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Processo nº 978/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Discordando da decisão sumária de fls. 255, veio o Ministério Público reclamar para a conferência, 'nos termos do disposto no artigo 78º.-A, nº 3, da Lei nº 28/82'. Em seu entender, 'A decisão recorrida recusou explicitamente a aplicação da norma constante do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, com fundamento em alegada inconstitucionalidade, aderindo, no essencial, à argumentação constante do Acórdão nº 267/97. Não nos parece (...) que tal juízo de inconstitucionalidade se possa configurar como mero ‘obiter dictum', como se considerou na decisão reclamada. 'É que a qualificação da parcela expropriada como ‘solo apto para construção’, por se verificarem, a seu propósito, as características enumeradas no nº 2 daquele preceito legal, pressupõe necessariamente que se haja previamente afastado a aplicação da norma constante do nº 5 de tal preceito – em função do qual um terreno que detenha características ‘naturalísticas’ que o tornem adequado à construção não pode ser como tal qualificado se, por lei ou regulamento, estiver vedada a construção aos particulares'. Na sua resposta, os recorridos manifestaram-se no sentido de que 'deve ser desatendida a reclamação do Digno Agente do Ministério Público'.
2. Não se põe em causa a semelhança entre o caso concretamente apreciado no processo em que foi interposto o recurso de constitucionalidade acima identificado e o que foi objecto do processo em que veio a ser proferido o Acórdão nº 267/97 deste Tribunal, salientada nas alegações apresentadas pelo Ministério Público; nem que, neste acórdão, o Tribunal Constitucional tenha concluído pela inconstitucionalidade da norma constante do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações e, por isso, tenha negado provimento ao recurso interposto também pelo Ministério Público de um outro acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, justamente com fundamento na inconstitucionalidade dessa mesma norma, recusou a sua aplicação. A verdade, porém, é que da análise atenta da fundamentação apresentada pelo acórdão agora recorrido, igualmente do Tribunal da Relação do Porto, resulta que não foi por também julgar inconstitucional a norma referida que indeferiu o recurso da decisão da primeira instância, que considerou o terreno expropriado como apto para construção.
É inquestionável que o acórdão recorrido afirma expressamente a sua concordância com a inconstitucionalidade na norma em questão, constante do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, e com o julgamento nesse sentido proferido pela já citado acórdão nº 267/97. Mas é igualmente inquestionável que, quando afirma 'Vejamos agora o caso concreto em apreço' e justifica que razão o levou a considerar o terreno expropriado como apto para construção, para efeitos de cálculo da indemnização, o Tribunal da Relação do Porto pondera o seguinte: de acordo com o critério definido pela al. b) do nº 2 do artigo 24º do Código das Expropriações,' A referida parcela [expropriada] encontra-se situada a uns escassos 60 metros de um aglomerado residencial, onde existem infra-estruturas urbanísticas. O acesso à parcela faz-se por intermédio dum caminho em terra batida com iluminação pública estabelecida. Face a estes elementos podia-se concluir, desde logo, que o solo da parcela expropriada devia ser considerado 'apto para construção', face ao disposto na al. b) do nº 2 do art. 24º do Código das Expropriações. Os seus proprietários, podiam, pois, exercitar o seu 'jus aedificandi, manifestação dos seu direito de propriedade. Em Junho de 1991, esse terreno foi integrado na RAN, passando, pois e em princípio, a nele ser proibida a edificação. Em Junho de 1994, o terreno foi desafectado da RAN para o efeito da construção de uma estação de tratamento de esgotos. Em Maio de 1995, foi publicada a declaração de expropriação por utilidade pública do referido terreno para o efeito da construção da referida estação. Na altura não estava ainda em vigor o PDM do concelho de Valongo. Em resumo: na altura da declaração de utilidade pública – momento relevante para o cálculo da indemnização (art. 23º do Código das Expropriações) – o terreno da parcela expropriada, que antes da integração na RAN tinha potencialidades edificativas, encontrava-se desintegrado dessa RAN para fins edificatórios – construção de uma ETAR, não havendo qualquer limitação derivada de plano do ordenamento do território, nomeadamente de PDM, que ainda não estava em vigor'. Ou seja: foi por considerar que o momento relevante para efeitos de determinação da indemnização é o da declaração de utilidade pública e que, nessa altura, o terreno se não encontrava integrado na RAN, não existindo qualquer outra limitação à construção ditada por lei ou regulamento, que o Tribunal da Relação do Porto, aplicando o disposto na al. b) do nº2 do artigo 24º do Código das Expropriações, manteve a decisão da primeira instância que o considerou apto para construção e, consequentemente, determinou o montante da indemnização a pagar correspondente. Não merece concordância, assim, a afirmação constante do ponto 3º das alegações do Ministério Público de que 'a qualificação da parcela expropriada como ‘solo apto para construção’, por se verificarem, a seu propósito, as características enumeradas no nº 2 daquele preceito legal, pressupõe necessariamente que se haja previamente afastado a aplicação da norma constante do nº 5 de tal preceito – em função da qual um terreno que detenha características ‘naturalísticas’ que o tornem adequado à construção não pode ser como tal qualificado se, por lei ou regulamento, estiver vedada a construção aos particulares'. O que sucedeu foi que o Tribunal da Relação do Porto entendeu que, no momento relevante para o efeito tido em conta – repete-se, a fixação da indemnização – no terreno não estava, nem 'por lei', nem 'por regulamento', 'vedada a construção aos particulares'. Assim, julga-se improcedente a presente reclamação, e confirma-se a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Lisboa, 30 de Abril de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida