Imprimir acórdão
Processo n.º 84/14
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(…)
O arguido interpôs recurso para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos do artigo 70º n.º 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redação que lhe foi dada pela Retificação n.º 10/98, de 23/05, para o que estão em tempo e têm legitimidade — cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), 72º e 75º da citada Lei 28/82 com aquela alteração.
O presente recurso fundava-se – e funda-se – no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70ºacima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer – cfr. artigo 72º, n.º 2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade o recorrente invocou nos termos e pelos fundamentos infra invocados, e que aqui por brevidade se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães ao interpretar as disposições conjugadas nos art.º 374º n.º 1 e 379º n.º 1 alínea a) por remissão do disposto no artigo 425º n.º 4, 428º e 431º, todos do Código de Processo Pena1 no sentido de ser suficiente o reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1.ª Instância, a exposição de meras reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas, viola os imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
Em primeiro lugar cumpre referir que a única conclusão que parece poder retirar-se da douta decisão sumária é que a matéria em causa não tem dignidade constitucional, não carece de conhecimento quanto aos invocados erros de aplicação, baseados em interpretação normativa inconstitucional pelo Venerando Tribunal da Relação, sendo que os pressupostos formais elencados na LTC se mostram cumpridos, porém sem êxito.
Com este entendimento não podemos obviamente concordar.
O Venerando Tribunal da Relação, ao fazer um reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1ª Instância com exposição de meras reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas, não fundamenta devidamente a sua decisão, nem esclarece o processo lógico mental de convicção que lhe permitiu chegar àquelas conclusões, não habilitando ou possibilitando ao Recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.
Os arguidos, têm que ter uma resposta às questões de facto e direito por si colocadas, pois é exatamente de uma resposta que os sujeitos processuais esperam do tribunal num Estado de Direito Democrático, e é essa resposta que é imposta ao tribunal pelos supra referidos normativos.
Além disso, e ao contrário do que resulta da douta Decisão Sumária, é precisamente ao elaborar a decisão, ao entender ser suficiente o reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1ª Instância, com a exposição de meras reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas, que o Tribunal da Relação de Guimarães faz uma interpretação inconstitucional dos art.º 374º n.º 1 e 379º nº 1 alínea a) por remissão do disposto no artigo 425º n.º 4, 428º e 431º, todos do Código de Processo Penal, por violação dos imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, cremos que todos os requisitos de admissibilidade do Recurso de Constitucionalidade foram respeitados, pelo que se impunha o conhecimento e apreciação do objeto do Recurso.
Se assim não for entendido, salvo o devido respeito, parece-nos que a presente decisão anda ao arrepio do que tem vindo a ser entendido na jurisprudência deste Colendo Tribunal Constitucional que por diversas vezes tem repetido que “O direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.”
Assim sendo e face ao exposto, o recurso não deveria ter sido rejeitado tendo o citado Acórdão violado, consequentemente o disposto nos art. 32º, nº 1 e 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como, o disposto no citados art.º 374º n.º 1 e 379º n.º 1 alínea a) por remissão do disposto no artigo 425º n.º 4, 428º e 431º, todos do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, deverá ser conhecido o objeto do recurso por esta conferência, sendo a final o recurso procedente e declarando-se inconstitucional a interpretação dada às disposições conjugadas no art.º 374 n.º 1 e 379º n.º 1 alínea a) por remissão dos artigos 425º n.º 4, 428º e 431º, todos do Código de Processo Penal no sentido de ser suficiente o reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1ª Instância com reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas, por violação dos imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
(…)»
3. O Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação deduzida.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de dezembro de 2013, pretendendo ver apreciada a interpretação que nele foi feita “no sentido de ser suficiente para cumprimento do disposto nas disposições conjugadas nos artigos 374.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, alínea a), por remissão do disposto no artigo 425.º, n.º 4 e os artigos 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal, o reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1.ª instância com meras reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas, por violação dos imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa”.
2. Nos presentes autos, foi o ora recorrente condenado, por acórdão proferido em 17 de maio de 2013 pelo tribunal coletivo da Vara de Competência Mista de Braga, na pena de dois anos e seis meses de prisão pelo cometimento em autoria material de um crime de furto qualificado. Inconformado, interpôs recurso em matéria de facto e de direito, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão com data de 4 de novembro de 2013. No que concerne a impugnação da matéria de facto, considerou o tribunal o seguinte:
«(…)
Os tribunais da relação conhecem dos recursos em matéria de facto e em matéria de direito (artigos 427.º e 428.º do Código de Processo Penal) e a decisão sobre a matéria de facto pode ser alvo de recurso em dois planos bem distintos:
Uma primeira forma de colocar em crise a decisão de facto consiste na alegação de um dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Neste caso, também de conhecimento oficioso, o objeto de apreciação encontra-se bem delimitado: trata-se de analisar apenas a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normais de experiência comum. O arguido recorrente não suscita, nem agora vislumbramos que se verifique, qualquer um dos vícios decisórios previstos no citado artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.
Num segundo plano, este já de “verdadeiro recurso em matéria de facto”, a análise não se limita ao texto da decisão e envolve a apreciação da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento. Ainda assim, o recurso não pressupõe nem se destina a uma reapreciação global de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorretamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente. Isto resulta da constatação que o “verdadeiro” julgamento de facto se faz na primeira instância, onde existe integral observância da imediação. Como tem sido frequentemente sublinhado, só a receção direta da prova na audiência de julgamento permite a formulação das questões pertinentes, a conjugação das razões de ciência e a captação completa de alguns fatores essenciais para a fiabilidade de um depoimento, como sejam as reações, as reticências, os olhares e as mímicas de uma testemunha.
Neste âmbito, impõe-se ao recorrente que proceda à delimitação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e à indicação das concretas provas que impõem decisão diversa e ainda, se for o caso, das provas que devem ser renovadas, com indicação concreta das passagens dos suportes de gravação em que se funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal).
(...)
No caso vertente, o recorrente omitiu completamente, quer na motivação quer nas conclusões, a referência aos segmentos em concreto dos suportes de gravação, de que não faz qualquer transcrição e limita-se a impugnar todo o conjunto da matéria de facto provada relevante para eventual preenchimento dos elementos do tipo e crime, oferecendo a apreciação do teor da todas as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento.
Apesar da deficiente indicação e concretização das concretas provas que imporiam decisão diversa da adotada, será possível, ainda assim, garantir a apreciação da pretensão do arguido.
(...)
Afirma repetidamente o arguido no recurso, que não foram recolhidas quaisquer provas materiais e os depoimentos das testemunhas não permitem atribuir a autoria do crime.
Vejamos.
Como é sabido, a prova segura dos factos relevantes pode resultar de declaração confessória, testemunho ou outro meio de comprovação imediata e direta dos eventos materiais mas ainda de uma raciocínio lógico e dedutivo com base em factos ou acontecimentos “instrumentais” ou “circunstanciais”, alcançados a partir de provas diretas (testemunhais, periciais, documentais, etc) e sob plena observância dos requisitos de validade do procedimento probatório, mediante a aplicação de regras gerais empíricas ou de máximas da experiência, ou seja de normas de comportamento humano extraídas a partir da generalização de casos semelhantes – ou com base em conhecimentos técnicos ou científicos, comummente aceites (artigos 124.º a 127.º do Código de Processo Penal e quanto à utilização de presunções como meios lógicos ou mentais para a descoberta dos factos, os artigos 349.º e 351.º do Código Civil).
A questão suscitada nestes autos consiste assim fundamentalmente em saber se a conjugação dos indícios decorrentes da prova testemunhal (em síntese, houve seguramente uma pessoa que entrou pela janela na casa do ofendido e daí retirou os bens descritos) e do relatório de exame pericial poderá fundamentar o juízo probatório como se encontra definido no acórdão recorrido.
Na sequência de anterior acórdão deste mesmo tribunal, foi completada fundamentação do relatório de exame pericial aos vestígios lofoscópicos existentes numa caixa metálica em 19/05/2011 se encontrava em cima de um móvel camiseiro no quarto de dormir da morada do ofendido. O relatório pericial resultante agora da conjugação dos elementos constantes de fls 18, 19 e 235 a 328 contém os critérios de natureza científica e os elementos extraídos da observação direta e experimental do caso concreto que permitem compreender o juízo técnico e científico segundo o qual os vestígios recolhidos na caixa existente no quarto do ofendido foram produzidos pelo dedo anelar da mão esquerda do arguido A..
Será de notar a este propósito que os peritos identificaram a coincidência de treze pontos característicos, correspondentes a uma impressão nítida e a um nível considerado como de “certeza absoluta”.
As conclusões constantes deste relatório, intitulado demonstração gráfica de identidade de um vestígio por prova lofoscópica, assumem o valor inequívoco de prova pericial e presumem-se subtraídas à livre apreciação do juiz, devendo a divergência ser fundamentada (art.º 163.º n.º 1 e n.º 2 do Código do Processo Penal).
Como já repetido nos autos, a existência de uma impressão digital uma pessoa faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão, não obviamente da participação do sujeito no facto criminoso e pode ser encarada como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
No caso vertente, os vestígios digitais foram recolhidos de uma caixa metálica existente no interior da residência. Esta caixa, segundo a prova testemunhal, encontrava-se entre os objetos remexidos na ocasião pela pessoa que ali entrou pela janela; É assim dado seguro que o arguido segurou ou pelo menos tocou com a sua mão nessa caixa. Não se consegue vislumbrar, qualquer circunstância suscetível de fazer compreender a presença consentida do arguido na casa de morada do ofendido e a sugestão do recorrente de uma eventual “recetação” dos óculos pelo ofendido, não passa de uma hipótese destituída de razoabilidade.
Não se alcança que mais o tribunal poderia fazer para encontrar um “contraindício” neste âmbito.
Assim, sendo inequívoca a inexistência de qualquer outra explicação plausível para a presença nessa caixa das impressões digitais do arguido, consideramos que os indícios recolhidos, sendo graves, precisos e concordantes, uma vez conjugados à luz de regras normais de vivência comum, permitem concluir que foi o arguido a pessoa que, de uma forma necessariamente consciente e deliberada, sem o conhecimento e contra a vontade do dono, entrou na residência do ofendido, percorreu diversas divisões e daí retirou, fazendo-os seus, a quantia em dinheiro, os computadores portáteis e o par de óculos de visão, tal como enunciado na decisão da matéria de facto provada.
Por fim, improcede igualmente a argumentação do recorrente no segmento em que reclama a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Segundo este princípio, que constitui corolário do princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32.º n.º 2 da CRP e é unanimemente reconhecido como princípio fundamental do direito processual penal, o tribunal deve sempre decidir a favor do arguido se não se encontrar convencido da verdade ou falsidade de um facto, isto é, se permanecer em estado de dúvida sobre a realidade do mesmo (numa situação de non liquet).
Ou seja, para que se coloque a questão de eventual aplicação do princípio, torna-se necessário que o tribunal se encontre numa situação de dúvida e só existe violação do princípio se, perante uma situação assumidamente de dúvida, se decida sem ser a favor do arguido.
No caso concreto, em lado algum transparece que o tribunal recorrido tenha enfrentado uma situação de dúvida quanto à ocorrência dos factos que julgou provados.
Nestes termos, não pode afirmar-se ter havido violação do princípio in dúbio pro reo. Sendo certo que, examinada a prova pericial e testemunhal, também agora não se nos suscita dúvida que justifique a aplicação daquele princípio.
(...)»
Inconformado, o recorrente arguiu a nulidade do acórdão transcrito, tendo aí suscitado a inconstitucionalidade da interpretação normativa que integra o objeto do presente recurso. Em acórdão de 17 de dezembro de 2013, o tribunal recorrido indeferiu o requerido, avançando, entre outros, os seguintes fundamentos:
«(...)
3. O requerente afirma que este tribunal não respondeu especificadamente aos argumentos invocados na motivação, não reanalisou a prova produzida, nem reapreciou a prova no sentido de formação de uma convicção própria sobre a matéria de facto.
Apesar de afirmar que a omissão e falha grave atingiu a maioria das questões de facto e de direito vertidas nas conclusões, o arguido não indica um só desses temas ou problemas em concreto que não obtiveram resposta deste tribunal de recurso. Salvo o devido respeito, a argumentação genérica, baseada apenas em alegações imprecisas, sem qualquer referência concreta com qualquer segmento do acórdão em censura, revela bem a absoluta ausência de fundamento sério para a presente arguição de nulidade.
Com efeito, a leitura do texto do acórdão, designadamente de p. 7 a p. 11 evidencia que estes juízes da Relação procederam ao exame de todos os elementos de prova disponíveis, e com base numa reponderação crítica da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção, formaram um juízo probatório próprio quanto a toda a matéria de facto impugnada, seguindo critérios de razoabilidade e regras elementares de vivência comum que enunciaram no próprio texto.
O que este Tribunal fez, apesar de o arguido, ao elaborar a motivação de recurso, não ter cumprido o ónus que lhe era imposto pelo disposto no artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal, omitindo a delimitação dos concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados e a indicação das concretas provas que impunham uma decisão diferente, limitando-se na motivação do recurso a impugnar todo o conjunto da matéria de facto provada relevante para eventual preenchimento dos elementos do tipo de crime e a indicar o teor de todas as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, como se houvesse de repetir o julgamento efetuado em primeira instância.
O reexame crítico da prova deste tribunal encontra-se claramente explicitado em termos compreensíveis no acórdão, quanto a todas as questões que tinham sido suscitadas nas conclusões de recurso.
(...)
A circunstância de a convicção do tribunal de recurso coincidir a final com a do tribunal recorrido – bem diferente de uma outra que o arguido seguiria se se julgasse a si próprio – não lhe retira a natureza de autónoma e diferenciada. Embora afirme o contrário, o aqui requerente esquece que o “julgamento” a efetuar em 2.ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso (nomeadamente, só são apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente).
(...)
Resulta do exposto que o acórdão destes autos não se fundamenta em qualquer dimensão normativa que restrinja ou menorize a aplicação do dever de ponderação especificada e autónoma dos argumentos e dos pontos de facto indicados pelo recorrente, nos termos definidos designadamente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 116/07, nos termos definidos designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-2008, Rel. Cons. Henriques Gaspar, proc. 08P2894, in www.dgsi.pt. Na realidade, a interpretação do disposto nos artigos 127.º e 412.º, n.º 3 e n.º 4, ambos do CPP que este tribunal observou no acórdão destes autos não contende com nenhum princípio ou norma da Constituição da República Portuguesa.
Por fim, impõe-se notar que o requerente não especifica, e também não vislumbramos, em que segmento do acórdão existe obscuridade ou ambiguidade que necessite de esclarecimento ou de aclaração: o texto do acórdão contém a apreciação quanto a todas as questões suscitadas no recurso e permite compreender o processo lógico e racional que conduziu à decisão. Não carece assim de melhor fundamento.
(...)»
3. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Ora, não é isso que sucede no presente caso. Independentemente da tempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade que integra o objeto do recurso, avulta claramente que tal questão não assume recorte normativo, extravasando, por conseguinte, o objeto de controlo inerente ao nosso modelo de justiça constitucional. Com efeito, no cerne da discórdia urdida pelo recorrente está, tão-só, o problema da insuficiência da fundamentação vertida na decisão recorrida, conclusão, aliás, coonestada pelo tipo de preceitos de direito infraconstitucional que o recorrente reputa desconformes com o parâmetro normativo-constitucional.
Mesmo que fosse de reconhecer natureza normativa à questão levantada – o que não se concede – certo é que de imediato se erguem outros obstáculos à admissibilidade do presente recurso. Isto porque a “interpretação” recortada pelo recorrente ao longo da sua intervenção processual não tem qualquer respaldo nos autos, e não foi, portanto, ratio decidendi do acórdão recorrido. O mesmo é dizer que de nenhuma das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães decorre que o reexame da prova produzida se basta com a mera “reprodução” do entendimento do tribunal a quo ou com o emprego de “formulações tabelares e genéricas”. Estas são já asserções eivadas de subjetividade, e que não têm a mínima correspondência com a análise a que ali se procedeu.
Destarte, há que concluir no sentido de que não se encontram preenchidos os pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
5. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Ao contrário do que sugere o reclamante, subjacente à decisão de que agora se reclama não esteve qualquer conclusão quanto à “dignidade constitucional” das matérias em causa. Sucede simplesmente que, não tolerando o nosso modelo de justiça constitucional a figura do recurso de amparo, o objeto do controlo assenta necessariamente em normas jurídicas ou em segmentos normativos delas extraídos. De fora fica, portanto, a atividade jurisdicional de ponderação do caso concreto, maxime, a suficiência da fundamentação veiculada ou do reexame da prova produzida em juízo, que é precisamente aquilo que, no presente caso, o ora reclamante pretende ver escrutinado por este Tribunal.
Acresce que, talqualmente veiculado na decisão sumária, outra conclusão sobre o caráter normativo da questão levantada pelo então recorrente não teria qualquer repercussão sobre o juízo de não conhecimento do objeto do recurso. Isto porque nenhum dos acórdãos proferidos pelo tribunal recorrido adotou a “interpretação” enunciada pelo reclamante no seu requerimento de recurso, ou seja, de nenhum deles resulta um entendimento dos artigos 374.º, n.º 1 e 379.º n.º 1, alínea a), por remissão dos artigos 425.º, n.º 4, 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal, “no sentido de ser suficiente o reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1.ª instância com reproduções do entendimento do Tribunal a quo e formulações tabelares e genéricas”.
Tanto basta para que se reafirme o não preenchimento, in casu, dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 25 de março de 2014.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.