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Processo n.º 1060/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... interpõe o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 1998, cujo pedido de aclaração e reclamação por nulidades foram desatendidos: aquele, pelo acórdão de 7 de Maio de 1998, e esta, pelo acórdão de 24 de Setembro de 1998, ambos do mesmo Supremo Tribunal.
Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a 'constitucionalidade da orientação preconizada no acórdão para fixação de jurisprudência 2/93, publicado na I série-A do Diário da República, de 10 de Março de 1993'.
É que - sublinhou -, 'no requerimento a arguir a nulidade do acórdão, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade de tal aresto e, consequentemente, da sua aplicação ao caso concreto'. Ao que acresce - disse - que 'o acórdão n.º
445/97 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, I série-A, de 2 de Agosto de 1997, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a matéria estabelecida no predito aresto do Plenário do Supremo Tribunal de Justiça'; e, não obstante, 'ao não concederem ao arguido a possibilidade de se defender da imputação de um crime de maior gravidade reiteraram o comportamento já declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional'. Para o que ora importa, regista-se o seguinte:
(a). O recorrente foi condenado, no Tribunal de Círculo de Alcobaça, pela prática de um crime continuado de falsificação de documentos (previsto e punível pelo artigo 228º, nºs 1, alínea b), e 3, do Código Penal de 1982) e de um crime, igualmente continuado, de burla agravada (previsto e punível pelos artigos 313º, n.º 1, e 314º, alínea c), do mesmo Código), nas penas parcelares de, respectivamente, 1 ano de prisão e 15 dias de multa a 300$00 diários (em alternativa, 10 dias de prisão) e 1 ano e 6 meses de prisão, e na pena unitária de 2 anos de prisão e 15 dias de multa a 300$00 diários (em alternativa, 10 dias de prisão) - pena esta cuja execução foi suspensa por 2 anos.
(b). O arguido recorreu, então, para o Supremo Tribunal de Justiça, que, pelo referido acórdão de 15 de Janeiro de 1998, negando, embora, provimento ao recurso, alterou 'o enquadramento jurídico-penal dos actos praticados pelo arguido para a comissão de um crime continuado de fraude agravada na obtenção de subsídio, praticado com culpa grave e com recurso a falsificação de documentos, dos artigos 36º, nºs 1, alíneas a), b) e c), 2, 5, alínea b), e 8, alínea b), e
39º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro', e condenou-o na pena de 2 anos de prisão, mantendo a sua execução suspensa por 2 anos.
(c). O arguido - depois de lhe ser indeferido o pedido de aclaração do acórdão de 15 de Janeiro de 1998 - arguiu, sem êxito, a nulidade deste aresto, fundado em que o Supremo Tribunal de Justiça, sem o ouvir (e, assim, com violação das suas garantias de defesa), o condenou por um crime mais grave do que aqueles por que a 1ª instância o havia condenado, uma vez que - disse - o Supremo, tendo, embora, 'aproveitado o quadro factual eleito pelo tribunal da 1ª instância, alterou a qualificação jurídica dada a esse recorte fáctico', não obstante a moldura penal da condenação por si proferida ser 'distinta daquelas primordialmente encontradas pelo Tribunal de Círculo de Alcobaça', pois,
'enquanto o crime de falsificação de documentos dos artigos 228º/1 e n.º 3 era punido dentro da moldura penal entre 1 e 6 anos, e [ ...] a burla agravada dos artigos 313º e 314º oscilava entre o mínimo de 1 ano e o máximo de 10 anos de punição com pena de prisão, por outro lado, o crime previsto e punível no artigo
36º/2 do Decreto-Lei n.º 28/84 estabelece que a pena de prisão mediará entre 2 e
8 anos'.
Neste Tribunal, o recorrente concluiu como segue as suas alegações:
1ª. Nos termos do nº 1 e 5 do art. 32º da Constituição da República, o processo penal 'assegura todas as garantias de defesa' e coenvolve uma observância estrita do princípio do 'contraditório'.
2ª. Tal matriz estruturante da sistemática processual penal 'há-de incluir a possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela acusação' – Ac. 54/87 do TC, DR, 1ª série, 17/3 e 'o direito do arguido [...] de se pronunciar e contraditar [...] argumentos jurídicos trazidos ao processo' – GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª Ed., 206.
3ª. Dos vectores surpreendidos nas conclusões expendidas ressalta, inequivocamente, a inconstitucionalidade da orientação que impeça o arguido de exercer o seu direito de defesa face a uma qualificação jurídica.
4ª. Com efeito, na recorrência dessa eventualidade, os preditos, e nucleares direitos de defesa são imolados nas aras de uma qualquer 'perfeição' técnico-jurídica.
5ª. Parece poder afirmar-se que a interpretação sufragada pelo STJ da al. f) do nº 1 do CPP e do art. 379º, b), que permitiu a convolação dos crimes de falsificação e burla para um de fraude agravada na obtenção de subsídio com falsificação de documentos, plasma uma violação da citada principologia com dignidade constitucional.
6ª. Do mesmo juízo de inconstitucionalidade padece o ac. para fixação de jurisprudência 2/93.
7ª. Declarando V. Exªs a inconstitucionalidade da actividade hermenêutica desenvolvida pelo STJ e, bem assim, aquela do referido ac. 2/93, farão prevalecer o primado do direito constitucional.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em funções neste Tribunal também alegou, formulando as seguintes conclusões:
1º - Segundo decorre explicitamente da norma constante do artigo 1º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal, interpretada autenticamente através do acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº
2/93, não traduz alteração substancial do objecto do processo a pura convolação, realizada pelo Tribunal 'ad quem', para uma figura criminal mais gravemente punida, aferindo-se o juízo comparativo da gravidade relativa das punições em função do limite máximo da sanção aplicável.
2º - Não traduz aplicação deste 'bloco normativo' (integrado pela citada norma processual penal e pelo acórdão que, uniformizando a jurisprudência, a interpreta) a consideração de que é lícito ao Supremo Tribunal de Justiça convolar para uma convocação jurídica da matéria de facto assente, de modo a considerar preenchido tipo criminal menos gravemente punido, por o limite máximo da sanção aplicável ser inferior ao que correspondia aos tipos penais considerados preenchidos, em concurso real, pela decisão condenatória proferida em 1ª instância.
3º - Tal interpretação não traduz colisão com o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Acórdão nº 445/97, já que, no circunstancialismo do caso 'sub juditio', a diferente qualificação jurídica dos factos não conduziu à aplicação ao arguido de pena mais grave.
4º - Termos em que, por não se verificarem os pressupostos dos recursos interpostos, com base nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, não deverá deles conhecer-se.
Como o Ministério Público se pronunciou pelo não conhecimento do recurso, foi o recorrente ouvido sobre essa questão prévia, tendo vindo dizer 'que a visão formal adoptada pelo Digno PGA, que ignora olimpicamente a axiologia imanente a tal problemática não é de molde a satisfazer a dinâmica dos interesses em jogo. Com efeito, só a declaração a reconhecer a inconstitucionalidade, que efectivamente vicia o processado, possibilitará o primado do direito constitucional e a realização da Justiça'.
2. Cumpre decidir: desde logo, se deve ou não conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
4. Preliminarmente, deve sublinhar-se que não faz sentido pedir a este Tribunal, como faz o recorrente, que declare 'a inconstitucionalidade da actividade hermenêutica desenvolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça e, bem assim, aquela do referido acórdão 2/93'.
Vejamos: O acórdão n.º 2/93 do Supremo Tribunal de Justiça (publicado no Diário da República, I série, de 10 de Março de 1993) - que interpretou a alínea f) do artigo 1º do Código de Processo Penal [ conjugada, designadamente, com o artigo
379º, alínea b), deste Código] no sentido de que 'não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave' - já nem sequer existe no ordenamento jurídico. De facto, este Tribunal - que, no acórdão n.º 279/95 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Julho de 1995), julgou inconstitucional a interpretação fixada nesse acórdão n.º 2/93 - veio, posteriormente, no acórdão n.º 445/97 (publicado no Diário da República, I série-A, de 5 de Agosto de
1997), a declarar 'inconstitucional, com força obrigatória geral - por violação do princípio constante do n.º 1 do artigo 32º da Constituição - a norma ínsita na alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, n.º 1, 303º, n.º 3, 309º, n.º 2, 359º, nºs 1 e 2, e
379º, alínea b), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado sob a designação de ‘assento 2/93’, na 1ª série do Diário da República, de 10 de Março de 1993 - aresto esse entretanto revogado pelo acórdão n.º 279/95 do Tribunal Constitucional -, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão-somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa'. E mais: o próprio Supremo Tribunal de Justiça, em 13 de Novembro de 1997, para execução do que fora determinado naquele acórdão n.º 279/95, fazendo apelo à mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão n.º
445/97, veio a reformular o mencionado acórdão n.º 2/93, nos seguintes termos:
'ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta exista, o tribunal pode proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente dê conhecimento e, se requerido, prazo, para que o mesmo possa organizar a respectiva defesa jurídica'.
Ora, tendo já sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que o recorrente pretende ver assim julgada, é óbvio que este Tribunal não pode reapreciar essa questão de constitucionalidade. Como se sublinhou no acórdão n.º 518/98 (publicado no Diário da República, II série, de 11 de Novembro de 1998), resta-lhe, se for caso disso, fazer aplicação da mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, a qual - como antes se acentuara no acórdão n.º 186/91 (publicado no Diário da República, II série, de 10 de Setembro de 1991) - é 'vinculativa de todos os órgãos constitucionais, de todos os tribunais e de todas as autoridades administrativas'.
No caso dos autos, será, então, de aplicar a mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral ?
É o que vai ver-se.
5. Recorda-se que o recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
5.1. No mencionado acórdão 518/98, escreveu-se, com interesse para este caso, o seguinte: Quer o recurso da mencionada alínea g) encontre o seu fundamento no interesse de fazer prevalecer as decisões do Tribunal Constitucional em questões de constitucionalidade [ cf. os acórdãos nºs 257/89 e 214/90 (publicados no Diário da República, II série, de 29 de Agosto de 1989 e de 17 de Setembro de 1990)] , quer esse fundamento radique, antes, num 'propósito de defesa da Constituição' [ cf. MIGUEL GALVÃO TELES, A competência da competência do Tribunal Constitucional
(Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, página
118, nota 22)] , sempre se tratará, em tal recurso, 'de não deixar subsistir decisões de outros tribunais que julguem questões de constitucionalidade divergentemente dos julgamentos feitos sobre a matéria pelo Tribunal Constitucional' (cf. o citado acórdão n.º 214/90). Esta razão, que é válida para os casos em que uma decisão de um tribunal aplicou uma norma que o Tribunal Constitucional já antes julgou inconstitucional, 'vale redobradamente - são ainda palavras do mesmo acórdão n.º 214/90 -, quando um tribunal aplica uma norma que o Tribunal Constitucional já declarou inconstitucional com força obrigatória geral'. Por conseguinte, quando se verifique uma situação de não acatamento de uma declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por um qualquer tribunal, da decisão deste cabe recurso para o Tribunal Constitucional, fundado na mencionada alínea g). O não acatamento da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, verifica-se, obviamente, quando uma decisão de um tribunal aplica, de forma clara e ostensiva, a norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral. Mas verifica-se também quando a decisão, parecendo, embora, acatar a declaração de inconstitucionalidade, no entanto, não obedece ao respectivo sentido e alcance - ou seja, quando, como se escreveu no acórdão n.º
528/96 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Julho de 1996), ela não tem 'em conta o sentido e alcance [ ...] da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral'. Em ambas as situações, com efeito, existe aplicação da norma que a declaração de inconstitucionalidade eliminou do ordenamento jurídico. Acontece apenas que, nas situações do segundo tipo, essa aplicação é uma aplicação implícita. A competência para dizer se houve ou não desrespeito por determinada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (maxime, para dizer se a decisão judicial em causa teve ou não em conta o sentido e alcance dessa declaração de inconstitucionalidade), pertence, naturalmente, ao próprio Tribunal Constitucional, como se decidiu no acórdão n.º 528/96, acabado de citar.
É que - decidiu-se nos acórdãos nºs 186/91 e 318/93 (publicados no Diário da República; II série, de 10 de Setembro de 1991 e de 2 de Outubro de 1993) e repetiu-se no mencionado acórdão n.º 528/96 - é ao Tribunal Constitucional que compete fazer a interpretação do sentido e alcance de uma declaração de inconstitucionalidade, 'assim se obtendo o entendimento com que deve valer tal declaração'. Ao que acresce que - como se decidiu no acórdão n.º 316/85 e se repetiu no acórdão n.º 269/98 (publicados no Diário da República, II série, de
14 de Abril de 1986 e de 31 de Março de 1998, respectivamente) - o Tribunal Constitucional é o competente para decidir definitivamente sobre a sua própria competência: desde logo - observou-se no primeiro dos arestos acabados de referir - é ele quem diz (e di-lo definitivamente) 'se as questões que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões de constitucionalidade ou de ilegalidade que se inscrevam no seu poder jurisdicional'. Claro é que - como se sublinhou no acórdão n.º 318/93, acabado de citar, e se repetiu, entre outros, no acórdão n.º 462/94 (publicado no Diário da República, II série, de 21 de Novembro de 1994) - não é razoável um alargamento da competência do Tribunal Constitucional que vise, especificamente, 'o controlo do modo como o tribunal recorrido ‘executou’ a anterior decisão do Tribunal Constitucional'. Não o é, sempre que isso implique 'valoração de provas e de factos e interpretação e aplicação do direito ordinário': trata-se de operações que, de per si, são insindicáveis pelo Tribunal Constitucional.
Dito isto, importa, então saber se o acórdão recorrido, acaso, desrespeitou a mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão n.º 445/97; designadamente, se desrespeitou o sentido e alcance que a essa declaração de inconstitucionalidade foi fixado. De facto, só no caso de existir esse desrespeito, se verificam os pressupostos do recurso, enquanto interposto ao abrigo da mencionada alínea g).
Pois bem: o sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão n.º 445/97, esclareceu-o o dito acórdão n.º 518/98 nos termos seguintes: O tribunal que proceda a uma diferente qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que importe a condenação do arguido em pena mais grave, antes de a ela proceder, deve prevenir o arguido de tal possibilidade, dando-lhe, quanto a ela, oportunidade de defesa.
5.2. Ora, no caso, não se verifica qualquer desrespeito pela mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça, para concluir como concluiu, começou por ponderar o seguinte:
[ ...] aquilo que foi considerado como burla devia ter sido enquadrado na figura especial do crime de fraude na obtenção de subsídio (a comparticipação do Estado, nos moldes em que foi legalmente regulamentada, mais não é do que um subsídio não reembolsável), praticado com culpa grave, dos artigos 36º, nºs 1, alíneas a), b) e c), 2, 5, alínea b), e 8, alínea b), e 39º do Decreto-Lei n.º
28/84, de 20 de Janeiro, a que corresponde a pena de dois a oito anos de prisão. Depois, acrescentou:
[ ...] no crime de fraude agravada na obtenção de subsídio, quando o agravamento resulte da utilização de documentos falsos [ mencionada alínea a) do n.º 1 do artigo 36º] , a conduta ilícita da fraude consome a de falsificação, contrariamente ao que se verifica com o crime de burla [ ...] , porque a falsificação é um elemento típico, constitutivo do factor com base no qual se procede à agravação. Disse, a seguir:
[ ...] atenta a moldura punitiva do crime de fraude agravada, uma convolação [ só] pode originar, no caso concreto, a aplicação de uma pena fixada no respectivo limite mínimo legal, em virtude de o mesmo ser de 2 anos de prisão e de o arguido ter sido condenado por dois crimes (de falsificação e de burla) nas penas parcelares de 1 ano de prisão e 15 dias de multa a 300$00 diários, ou, em alternativa, 10 dias de prisão, e de 1 ano e 6 meses de prisão, e na pena unitária de 2 anos de prisão e 15 dias de multa a 300$00 diários, ou, em alternativa, 10 dias de prisão (cuja execução foi declarada suspensa por 2 anos), medida esta que não pode ser ultrapassada em resultado da apontada convolação. Explicando a afirmação anterior, sublinhou: Isto é, a alteração do enquadramento jurídico-penal para o ilícito que, efectivamente, foi cometido, tem de originar a aplicação de uma pena igual ao limite mínimo legal, por força da regra da proibição da ‘reformatio in peius’, constante do artigo 409º do Código de Processo Penal. E concluiu: Desta maneira, tem de se modificar a decisão impugnada, de molde a que o arguido J... passe a ficar condenado, não pela comissão dos crimes nela indicados, mas pelo crime de fraude agravada na obtenção de subsídio, praticado com culpa grave, dos artigos 36º, nºs 1, alíneas a), b) e c), 2, 5, alínea b), e 8, alínea b), e 39º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão (sem multa, por a previsão legal o não comportar).
Por conseguinte, tendo o arguido sido pronunciado (e condenado) como autor de um crime de falsificação de documentos (punível com prisão de 1 a 6 anos), cometido, em concurso real, com um outro de burla agravada (punível com prisão de 1 a 10 anos), e havendo o Supremo Tribunal de Justiça enquadrado a respectiva conduta no crime de fraude na obtenção de subsídios, praticado com culpa grave e utilização de documentos falsos - crime, este último, a que corresponde a pena de 2 a 8 anos de prisão -, a convolação feita não o foi para um tipo de crime que importasse a condenação do arguido em pena mais grave. Na verdade, 8 anos de prisão (limite máximo da sanção aplicável ao crime de fraude na obtenção de subsídios) é inferior a 10 anos de prisão (limite máximo da pena aplicável ao crime de burla agravada, cometido, em acumulação, com o de falsificação de documentos). Por isso, não existe a 'agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis' de que fala a alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal. Ao que acresce que o arguido foi condenado na pena de
2 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos, quando, na 1ª instância, tinha sido condenado na pena unitária de 2 anos de prisão e 15 dias de multa a 300$00 diários (em alternativa, 10 dias de prisão), também com execução suspensa por 2 anos.
Insiste-se, pois: o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, embora, procedido a uma diferente qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e na pronúncia, não subsumiu esses factos a um tipo legal de crime mais grave - a um tipo legal de crime que importasse a condenação do arguido em pena mais grave. Ora, só se tal houvesse feito, se impunha que, antes de proceder a essa convolação, prevenisse o arguido de tal possibilidade, dando-lhe, quanto a ela, oportunidade de defesa.
Não tendo o acórdão recorrido desrespeitado a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do referido acórdão n.º 445/97, não se verificam os pressupostos do recurso da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Com este fundamento, não pode, pois, conhecer-se do recurso interposto.
5.3. Resulta do que se disse que o aresto sob recurso não aplicou o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 2/93, que - recorda-se - interpretara o artigo 1º, alínea f), do Código de Processo Penal [ conjugado, designadamente, com o artigo 379º, alínea b), do mesmo Código] no sentido de que 'não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave'.
Não se verifica, assim, o pressuposto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação, por parte do acórdão recorrido, da norma que o recorrente pretende ver julgada inconstitucional. Por isso, também por esse motivo, se não pode conhecer do recurso interposto.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). não conhecer do recurso interposto;
(b). condenar o recorrente nas custas, com seis unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Maio de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida