C. F., identificado nos autos, foi condenado, por acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal de Competência Genérica de Macau, de 10 de Julho de 1997, como co-autor material de um crime previsto e punido pelo artigo
204º, nº 1, do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão.
Considerando que o arguido fora anteriormente condenado em dezoito meses de prisão com pena suspensa, em diferente processo-crime, o Tribunal entendeu não proceder a cúmulo jurídico, a não ocorrer revogação da suspensão da primeira pena (relativa a factos cometidos em 21 de Junho de 1995, ou seja, posteriormente aos dos presentes autos, ocorridos em 18 de Fevereiro desse mesmo ano).
O arguido, no entanto, recorreu para o Tribunal Superior de Justiça, sustentando dever efectuar-se o cúmulo jurídico e suspender-se a pena única que vier a ser-lhe imposta.
O Tribunal Superior de Justiça, por acórdão de 26 de Novembro de 1997, considerando, por um lado, que se o arguido foi condenado anteriormente em pena cuja execução está suspensa por factos posteriores aos da
última condenação, deve proceder-se a cúmulo jurídico das penas, reapreciando-se a final se é de manter a suspensão, e, por outro lado, que, em princípio, o crime de roubo reiteradamente praticado deve ser punido com prisão efectiva, negou provimento ao recurso e condenou o arguido, em cúmulo com a pena anterior, na pena única de dois anos de prisão.
1.2. - Requerida pelo ora reclamante a declaração de nulidade do acórdão, para o efeito convocando-se o disposto no artigo 688º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil - condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido - foi, então, e do mesmo passo, suscitada a questão de inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 667º do Código de Processo Penal (de 1929) - ?[...] o tribunal superior não pode, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrente [...] aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da decisão recorrida [...]?, na interpretação segundo a qual, não ocorrendo nenhuma das excepções previstas nos §§ 1º e 2º do preceito, efectuando-se o cúmulo das penas de prisão, pode impor-se como peça única mais grave do que as impostas parcelarmente e do que a pedida pelo recorrente e não se conceder o benefício da suspensão de execução da pena.
1.3. - Inconformado com o indeferimento do pedido de declaração de nulidade, recorreu o interessado para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fim de ser apreciada aquela interpretação normativa que, em seu entender, viola o nº 1 do artigo 32º da Constituição da República (CR).
No entanto, por despacho de 3 de Março último, do Senhor Desembargador relator, mantido por acórdão de 18 imediato, o recurso não foi admitido: a questão de constitucionalidade não foi suscitada ?durante o processo?, tomando a expressão no sentido funcional, não formal, que vem sendo acolhido uniforme e reiteradamente pela jurisprudência, designadamente a do Tribunal Constitucional, sendo certo que o entendimento adoptado pela decisão recorrida nada teve de insólito ou imprevisível, não integrando qualquer situação anómala, justificativa de decisão à regra da suscitação oportuna; sempre, de resto, o recurso seria manifestamente infundado, uma vez que o acórdão não aplicou o citado artigo 667º e muito menos o interpretou no sentido sugerido pelo recorrente.
1.4. - É então que, novamente inconformado, reclamou este para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº
28/82, pedindo que, atendida a reclamação, seja admitido o recurso.
Recebidos os autos neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, entendeu ser de indeferir a reclamação, por razões reconduzíveis às invocadas no acórdão de 18 de Março.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2.1. - Interposto o recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, torna-se necessário para dele conhecer que, além do mais, a suscitação da questão de constitucionalidade tenha sido feita durante o processo, entendida esta expressão num sentido funcional, que não formal, de modo que o seja não só em termos mas também em tempo de o tribunal recorrido dela tomar conhecimento e decidir.
Só assim não sucederá em casos excepcionais em que, pelo carácter anómalo e imprevisível do decidido, se considere não ter havido oportunidade processual de cumprir o ónus de suscitação até àquele momento (a jurisprudência do Tribunal Constitucional é, a este respeito, reiterada, consensual e firma : cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 21/92 e 155/95, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992
(suplemento) e 20 de Junho de 1995, respectivamente).
No caso sub judicio, a suscitação da questão foi posterior ao acórdão recorrido, deduzida contemporaneamente com a arguição de nulidades do mesmo.
Consubstanciará o decidido pelo Tribunal Superior de Justiça uma ?decisão-surpresa?, a dispensar o ónus de alegação durante o processo?
Esta é a questão a resolver, sabendo-se que o Tribunal entende que, em princípio, o momento utilizado para, no caso concreto, suscitar o problema já não é o adequado (cfr., v.g., o acórdão nº 102/95, publicado no Diário citado, II Série, de 17 de Junho de 1995).
2.2. - Ora, o reclamante pediu, oportunamente, que se efectuasse o cúmulo jurídico das duas penas em que foi condenado, com a manutenção do benefício de suspensão da pena concedido na primeira condenação. No entanto, nunca equacionou o problema de eventual inconstitucionalidade da interpretação da norma que conduzisse à não suspensão da pena cumulada.
Sem embargo, o cúmulo jurídico, representando uma reformulação da pena, resultante da unificação das penas parcelares, não acompanhado da suspensão de execução, não encerra, em si, nada de insólito ou imprevisível com o que não fosse ao recorrente razoavelmente de prever, adequando a sua estratégia processual a semelhante eventualidade.
Constituindo jurisprudência corrente do Tribunal Superior de Justiça, como no acórdão se sublinha, dever a condenação anterior, não obstante suspensa na sua execução, ser cumulado no juízo da última condenação se os factos desta forem anteriores aos daquela - como é o caso - a eventualidade de se manter o benefício da suspensão há-de, naturalmente, ser reanalisada após o cúmulo jurídico efectuado, não surpreendendo que não venha a manter-se a suspensão inicialmente decretada.
É neste sentido, também, que se orienta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - e não se vislumbra razão legal que não permita a sua invocação face à lei penal substantiva vigente em Macau.
Esse Alto Tribunal, no âmbito do texto do Código Penal anterior à redacção revista pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, e face ao seu artigo 51º - e cita-se a título exemplificativo - ponderou poder ?haver lugar à [...] revogação de uma pena suspensa quando, por haver necessidade de se proceder a um cúmulo jurídico de penas, entre a pena cuja execução ficou suspensa e as que respeitem a factos praticados antes do trânsito em julgado da decisão que aplicou, o Tribunal chegue à conclusão de que é injustificada a manutenção da aludida suspensão, atentos os factos e a personalidade do agente
[...]? (cfr. Acórdão de 28 de Janeiro de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 423, págs. 249 e segs.).
Crê-se que é quanto baste para retirar à decisão de que se pretende recorrer qualquer nota de imprevisibilidade ou anomalia que torne justificada a dispensa do ónus de suscitação atempada.
Sendo assim, não só é de confirmar o decidido relativamente ao não recebimento do recurso, uma vez que não se verificam todos os necessários pressupostos de admissibilidade do recurso, como se dispensam quaisquer considerações sobre a alegada manifesta improcedência do mesmo.
3. - Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se o anteriormente decidido quanto ao não recebimento do recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
8 unidades de conta.
Lisboa, 29 de Junho de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida