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Proc. 452/98
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I
1. Em acção intentada por M...., que correu seus termos no Tribunal do Trabalho do Porto, T... S.A., identificada nos autos, foi condenada a pagar à autora os complementos de reforma correspondentes à cláusula 81ª do Acordo Colectivo de Trabalho (publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº
45, de 8 de Dezembro de 1983). Apesar de a T... ter invocado a nulidade da referida cláusula, por violação do artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, o juiz a quo não acolheu essa argumentação, tendo recusado a aplicação da norma em causa com fundamento na sua inconstitucionalidade material, firmando-se na jurisprudência constitucional (concretamente, no acórdão nº 966/96).
2. Não se conformando com a decisão, a T... interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.
3. Nas suas alegações, a recorrente concluiu do seguinte modo:
'1. A limitação estabelecida pelo art. 6º, nº 1, alínea e) do DL nº 519-C1/79, de 29.12, bem como pelo DL nº 887/76, de 29.12, é de interesse e ordem pública pois visa manter o emprego através da preservação do tecido empresarial já fustigado com elevadíssimos encargos sociais.
2. O legislador dos DL nº 887/76 e DL 519-C1/79, ao limitar a fixação, pela via da negociação colectiva, de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de Segurança Social, não violou o direito fundamental à liberdade de negociação colectiva.
3. Com efeito, no art. 59º da CRP, na versão de 1982, fixa positivamente e em concreto o âmbito dos contratos colectivos.
4. A fixação e regulação de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de Segurança Social através da negociação colectiva de trabalho, ultrapassa o âmbito positivo e em concreto do art. 59º da CRP e constitui intromissão através da contratação colectiva em matérias alheias às relações de trabalho.
5. Assim, as limitações impostas pelo DL nº 887/76 e pelo art. 6º, nº 1, alínea e) do DL 519-C1/79, de 29.12 não são inconstitucionais.
6. A sentença recorrida violou, assim, os arts. 59º e 63º da CRP.'
II
4. A questão que se debate nos presente autos não é nova no Tribunal Constitucional. Na verdade, foi já por diversas vezes objecto da atenção deste Tribunal a inconstitucionalidade da norma do artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro (que reproduz a norma anteriormente contida no artigo 4º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro).
5. O acórdão nº 966/96, da 1ª Secção (publicado no Diário da República, II, de 31 de Janeiro de 1997, p. 1296 ss), pronunciou-se, embora sem unanimidade, no sentido da inconstitucionalidade material da citada disposição legal por violação dos artigos 56º, nºs 3 e 4, 17º e 18º, nº 2, da Lei Fundamental.
6. Contudo, mais tarde, no acórdão nº 517/98, tirado em Plenário, em 15 de Julho de 1998 (publicado no Diário da República, II, de 10 de Novembro de
1998, p. 15978 ss), o Tribunal Constitucional, por maioria, afastou a inconstitucionalidade material do artigo 6º, nº 1, alínea e), mas pronunciou-se no sentido da sua inconstitucionalidade orgânica. Considerou-se que o Decreto-Lei nº 519-C1/79, abrangendo disposições relativas aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, deveria ter sido emitido ao abrigo de autorização legislativa, uma vez que a matéria em causa se inseria na reserva de lei parlamentar [artigo 167º, nº1, alínea c), da Constituição, versão originária].
A este propósito, escreveu-se no mencionado acórdão nº 517/98, transcrevendo argumentação constante de acórdão anterior:
'5. A norma sub iudicio e a reserva parlamentar
1. [...]
[...]
«5. O direito de contratação colectiva deveria ser entendido, na verdade, como um direito fundamental dos trabalhadores, no âmbito da versão originária da Constituição de 1976. Tal direito caracteriza, decisivamente, o trabalho subordinado como trabalho prestado por pessoas livres, numa sociedade essencialmente liberal e fundada na dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição). A autonomia colectiva representa, efectivamente, uma particular forma de autonomia privada (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho,
1991, p. 321). Mesmo admitindo que outros direitos dos trabalhadores se não devessem então classificar como fundamentais, o direito de contratação colectiva haveria de incluir-se nesse domínio, não, propriamente, atendendo à sua estrutura, mas tendo em conta a sua importância relativa. Não faria sentido, ante o princípio democrático, incluir direitos subjectivos menos relevantes, mas imediatamente exercíveis por trabalhadores, na reserva de lei e reconhecer quanto ao direito de contratação colectiva, a competência própria do Governo. Aliás, a primeira revisão constitucional viria a reforçar este entendimento, ao incluir o direito de contratação colectiva no âmbito dos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da Parte I (artigo 57º, nºs 3 e 4), na sequência de uma diferenciação entre 'direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores' e 'direitos e deveres económicos' (que englobam outros direitos dos trabalhadores).
6. Conclui-se, por conseguinte, que a norma sub judicio padece de inconstitucionalidade orgânica, ante o disposto nos artigos 167º, alínea c),
58º, nºs 3 e 4, e 17º da Constituição, na sua versão originária, visto que está inserida num decreto-lei aprovado pelo Governo, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição (versão originaria), no exercício de competência legislativa alegadamente própria.»
É certo que este fundamento não foi invocado, na decisão recorrida, para fundamentar a recusa de aplicação da norma. Todavia, o Tribunal Constitucional pode julgar inconstitucional a norma em crise com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada, por força do disposto no artigo 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
É esta posição que ora aqui inteiramente se sufraga, pois que o direito de contratação colectiva, embora, então, indubitavelmente remetesse para a lei a sua delimitação, já se encontrava expressamente previsto na versão originária da Constituição, não podendo, assim, ser a contratação colectiva tida apenas, à
época, como mera garantia institucional, como se chegou a sustentar numa das declarações de voto juntas ao citado Parecer nº 18/78 da Comissão Constitucional.
5.2. Concluindo este ponto: a norma sub iudicio viola, pois, a alínea c) do artigo 167º – conjugada com os artigos 58º, nº 3, e 17º – da Constituição
(versão originária).'
7. As mesmas conclusões foram reafirmadas nos acórdãos nºs 520/98 e
521/98, também tirados em Plenário (ainda inéditos).
III
8. Em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 517/98, tirado em Plenário, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional a norma impugnada, embora com diferentes fundamentos, e, consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
9. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 unidades de conta.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Artur Maurício Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa