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Proc. nº 684/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A... e O... instauraram, junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, acção sumária de despejo contra J... e M..., invocando necessidade do imóvel arrendado para habitação de um descendente, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.
O Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por sentença de 17 de Outubro de 1996, julgou a acção procedente.
Os réus interpuseram recurso da sentença de 17 de Outubro de 1996 para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando a inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 7 de Outubro de 1997, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
2. J... e M... interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão de 7 de Outubro de 1997, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano.
Junto do Tribunal Constitucional os recorrentes apresentaram alegações que concluiram do seguinte modo: a) O objecto do presente recurso circunscreve-se à inconstitucionalidade/
/ilegalidade de parte do art. 69º, nº 1, al. a) do R.A.U.
b) O recorrente entende que é inconstitucional/ilegal a possibilidade de denúncia do contrato de arrendamento com fundamento em necessidade do locado para descendentes em primeiro grau do senhorio.
c) O regime do arrendamento urbano é matéria de reserva relativa de competência legislativa (art . 165, nº 1 al. h) da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA).
d) O Governo para legislar sobre o regime do arrendamento necessita de uma lei de autorização.
e) Os decretos-lei autorizados devem subordinação às correspondentes leis de autorização.
f) Em conformidade o DL. 32l-B/90 de 15 de Outubro deve obediência à lei 42/90 de 10 de Agosto.
g) As leis de autorização não devem ser 'cheques em branco' passados ao governo.
h) Os decretos-lei autorizados devem obedecer aos limites materiais, temporais e formais fixados pelas leis de autorização.
i) A Assembleia da República não autorizou o Governo a legislar de modo a ampliar a possibilidade de denúncia por parte do senhorio.
j) Ao contrário, a Lei 42/90 de 10/8 impunha como limite, ao legislador governamental, a manutenção das regras socialmente úteis que tutelam a posição de arrendatário.
l) O DL. 32l-B/90 extravasou os limites impostos pelo legislador da Assembleia da República.
m) O juiz da primeira instância e da Relação ao subsumirem a situação dos autos ao art. 69º, nº 1 al. a) do R.A.U., aplicou uma norma inconstitucional/ilegal.
n) O arrendatário é titular de direitos, direitos esses adquiridos numa relação locatícia anterior que por sua vez devem ser salvaguardados, tendo em conta o Princípio da Proporcionalidade e da Segurança Jurídica.
o) A aplicarmos o art. 69º, nº 1, al. a) do R.A.U., na parte em causa, provocar-se-ia uma enorme incongruência do sistema.
Por seu turno, os recorridos contra-alegaram, tendo tirado as seguintes conclusões:
1. O Acórdão da Relação do Porto ao dar como improcedente a Apelação interposta pelos recorrentes não violou qualquer norma;
2. Ao julgar não haver inconstitucionalidade na aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 69º da R.A.U., decidiu de acordo com a justiça e o direito.
3. O Dec-Lei 321/3/90 não extravasou os limites impostos pela Constituição.3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
4. O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano. Tal preceito tem a seguinte redacção:
1. Sem prejuízo dos casos previstos no artigo 89º-A, o senhorio pode denunciar o contrato para o termo do prazo ou a sua renovação nos casos seguintes: Quando necessite do prédio para sua habitação, ou dos seus descendentes em 1º grau, ou para nele construir a sua residência.
O Tribunal Constitucional apreciou recentemente a conformidade à Constituição desta norma no Acórdão nº 127/98 (D.R., II Série, de 18 de Maio de
1998 e Rectificação nº 1121/98, D.R., II Série, de 28 de Maio de 1998).
Nesse aresto, o Tribunal considerou que a possibilidade conferida ao senhorio pela norma em apreciação de denunciar o arrendamento por necessidade de um seu descendente em 1º grau não está coberta pela autorização legislativa contida na Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, pois esta apenas habilitou o Governo a manter ou preservar as regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário e que constam da legislação vinculística em vigor, e a eliminar as que se revelam ?socialmente imprestáveis?. Em consequência, o Tribunal Constitucional julgou a norma contida no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano organicamente inconstitucional, por violação do artigo
168º, nº 1, alínea h), da Constituição.
É este o entendimento que agora se acolhe. Não suscitando o presente recurso qualquer questão nova que importe apreciar, remete-se a respectiva fundamentação para o citado Acórdão nº 127/98, concluindo-se que o artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165º, nº 1, alínea h), da Constituição.
III Decisão
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional a norma contida no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 5 de Outubro, na parte em que refere os descendentes em 1º grau do senhorio, concedendo provimento ao recurso e revogando, consequentemente, a decisão recorrida de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Junho de 1998 Maria Fernanda Palma Artur Maurício Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida (vencido, nos termos do voto junto ao Acórdão n 127/98) Paulo Mota Pinto (vencido nos termos da declaração de voto que junto) José Manuel Cardoso da Costa (vencido como no Acórdão nº 127/98) Declaração de voto Votei vencido pelas razões que se seguem:
1. A meu ver, o Governo dispunha de autorização legislativa bastante para alterar o regime do arrendamento urbano no sentido de prever a possibilidade de denúncia do contrato pelo senhorio por necessitar do prédio, não só para sua habitação, mas dos seus descendentes em 1º grau, autorização, essa, resultante, se não da alínea b) do artigo 2º da Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, pelo menos da alínea a) deste artigo. Na verdade, o Governo ficou autorizado, nos termos desta alínea a), a codificar os diplomas existentes no domínio do arrendamento urbano, por forma a solucionar dúvidas de entendimento ou de aplicação. O Acórdão deste Tribunal n.º 311/93
(publicado no Diário da República, n.º 170, de 22 de Julho de 1993) julgou constitucional a referida lei de autorização legislativa, salientando que o legislador ficou habilitado a clarificar e solucionar as dúvidas que a aplicação dos textos legais havia posto a descoberto (sendo irrelevante a qualificação pela doutrina da disposição como inovadora). Ora, é pacífico que no apuramento das necessidades do senhorio para sua habitação se tem que tomar em conta as necessidades da sua família (existindo decisões que, para o conceito de família relevante, remetem para o artigo 1040º, n.º 3 do Código Civil – v., por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Fevereiro de 1980, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano V, 1980, tomo I, 1980, p. 44). A preocupação com as necessidades de habitação resultantes da família do senhorio não é, pois, nova. Parece-me claro, todavia, que se não existisse, anteriormente à denúncia, qualquer vínculo de economia comum entre os familiares e o senhorio (ou, pelo menos, residência sob o mesmo tecto deste), não se poderia considerar verificada a necessidade deste do prédio para habitação do senhorio. Mas já a hipótese de existência de elo de economia comum à data da denúncia, que se quebrará na sequência desta, concomitantemente com a saída dos descendentes para ocuparem o prédio e fazerem vida à parte, deveria, em minha opinião, ter sido considerada duvidosa, (neste sentido, Jorge Aragão Seia, Arrendamento Urbano – Anotado e Comentado, Coimbra, 1997, págs. 390-391 e a declaração de voto do Conselheiro Vítor Nunes de Almeida no Acórdão n.º 127/98, publicado no Diário da República de 18 de Maio de 1998; e cfr., ainda , o citado Acórdão da Relação do Porto de
1980, que considera não ser necessária a existência de uma economia comum entre o locador e seus parentes, mas apenas que vivam sob o mesmo tecto). Pelo que, logo pela alínea a) do artigo 2º da citada Lei n.º 42/90, o Governo ficou, a meu ver, autorizado a esclarecer que, nestes termos (ou seja, quando existisse residência sob o mesmo tecto ou economia comum anteriormente à denúncia), o senhorio pode denunciar o contrato por necessitar do prédio para sua habitação ou dos seus descendentes (devendo, se necessário, efectuar-se a correspondente interpretação restritiva da disposição do artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Regime do Arrendamento Urbano).
2. Creio, porém, que o correcto entendimento das alíneas b) e c) do referido artigo 2º haveria de conduzir a idêntica solução – ou que, pelo menos, não constitui obstáculo decisivo a ela. Segundo a alínea b), o legislador ficou habilitado a simplificar o regime relativo à cessação do contrato de arrendamento, de modo a facilitar o funcionamento desta cessação. Esta disposição não pode, em meu entender, ter um alcance meramente processual, devendo dizer respeito a aspectos verdadeiramente substantivos do regime da cessação do contrato de arrendamento, uma vez que apenas para estes existe necessidade de autorização legislativa (como se salientou no n.º 2 do referido Acórdão n.º 311/93). Trata-se, pois, de uma autorização para, simplificando as regras substantivas aplicáveis, facilitar o funcionamento da cessação do contrato de arrendamento urbano. Ficam-me, todavia, dúvidas sobre a legitimidade de um entendimento segundo o qual tal simplificação poderia comportar a eliminação de obstáculos ao funcionamento da cessação do contrato, ou, mesmo, o alargamento dos seus pressupostos.
3. De todo o modo, parece-me claro que a norma do artigo 69º, n.º 1, alínea a), respeita a directriz constante da alínea c) desse artigo, de 'preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário', com o sentido, que para ela foi precisado pelo Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º
311/93, 'de que o Governo ficou credenciado para eliminar as regras que, visando embora a defesa do arrendatário, no entanto se revelavam socialmente imprestáveis, designadamente porque subvertiam princípios basilares do ordenamento jurídico ou tratavam desigualmente os contraentes sem que para tanto houvesse fundamento material.' Designadamente, não creio que se possa divisar nessa alínea c) uma prescrição de manutenção de todas e cada uma das concretas regras do regime anterior do arrendamento urbano que fossem favoráveis ao arrendatários - este entendimento, restritivo e diverso do adoptado anteriormente pelo Tribunal (e antes defendido apenas em declarações de voto de vencido) não considera, a meu ver, a limitação desta alínea c) às regras
'socialmente úteis' e conduz a uma contradição inevitável do legislador, entre as alíneas b) e c) do artigo 2º da Lei n.º 42/90 (uma vez que a facilitação do funcionamento da cessação do contrato, ainda que através da mera simplificação das suas regras substantivas, teria de se considerar violadora da referido imperativo legal de manutenção das concretas regras favoráveis ao arrendatário). Não penso, pois, que pudesse resultar da alínea c) do artigo 2º da Lei n.º 42/90 qualquer obstáculo ao artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Regime do Arrendamento Urbano. Entendendo que esta norma estava coberta pela autorização legislativa nos termos da alínea a) do artigo 2º da Lei n.º 42/90, não a teria julgado organicamente inconstitucional. Paulo Mota Pinto