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Processo nº 554/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo
(Secção do Contencioso Administrativo), em que figuram como recorrente N..., e como recorrida a Câmara Municipal de Almada, pelos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 324 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que não recebeu nenhuma resposta da recorrida, limitando-se a recorrente a tecer considerações sobre a justiça constitucional, para afirmar que já nada a
'surpreende', a discordar da exigência de que uma 'arguição de inconstitucionalidade reportada a normas jurídicas' tenha de fazer-se pela
'forma própria e adequada' e a manter a posição inicial do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, acrescentando, aliás, outras normas que nele não se referiam, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta. Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida
Processo nº 554/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1.N..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso por este Tribunal Constitucional, 'nos termos dos artºs 70º, nº 1, al. b), 71º, nº 1, 72º, nº 1, al. b), 75º e 75º-A, todos da Lei nº 28/82, de 15/11', do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo), de 6 de Março de 1997, que lhe foi desfavorável, dizendo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:
'O presente recurso é interposto, como se referiu já, ao abrigo da al. b) do nº
1 do artº 70º e as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie e declare são as dos artºs 42º e 61º, nº 7 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Dec. Lei 24/84, interpretados como o foram no Acórdão recorrido, sendo os preceitos e princípios constitucionais violados os dos artºs
269º, nº 3 e 32º, nºs 1, 3 e 5 da C.R.P.. Tais inconstitucionalidades foram arguidas logo nas alegações de recurso do recurso oportunamente interposto da decisão da 1ª instância para o Supremo Tribunal Administrativo'.
2. Fundando-se, assim, o presente recurso de constitucionalidade na citada alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, correspondendo ao artigo 280º, nº 1, b), da Constituição (texto vigente), forçoso é que se verifiquem cumulativamente determinados pressupostos processuais e requisitos específicos, interessando aqui, entre eles, o que se reporta à arguição de inconstitucionalidade normativa durante o processo, com o significado de que a parte interessada deve suscitar em tempo oportuno e de forma própria e adequada a questão de inconstitucionalidade de normas jurídicas perante um tribunal, para que este se possa pronunciar sobre tal questão.
Ora, é esse requisito específico que aqui se não pode dar como demonstrado.
Na verdade, e perante o Supremo Tribunal Administrativo, na fase das alegações e com as apropriadas conclusões, a recorrente, para fazer vingar o seu ponto de vista de que não lhe poderia 'ter sido aplicada qualquer sanção', limitou-se a sustentar, no que aqui pode relevar:
- que a autoridade recorrida, agindo como agiu, contrariou 'claramente os princípios constantes do artº 266º, nº 2 da C.R.P.' (conclusão 6ª).
- que a 'decisão disciplinar impugnada, ao culminar todo um processo multiplamente irregular e ilegal, violou claramente os princípios do contraditório e da audiência prévia do arguido, consagrados designadamente nos artºs 32º da C.R.P.(...)' (conclusão 7ª) e 'violou ostensivamente os princípios da presunção de inocência e do ónus da prova de acusação, consagrados legal e constitucionalmente, designadamente nos artºs 269º e 32º da C.R.P.' (conclusão
9ª).
- que 'é manifesto que a pena aplicada ofende os princípios da proporcionalidade e da Justiça' (conclusão 18ª).
- que a 'decisão recorrida está em frontal contradição com a realidade factual constante dos autos e viola grave e flagrantemente a lei, designadamente os artºs 28º, 51º, 55º, nº 1, 57º, nºs 1 e 2, 59º, nº 4 e 61º, todos do E.D.F.A.A.C.R.L., aprovado pelo Dec.Lei 24/84, artº 9º do Código Civil, artº 17º da Lei 23/91, os artºs 32º, nºs 1, 3 e 5 e 69º, nº 3 da C.R.P.' (conclusão 22ª e
última).
Não se detecta, pois, no que acaba de se transcrever das conclusões das alegações, nenhuma arguição de inconstitucionalidade reportada a normas jurídicas, nomeadamente as que a recorrente identifica no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (e ao longo do texto das mesmas alegações também não se vislumbra tal arguição, dirigindo-se sempre a censura à decisão disciplinar em causa e ao processo disciplinar em que foi ditada e à sentença recorrida da primeira instância, salvo uma referência, a propósito de
'nova nulidade insuprível', ao argumento de 'nada valendo aqui invocar 'a contrario sensu' o artº 61º, nº 7 do Estatuto Disciplinar, para tentar concluir triunfantemente que o instrutor não tinha sequer de notificar o arguido para estar presente, já que, a ser assim interpretado, tal dispositivo ele sempre seria flagrantemente inconstitucional, por violação designadamente dos já citados artºs 269º, nº 3 e 32º, nºs 1, 3 e 5 da C.R.P., inconstitucionalidade essa que, ora aqui para todos os devidos e legais efeitos, desde já se argui').
Exactamente por isso o acórdão recorrido não apreciou nenhuma questão de conformidade ou desconformidade com a Constituição de normas daquele Estatuto Disciplinar, designadamente a daquele artigo 61º, nº 7, e questionou apenas o mérito da sentença recorrida, para concluir que improcedem 'todas as conclusões da alegação da recorrente', e, em sede de apreciação da
'verificação de diversas nulidades insupríveis do Processo Disciplinar, traduzidas na violação dos princípios do contraditório e da audiência prévia do arguido, consagrados designadamente nos artºs 32º da CRP, 59º e 61º todos do ED, e 61º, nº 1, al. a) do CPP de 1988' (nº 2 do acórdão), limitou-se o aresto a ponderar 'se algum daqueles normativos, ou dos princípios neles consagrados, foi violado pelo despacho punitivo contenciosamente recorrido, e, por consequência, pela decisão impugnada'.
E, a tal propósito, lê-se no acórdão:
'No caso sub judice, invoca a recorrente, a tal respeito, que houve diligências não efectuadas, e inquirições de testemunhas feitas à sua revelia, ou seja, sem que ela ou o seu advogado tenham sido para tal notificados. Quanto à inquirição das testemunhas apresentadas pela defesa, a recorrente não se insurge em bom rigor contra o facto de não terem sido realizadas as diligências de prova por si requeridas, mas fundamentalmente contra o facto de não ter sido previamente notificada da realização de tais diligências, e de o instrutor ter procedido à inquirição de testemunhas por si arroladas sem a presença da arguida ou do seu advogado constituído. E na verdade, vê-se do processo disciplinar apenso que, numa primeira fase, o instrutor procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela defesa sem ter notificado previamente a arguida, ora recorrente, da realização de tais diligências. Há, porém, que atentar, como refere a decisão impugnada, que, justamente na sequência de requerimento do advogado da arguida a alertar para tal omissão
(fls. 657 do processo administrativo), o instrutor do processo ordenou a reinquirição das testemunhas ouvidas sem a presença da arguida ou do seu mandatário, ordenando que este fosse notificado da realização das novas inquirições (fls. 698 a 727 e 756 do processo administrativo). O mandatário da arguida, devidamente notificado para o efeito, esteve presente a algumas dessas reinquirições, e se noutras não esteve foi porque o entendeu desnecessário. Afigura-se de todo irrelevante que os primeiros depoimentos tenham ficado nos autos, na medida em que, com a reinquirição das testemunhas foi dada oportunidade à defesa para contrariar o conteúdo daqueles depoimentos, e carrear aos autos novos elementos probatórios. Em nada se julga afectado, por tal circunstância, o direito de audiência e defesa da arguida, que cremos ter sido, como bem se decidiu, integralmente assegurado.
É pois inequívoco que a irregularidade consistente na inicial inquirição das testemunhas indicadas pela defesa sem prévia notificação da arguida ou do seu mandatário foi posteriormente sanada através da integral repetição das diligências com observância da aludida formalidade'. Todas as diligências foram pois efectuadas, contrariamente ao alegado pela recorrente, tendo sido ouvidas todas as testemunhas, dilectas ou não da acusação. Não subsiste, assim, qualquer razão para falar em inquirições 'à revelia' da defesa ou feitas 'nas suas costas', nem se vê fundamento para a afirmação da recorrente de que o instrutor teria condicionado, restringido e pressionado, de forma inadmissível (que se não concretiza nem objectiva) as testemunhas apresentadas.'
Não se contra-argumentou no acórdão recorrido, relativamente à tal argumentação 'a contrario sensu' - que só uma cuidadosa leitura do texto das alegações poderia revelar - sugerida pela recorrente ao redor do artigo 61º, nº
7, ora em causa, nem havia que o fazer. Com efeito, o acórdão analisou 'se houve falta de audiência e defesa do arguido, ou se foi preterida alguma diligência requerida pela defesa' e, neste plano, considerou que não foi afectado esse direito de audiência e defesa e que 'a irregularidade consistente na inicial inquirição das testemunhas indicadas pela defesa sem prévia notificação da arguida ou do seu mandatário foi posteriormente sanada através da integral repetição das diligências com observância da aludida formalidade', dando-se por esta via resposta à posição da recorrente, resposta que não cabe nos poderes deste Tribunal Constitucional censurar (e sem que - registe-se desde logo - houvesse necessidade de trazer à colação qualquer questão de inconstitucionalidade para rebater a argumentação 'a contrário sensu' marginalmente indicada pela recorrente).
Como não se pode, assim, dar como verificado que a recorrente suscitou durante o processo de modo apropriado e adequado uma questão de inconstitucionalidade reportada a normas do Estatuto Disciplinar em causa, falece um dos requisitos específicos do recurso de constitucionalidade fundado na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, o que leva a que se não possa tomar conhecimento do presente recurso.
3. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85//89, de 7 de Setembro.