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Proc. nº 163/98
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. M. e outros demandaram, perante o Tribunal do Trabalho de Lisboa, o ESTADO PORTUGUÊS e a C...,EP, em liquidação, pedindo a condenação dos réus no pagamento de indemnização por despedimento e de importâncias correspondentes à remuneração durante o período de aviso prévio em falta e à correcção do valor da moeda.
No despacho saneador, a Meritíssima Juíza do 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, julgando 'procedente a excepção de prescrição invocada pelos réus', absolveu os réus do pedido.
O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso interposto pelos Autores, confirmando a decisão recorrida.
2. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de constitucionalidade, fundado na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que a decisão recorrida teria aplicado implicitamente a norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, já declarada inconstitucional com força obrigatória geral.
O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido, com fundamento em que, atento o valor atribuído à causa ? 17 867 126$00 ?, não estavam ainda esgotadas todas as instâncias de recurso ordinário.
3. Os recorrentes apresentaram reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, alegando nomeadamente:
'Com efeito, o que o nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, estabelece é que apenas se pode recorrer para o Tribunal Constitucional de decisões que não admitam recurso ordinário (por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam), mas apenas quanto aos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do mesmo artigo 70º. Ora os recorrentes interpuseram o recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pelo que, manifestamente, o recurso interposto não cabe na previsão do nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82'.
4. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a presente reclamação deve ser atendida por se encontrarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.
II
5. Os reclamantes fundaram o seu recurso na alínea g) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por considerarem que o acórdão recorrido aplicou norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, ou, dito de outro modo, por considerarem que o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão contrária ao acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional.
Resulta expressamente do nº 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que não recai sobre o recorrente, quanto a este tipo de recurso, o ónus de esgotar os recursos ordinários ? como sucede relativamente aos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1.
Na verdade, o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pode funcionar como um recurso directo. À parte interessada é permitido optar entre esgotar todos os recursos ordinários à sua disposição antes de recorrer para o Tribunal Constitucional e interpor de imediato o recurso de constitucionalidade.
6. Por outro lado, para apurar se se encontram preenchidos os pressupostos de admissibilidade deste recurso de constitucionalidade, importa verificar se a decisão de que se pretende recorrer aplicou norma anteriormente julgada inconstitucional.
Compete ao Tribunal Constitucional determinar o sentido das suas declarações de inconstitucionalidade. Ora este Tribunal foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se sobre a questão que está em discussão nos presentes autos ? a interpretação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, constante do acórdão do Tribunal Constitucional nº
162/95 (publicado no Diário da República, I Série- A, nº 106, de 8.5.1995).
No acórdão nº 513/97 (ainda inédito), o Tribunal considerou que a norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, foi aplicada pela decisão recorrida, na medida em que nesta se entendeu que 'o prazo prescricional de um ano, aplicável aos créditos que os recorrentes pretendiam fazer valer em juízo, já se tinha esgotado à data da propositura da acção, que foi posterior à data da publicação da declaração de inconstitucionalidade'.
O Tribunal Constitucional decidiu então que tal entendimento não corresponde ao sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade contida no mencionado acórdão nº 162/95 e explicitado no acórdão nº 528/96 (publicado no Diário da República, II Série, nº 165, de 18.7.1996).
Em acórdãos posteriores foram reafirmadas estas conclusões (por exemplo, nos acórdãos nºs 195/98 e 296/98, ainda inéditos).
É essa jurisprudência que aqui se reitera. Na verdade, de acordo com a explicitação contida no acórdão nº 528/96, 'o alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade constante desse acórdão [o acórdão nº 162/95] é o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas C.... e C... ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo'.
7. O objecto do pedido dos reclamantes nos presentes autos é precisamente o direito a uma indemnização por despedimento. O acórdão da Relação aplicou, ao menos implicitamente, a norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto--Lei nº 137/85, de 3 de Maio, declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo acórdão nº 162/95. Ao considerar que 'procede a excepção peremptória da prescrição dos créditos peticionados' e ao negar o pagamento da importância correspondente à indemnização por despedimento, o acórdão de que se pretende recorrer não teve em conta o sentido e alcance daquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Tanto basta para que se considere preenchido o pressuposto processual típico deste recurso de constitucionalidade.
III
8. Em face do exposto, atende-se a presente reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 23 de Junho de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa