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Processo n.º 93/00 Plenário Relator – Paulo Mota Pinto
Acórdão no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. O Ex.mº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal requereu, ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 440º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na parte em que afasta a proibição da reformatio in pejus, prevista no n.º 1, quando o promotor de justiça junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena aplicada ao arguido-recorrente. O Procurador-Geral Adjunto fundamenta o seu pedido na existência de três Acórdãos deste Tribunal em que se julgou inconstitucional a norma indicada, 'por violação do direito ao recurso, ínsito no princípio constitucional das garantias de defesa', e do 'princípio da igualdade', constantes dos artigos 32º e 13º da Constituição da República. Tais arestos são: o Acórdão n.º 135/99, da 2ª Secção
(antiga), o Acórdão n.º 324/99, da 3ª Secção, e o Acórdão n.º 522/99, da 1ª Secção – todos, entretanto, já publicados, no Diário da República, II Série, respectivamente, de 7 de Julho, de 25 de Outubro de 1999 e de 6 de Março de
2000. O artigo 440º do Código de Justiça Militar dispõe como segue:
'1. Interposto recurso de uma sentença condenatória somente pelo réu, pelo promotor de justiça no exclusivo interesse da defesa ou pelo réu e pelo promotor de justiça neste exclusivo interesse, o Supremo Tribunal Militar não pode, em prejuízo de qualquer dos réus, ainda que não recorrente: a) aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da decisão recorrida; b) revogar o benefício da substituição da pena por outra menos grave; c) modificar, de qualquer modo, a pena aplicada pela decisão recorrida.
2. A proibição estabelecida no número anterior não se verifica: a) (...) b) Quando o promotor de justiça junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de três dias.' Pelas razões expostas no despacho do presidente do Tribunal, de 24 de Fevereiro do ano corrente (fls. 87), foi determinada a audição do Presidente da Assembleia da República – para os efeitos previstos no artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional –, o qual se limitou a oferecer o merecimento dos autos. II. Fundamentos
2. Concretizando o disposto no n.º 3 do artigo 281º da Constituição, o artigo
82º da Lei do Tribunal Constitucional determina que o processo aplicável à repetição do julgado siga 'os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da ilegalidade'. Trata-se, pois, como se escreveu no Acórdão n.º 347/92 (publicado no Diário da República, I Série-A, de
3 de Dezembro de 1992), de 'um novo processo de fiscalização que se abre e uma nova decisão que se tem de tomar', com base em reapreciação, pelo Plenário, da norma em causa, bem como, naturalmente, da fundamentação expendida para o juízo de inconstitucionalidade, que se fundou na violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e das garantias de defesa. Vejamos então.
3. Como se recordou no Acórdão n.º 522/99, já referido, o Código de Justiça Militar de 1925 proibia a reformatio in pejus no seu artigo 532º, ao contrário do que sucedia com o Código de Processo Penal de 1929, que, sendo omisso quanto ao âmbito do conhecimento do recurso pelo tribunal superior, era interpretado e aplicado no sentido de consentir a agravação da pena dos recorrentes ainda quando só eles tivessem interposto recurso – orientação, esta, que veio a ser consagrada no Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Maio de 1950. Tal orientação veio a ser estabelecida também no processo criminal militar por força do Decreto-Lei n.º 46206, de 27 de Fevereiro de 1965. Apenas em 1969, com a entrada em vigor da lei n.º 2139, de 14 de Março, se alterou o artigo 667º do Código de Processo penal, por forma a consagrar a proibição de reformatio in pejus, mas não no que respeita a medidas de segurança nem quando o representante do Ministério Público no tribunal superior pedisse a agravação da pena, mesmo quando o recurso tivesse sido interposto só pelo arguido ou pelo Ministério Público no interesse deste. A esta possibilidade só o Código de Processo Penal de 1987 (artigo 409º) pôs termo, tendo-se mantido no domínio do processo criminal militar, já que o Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril, consagrou a proibição da reformatio in pejus em termos idênticos, no que ora importa, aos que ficaram consagrados no artigo 667º do Código de Processo Penal após a intervenção do legislador de 1969 (pela Lei n.º 2139 já referida). Ou seja: a possibilidade de os representantes do Ministério Público no tribunal superior pedirem a agravação da pena quando o recurso fosse interposto só pelo arguido ou, também, pelo Ministério Público no interesse deste, estava prevista até 1987 no processo penal geral, tendo-se mesmo depois dessa data mantido no Código de Justiça Militar a possibilidade de os promotores de justiça junto do tribunal superior defenderem a agravação da pena no seu visto inicial.
4. O juízo de inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo
440º do Código de Justiça Militar, formulado nos acórdãos que são fundamento do presente pedido, sustentou-se, sobretudo, na violação das garantias de defesa em processo penal, constitucionalmente consagradas no artigo 32º da Lei Fundamental. Independentemente da ponderação das especificidades próprias da instituição militar e dos seus reflexos em termos de processo penal militar, para analisar a possível invocação, como fundamento da inconstitucionalidade, dos princípios da igualdade e da legalidade, o juízo de inconstitucionalidade é, na verdade, em qualquer caso, sustentado pela violação de tais garantias de defesa. Assim, no Acórdão n.º 324/99 escreveu-se sobre a solução prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar:
'Entre as garantias de defesa a ter em conta salienta-se o direito ao recurso, hoje formalmente previsto no n.º 1 do artigo 32º da constituição, mas que decorria já da consagração do princípio da plenitude das garantias de defesa. Ora, torna-se necessário reconhecer que a faculdade de recorrer das decisões condenatórias é claramente condicionada, num sistema em que a opção do arguido pelo recurso implica um sério risco de prejuízo para a sua situação jurídico-penal. Na verdade, um arguido que sabe que a sua pena pode vir a ser agravada se interpuser recurso, tenderá a evitar o exercício do direito que lhe cabe. Razão bastante, pois, para que se aceite que a norma impugnada viola nitidamente o direito ao recurso, ao admitir a reformatio in pejus perante um recurso interposto apenas pelo arguido.' Ora, valendo o direito ao recurso e as garantias de defesa previstas no artigo
32º da Constituição, também para o processo criminal militar, logo se conclui que uma eventual especificidade da instituição militar, seja ou não passível de se reflectir num ou noutro instituto do direito processual penal, não poderia implicar um regime como o consagrado na norma do Código de justiça Militar ora em apreço, que condiciona de forma inadmissível a opção do réu pelo recurso, pelas consequências que esta opção pode para ele acarretar. O mesmo se entendeu, aliás, no Acórdão n.º 15/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Março de 1999), referente à alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, onde se escreveu que a possibilidade de haver agravação da pena em recurso exclusivamente interposto pelo arguido, quando houver alteração da qualificação jurídica dos factos, mesmo que esta se traduza em incriminações menos graves
'(...) afecta gravemente o direito do arguido ao recurso, condicionando-o em termos inadmissíveis e encurtando, em medida intolerável, as garantias de defesa constitucionalmente tuteladas.' E também pelo directo apelo à consagração constitucional destas garantias de defesa, mesmo sem autonomização do direito ao recurso, se poderia chegar à mesma conclusão. Assim, nos Acórdãos n.º 135/99 e 522/99 fez-se decorrer a proibição da reformatio in pejus das garantias de defesa decorrentes do n.º 1 do artigo
32º da Constituição, invocando-se, em ambos, os Acórdãos n.ºs 499/97 e 488/98 (o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Outubro de 1997, o segundo ainda inédito) e a posição crítica de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, págs. 260-262) em relação ao artigo 667º, § 1, n.º 2 do Código de Processo Penal de 1929, na redacção resultante da Lei n.º
2139, de 14 de Março de 1969 – norma que, como já se referiu, foi a fonte directa da que está agora em apreciação. Ora, decorrendo a proibição da reformatio in pejus do n.º 1 do artigo 32º da Constituição – 'fonte autónoma de garantias de defesa' (como se disse no Acórdão n.º 135/99, citando também os Acórdãos n.ºs 55/85 e 61/88, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1985 e de 20 de Agosto de 1988, e como escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da república Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 202, anotação II ao artigo 32º) –, uma vez que tais 'garantias constitucionalmente estabelecidas impõem, nesta matéria, uma limitação à efectivação do poder punitivo do estado'
(para o dizer como no Acórdão n.º 324/99), também tal proibição será directamente invocável em processo penal militar, fundando a inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar. A única restrição à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral resultante da presente decisão prende-se, pois, apenas com a dimensão da norma (ligada à tipologia da situação nos recursos que deram origem aos arestos-fundamento) cuja análise sub specie constitutionis é objecto do presente pedido, e que se limita a casos em que os recorrentes eram os arguidos.
5. Além da questão da violação das garantias de defesa consagradas constitucionalmenre, suscita-se a questão de saber se a referida disparidade legislativa entre o processo penal geral e o processo criminal militar será actualmente aceitável do ponto de vista constitucional – questão, esta, que foi equacionada e resolvida, no sentido negativo, em todos os Acórdãos invocados como fundamento para o presente processo (os Acórdãos n.ºs 135/99, 329/99 e
522/99), e a que se faz referência no pedido sob invocação do princípio da igualdade. Na verdade, no Acórdão n.º 135/99 recordaram-se as três dimensões do princípio da igualdade (proibição do arbítrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação) e, citando-se a jurisprudência constitucional e Gomes canotilho e Vital Moreira, caracterizou-se como medida legislativa inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade na forma de proibição do arbítrio, aquela em que houvesse 'ausência de fundamentação material bastante para a distinção'. E, confrontando depois a alínea b) do n.º 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar com o artigo 409º do Código de Processo Penal, escreveu-se:
'Também aqui (…) não vislumbramos nas especificidades próprias da instituição militar ou do processo penal militar uma base material que permita justificar a aludida diferença de tratamento entre o regime de proibição da reformatio in pejus no âmbito do processo penal comum e no âmbito do processo penal militar. Assim, não existindo fundamento racional a justificar um diferente regime, há que concluir, de acordo com o exposto anteriormente, que a norma em apreço é inconstitucional por violação do artigo 13º da Constituição, na dimensão em que esta norma proíbe o arbítrio.' No Acórdão n.º 329/99, por sua vez (citando-se Figueiredo Dias e o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal), conclui-se que
'(…) por estabelecer, sem justificação material, e, por isso, de forma arbitrária, um regime substancialmente mais desfavorável ao arguido em processo penal militar relativamente ao processo penal comum, a norma impugnada é também inconstitucional por violação dos princípios da igualdade (artigo 13º) e da proporcionalidade (artigo 18º).' No Acórdão n.º 522/99, citando-se os anteriores Acórdãos e as fontes, neste ponto, do Acórdão n.º 329/99, considerou-se que
'Como, no caso concreto, não estão em causa deveres militares nem valores como a segurança e a disciplina das forças armadas ou interesses militares de defesa nacional, que, esses sim, poderiam justificar tal diferença, não subsiste justificação material bastante para a diferença de regimes que hoje se verifica entre o Código de Processo penal vigente que proíbe a reformatio in pejus, e o Código de Justiça Militar, que a permite quando o promotor junto do tribunal superior se pronunciar pelo agravamento da pena, nos termos supra referidos
(cfr. Acs. 135/99 e 324/99, já citados). Nestes termos, por estabelecer, sem justificação material bastante, um regime substancialmente mais desfavorável ao arguido em processo penal militar relativamente ao processo penal comum, a norma impugnada viola também os princípios da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 13º e
18º da Constituição.' Não se encontrando razões para não adoptar tal entendimento, poderia concluir-se no presente processo pela inconstitucionalidade, com fundamento em violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, da disparidade de regimes entre o Código de Justiça Militar e o Código de Processo Penal, quanto à possibilidade de o tribunal superior agravar a pena aplicada no tribunal a quo ao réu-recorrente, quando esse tiver sido o entendimento do promotor de justiça junto daquele tribunal no seu visto inicial e se dos fundamentos do seu entendimento tiver sido notificado o réu, como dispõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar. Num certo entendimento, haveria, ainda, porém, que ponderar, para concluir por tal violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, uma eventual relevância de valores como a segurança e a disciplina das forças armadas ou interesses militares de defesa nacional, para a justificação da diferenciação de regime entre o processo penal comum e o processo criminal militar (ponderação expressamente admitida, por exemplo, pelo Acórdão n.º 522/99, já citado). Ora, encontrando-se, como já se viu, fundamento para a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea c) do n.º
2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar – consistente na violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32º, da Constituição da República e independentemente da (in)existência de justificação para a aludida disparidade legislativa –, torna-se desnecessário autonomizar aqui tal ponderação, podendo concluir-se, sem mais, pela declaração de inconstitucionalidade da norma cuja apreciação é objecto do presente pedido. III. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República, da norma do artigo 440º, n.º 2, alínea b) do Código de Justiça Militar, na parte em que afasta a proibição da reformatio in pejus, prevista no n.º 1, quando o promotor de justiça junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena aplicada ao arguido-recorrente. Lisboa, 23 de Maio de 2000 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa