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Processo n.º 88/2014
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da Secção Penal do Tribunal da Relação do Porto, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 116/2014:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e recorrido o Ministério Público, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, LTC), foi interposto recurso, de acórdão proferido, em conferência, pela 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 23 de outubro de 2013 (fls. 2566 a 2655), para que seja apreciada a constitucionalidade das “disposições conjugadas nos artigos 374º n.º 2, 375º n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal, entendendo que para fundamentar a dosimetria da pena concreta a aplicar a cada um dos arguidos são suficientes considerações genéricas, tabelares e ecuménicas, o que viola o disposto nos Art.ºs 20 n.º 1 e n.º 4, Art.º 32 n.º 1 e Art.º 205 n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa” (fls. 2667).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 20 de novembro de 2013 (fls. 2684), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Por se tratar de um tipo de fiscalização em que o Tribunal Constitucional age como mero órgão de recurso de uma decisão sobre constitucionalidade normativa já tomada, o artigo 79º-C da LTC impõe que, em sede de fiscalização concreta, aquele só possa conhecer de normas ou de interpretações normativas que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos.
No presente caso, constata-se, sem qualquer margem para dúvidas, que a decisão recorrida nunca interpretou os artigos 374º, n.º 2, e 375º n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, no sentido de que seria suficiente fundamentar a escolha da medida concreta da pena através de meras “considerações genéricas, tabelares e ecuménicas”. Pelo contrário, a decisão recorrida expressamente considerou que:
«Examinada a fundamentação constante do acórdão, verifica-se que o mesmo contém a indicação dos fatores relevantes para a determinação das penas concretas, baseando-se nas circunstâncias comuns a todos os arguidos e nos aspetos particulares de cada um deles, ao nível do comportamento individual anterior e das respetivas condições de vida, com reflexos nas necessidades de prevenção geral e especial.» (fls. 2651)
É assim evidente que a decisão recorrida nunca adotou a interpretação normativa que o recorrente escolheu como objeto do presente recurso, antes tendo considerado que a decisão de primeira instância tinha procedido a uma ponderação e uma fundamentação exaustiva acerca da medida concreta da pena. Fica, então, prejudicado o conhecimento do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«O presente recurso fundava-se - e funda-se - no disposto na alínea b) do n. ° 1 do artigo 70.º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer - cfr. artigo 72°, n. ° 2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade o recorrente invocou nos termos e pelos fundamentos infra invocados, e que aqui por brevidade se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto ao interpretar as disposições conjugadas nos artigos 374° n. ° 2 e 375° n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal, no sentido ser suficiente para fundamentar a do simetria da pena concreta a aplicar a cada um dos arguido, a mera exposição de considerações genéricas, tabelares e ecuménicas, o que viola o disposto nos artigos 20 n.º 1 e n.º 4, 32.º n.º 1 e 205° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Ao contrário do que resulta da douta Decisão Sumária, é precisamente ao elaborar a decisão, ao entender ser suficiente para fundamentar a dosimetria da pena concreta a aplicar a cada um dos arguidos, com recurso a meras considerações genéricas, tabelares e ecuménicas, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto faz uma interpretação inconstitucional dos artigos 374.º n.º 2 e 375.º n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal por violação do disposto nos artigos 20 n.º 1 e n.º 4, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Ora, cremos que todos os requisitos de admissibilidade do Recurso de Constitucionalidade foram respeitados, pelo que se impunha o conhecimento e apreciação do objeto do Recurso.
Se assim não for entendido, salvo o devido respeito, parece-nos que a presente decisão anda ao arrepio do que tem vindo a ser entendido na jurisprudência deste Colendo Tribunal Constitucional que por diversas vezes tem repetido que 'O direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.'
Assim sendo e face ao exposto, o recurso não deveria ter sido rejeitado tendo o citado Acórdão violado, consequentemente o disposto nos art. 20.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como, o disposto nos citados artigos 374.º n.º 2 e 375.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, deverá ser conhecido o objeto do recurso por esta conferência, sendo a final o recurso procedente e declarando-se inconstitucional a interpretação dada às disposições conjugadas nos artigos 374.º n.º 2 e 375.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal, no sentido de ser suficiente a fundamentação da dosimetria da pena concreta a aplicar a cada um dos arguidos, com meras considerações genéricas, tabelares e ecuménicas.»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos, que ora se resumem:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 116/2014, não se conheceu do objecto do recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional.
2º
Como se demonstra claramente na douta Decisão Sumária, a interpretação normativa que o recorrente identificou no requerimento de interposição do recurso, como devendo constituir o seu objecto, não havia sido a aplicada pela Relação do Porto, no acórdão recorrido.
3º
Elucidativo dessa ausência de correspondência entre aquelas duas dimensões normativas, é a parte do acórdão recorrido que vem transcrita na douta Decisão Sumária.
4º
Na reclamação, o recorrente limita-se a dizer que suscitou adequadamente a questão e reafirma o anteriormente dito sobre a interpretação cuja inconstitucionalidade questionava.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O reclamante limita-se a alegar que suscitou a questão de inconstitucionalidade em causa – o que não foi discutido, nem constituiu fundamento da decisão reclamada – e a reiterar o que já havia afirmado no requerimento de interposição de recurso. Porém, não logra contrariar o que já foi explicitado pela decisão reclamada, em especial, o trecho da decisão proferida pelo tribunal recorrido que desmente que este tenha aplicado a específica interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso
Assim sendo, mais não resta do que indeferir a presente reclamação.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 26 de março de 2014.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.