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Processo nº 734/97 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.- A., na qualidade de candidata pelo Partido Socialista à assembleia de freguesia do Gaio-Rosário, no concelho de Moita, nas eleições autárquicas realizadas no passado dia 14 de Dezembro, recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 102º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alicerçando-se, em síntese nos seguintes fundamentos:
a) encerrada a votação e contados os votos nas duas secções que funcionaram na freguesia do Gaio-Rosário, verificou-se que em ambas as secções a CDU - Coligação Democrática Popular (PCP-PEV) ganhou o escrutínio por um voto de diferença relativamente ao Partido Socialista (PS), apurando-se quatro votos nulos na secção de voto nº 1;
b) na respectiva assembleia de apuramento parcial, foi considerado como nulo um voto em cujo boletim a cruz excede os limites do quadrado correspondente ao PS, para a esquerda do mesmo;
c) idêntico entendimento foi acolhido pela assembleia de apuramento geral que, preliminarmente, adoptou um critério uniforme para avaliação dos votos considerados nulos que se considera demasiadamente restrito, atido apenas aos aspectos formais do voto;
d) desse modo, não se teve como válido um voto que, apesar de exceder os limites da figura, não deixa dúvidas como expressão da intenção do eleitor em assinalar com a cruz o quadrado correspondente ao PS;
e) a recorrente apresentou protesto oportunamente, nos termos do nº 3 do artigo 95º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de
29 de Setembro (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais).
Pede-se que, procedendo o recurso, passe a ser considerado válido o voto considerado nulo nas assembleias de apuramento parcial e geral, face ao disposto no artigo 85º, nºs. 2 e 3 daquela Lei Eleitoral o que, a acontecer, implicando um empate, determinaria subsequentemente a repetição do acto eleitoral.
2.- O recurso foi instruído com os seguintes documentos: fotocópia do edital afixado em 22 de Novembro de 1997, onde constam as listas dos candidatos à eleição da assembleia de freguesia do Gaio-Rosário, nelas figurando na lista do Partido Socialista, o nome da recorrente, em segundo lugar; cópia da acta da assembleia de apuramento geral que teve lugar nos dias 18, 19, 22 e 23 de Dezembro, acompanhada de dois protestos que não respeitam ao caso em apreço; cópia do bilhete de identidade da recorrente; cópia do boletim de voto cuja validação se pede.
3.- O recurso foi interposto tempestivamente: tendo presente o disposto no nº 1 do artigo 104º da Lei Eleitoral, mostram os autos que o edital com os resultados do apuramento geral, a que o artigo 99º do mesmo diploma se refere, foi afixado no dia 23 de Dezembro, sendo certo que o requerimento de interposição de recurso deu entrada, por telecópia, na secretaria do Tribunal Constitucional, pelas 16,50 horas do mesmo dia.
Também não está em causa a legitimidade da recorrente, que lhe advém da sua qualidade, invocada e suficientemente demonstrada, de candidata à eleição para o órgão autárquico em causa.
Por outro lado, sendo este um recurso de contencioso eleitoral, nos termos do nº 1 do artigo 103º da 'Lei Eleitoral', as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral só poderão ser apreciadas 'desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram'.
De igual modo, decorre do estatuído no nº 1 do artigo 105º do mesmo diploma que 'a votação em qualquer assembleia de voto e a votação em toda a área do município só serão julgadas nulas desde que se hajam verificado ilegalidades e estas possam influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico'.
Em qualquer caso - como se escreveu no acórdão nº
11/90, publicado no Diário da República, II Série, que se cita paradigmaticamente - impende sobre o recorrente o ónus da prova, 'pois que a ele é atribuído por lei o encargo de demonstrar a exactidão dos fundamentos de facto alegados no recurso'.
Vejamos se, na circunstância, se congregaram os requisitos formais necessários para apreciação da admissibilidade do recurso, de cujo objecto só se conhecerá se se concluir afirmativamente. II
1.- Resulta do exame da acta de apuramento geral que a respectiva assembleia, preliminarmente, deliberou, por unanimidade, adoptar como critério de qualificação dos votos como válidos todos aqueles em 'que o eleitor haja assinalado no quadrado, através de uma cruz inscrita nele, mesmo que não perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do mesmo, desde que não haja dúvidas da lista escolhida'.
Igualmente consta da acta em referência que, no tocante à mesa um da freguesia do Gaio-Rosário, a ora recorrente, apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 95º, nº 3, da Lei Eleitoral Autárquica, 'um protesto no que se refere ao critério adoptado quanto à validação dos votos considerados nulos, porquanto não foi, salvo melhor opinião, colocado o acento tónico na vontade inequívoca do eleitor', tendo a Assembleia, no entanto, deliberado manter o critério inicialmente estipulado.
Se bem que o teor do protesto não conste da acta -
nem a sua formalização por escrito foi apresentada pela recorrente à consideração deste Tribunal - o certo é que resulta com suficiência - mormente da deliberação da assembleia e também do contra-protesto apresentado pela candidata à Câmara Municipal pelo mesmo Partido Político - estar em causa a apreciação da validade do voto considerado nulo na mesa número um da freguesia do Gaio-Rosário.
Quanto a esta questão, diz-nos a acta, 'foi deliberado por unanimidade manter o voto em causa como nulo, porquanto no boletim respectivo se encontra assinalada uma cruz fora do quadrado, sendo que intercepta o mesmo apenas parte de um dos traços do mesmo, salientando-se ainda que o boletim em causa, se encontra assinalado com outros traços menos perceptíveis e fora também do respectivo quadrado, não cabendo assim no disposto no artigo 85º, nº 3, do Diploma acima mencionado'.
Comprova-se, deste modo, a existência de protesto perante a assembleia de apuramento geral, nos termos do citado artigo 95º, pelo que nada obsta, assim, nesta concreta situação, ao conhecimento do recurso.
2.- A esta luz se dirá que, nos termos do nº 4 do artigo 84º da Lei Eleitoral, o eleitor expressa a sua vontade marcando 'com uma cruz no quadrado respectivo a lista em que vota para cada órgão autárquico', prescrevendo o artigo 85º, no seu nº 2, que corresponde a voto nulo o boletim de voto no qual tenha sido assinalado mais de um quadrado ou quando haja dúvidas sobre o quadrado assinalado [alínea a)]; ou tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma lista que tenha desistido das eleições [alínea b)]; ou, ainda, tenha sido feito no boletim qualquer corte, desenho ou rasura, ou quando tenha sido escrita qualquer palavra [alínea c)]. O nº 3 do preceito, por sua vez, determina que não será considerado voto nulo o boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor.
Analisando o boletim de voto cuja validade vem impugnada, a assembleia de apuramento geral reiterou a sua qualificação como voto nulo vinda do apuramento parcial, dado a tal conduzir a observância do critério por si fixado para a determinação de um voto como válido: a inscrição de uma cruz no quadrado, ainda que imperfeitamente desenhada ou excedendo os limites do mesmo, desde que não haja dúvidas sobre a lista escolhida.
Ora, no caso em apreço, mostra-nos o boletim de voto que a cruz, de traço irregular, foi assinalada fora do quadrado, nomeadamente no tocante ao seu ponto de intersecção, prolongando-se um dos braços para o interior do quadrado que só nessa parte é atingido, além de ser visível, também, na área exterior àquela figura geométrica, uma outra cruz, em traço mais regular (registada na acta como 'outros traços menos perceptíveis e fora também do respectivo quadrado').
Tudo visto, tem-se por inquestionável que a declaração de vontade que o voto traduz tem de ser feita através de uma cruz assinalada no quadrado correspondente à lista concorrente, se bem que essa cruz possa não estar perfeitamente desenhada e exceder os limites do quadrado, sendo, em todo o caso, indispensável que assinale inequivocamente a vontade do eleitor (cfr., v.g., o Acórdão nº 320/85, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Abril de 1986).
Nesta perspectiva, entende-se não ser válido o voto se a cruz for assinalada completamente no exterior do quadrado, ou pelo menos a sua quase totalidade, quando, como é o caso, o ponto de intersecção das duas linhas da cruz se situa fora da figura (cfr., com interesse, v.g., os Acórdãos nºs. 326/85, 864/93 e 8/94, publicados no jornal oficial citado, II Série, de 16 de Abril de 1986, 31 de Março de 1994, os dois últimos).
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1997 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa