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Processo n.º 567/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. F... e M..., tendo deduzido impugnação judicial contra o acto de fixação da matéria tributável de IRS respeitante ao ano de 1991, viram o pedido ser liminarmente indeferido, por despacho de 18 de Janeiro de 1996, do Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que os condenou em custas, com taxa de justiça que, uma vez liquidada, importou em 54.727$00.
Apresentada reclamação, a Juiz, por despacho de 18 de Junho de 1997, depois de julgar inconstitucional 'a norma do artigo 3º do Decreto-Lei n.º
199/90, de 19 de Junho, e tabelas I e II a ele anexas', ordenou que, na elaboração da conta, se observasse, no que respeita à taxa de justiça, a tabela anexa ao artigo 13º do Código das Custas Judiciais de 1996.
2. É deste despacho, de 18 de Junho de 1997, que vem o presente recurso, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da 'norma do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, conjugada com as tabelas I e II a ela anexas'.
Neste Tribunal, alegou o Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício, formulando as seguintes conclusões:
1º. Não pode inferir-se do juízo de inconstitucionalidade ínsito no acórdão n.º
1.182/96 que toda a tabela I de custas anexa ao Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, seja materialmente inconstitucional, pelo facto de as custas devidas em certos processos tributários serem de valor mais elevado do que as que seriam devidas na jurisdição comum, em processos de função ou natureza análoga.
2º. Na verdade, importa ponderar, em termos concretos e casuísticos, qual o montante das custas devidas, formulando um juízo comparativo em função das tabelas anexas ao Código das Custas Judiciais e ao citado Decreto-Lei n.º
199/90, tendo em conta o valor da causa e a repercussão que o montante devido possa ter na efectividade prática do direito de acesso à justiça fiscal.
3º. Não pode considerar-se desproporcionado o estabelecimento de um montante de custas, devidas em processo de impugnação tributária e que foi julgada improcedente, de 54.727$00, sendo o valor da causa de 520.313$00 - e representando o agravamento das custas tributárias, numa acção desse valor, cerca do triplo do que corresponderia a processo, de idêntica natureza, que fosse instaurado perante os tribunais judiciais.
4º. Nestes termos, deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida.
O recorrido alegou para dizer que deve ser negado provimento ao recurso.
3. Dispensados os vistos, por se não tratar de questão nova, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. O objecto do recurso:
O objecto do recurso é constituído unicamente pela norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com a tabela I anexa, no trecho relativo à taxa de justiça correspondente a um processo de impugnação com o valor de 520.317$00.
De facto, embora a decisão recorrida tenha julgado inconstitucional
'a norma do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, e tabelas I e II a ele anexas', sem qualquer restrição, e o recorrente tenha indicado, como objecto do recurso, a 'norma do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, conjugada com as tabelas I e II a ela anexas', a verdade é que, tendo a condenação em custas sido proferida na 1ª instância, só a tabela I foi convocada para a determinação da taxa de justiça; e sendo de 520 317$00 o valor do processo de impugnação, só nesse trecho se fez dela aplicação.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. Este Tribunal, no acórdão n.º 352/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 19º, página 519), ponderou que o legislador goza de grande liberdade na fixação do montante das custas, pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata, mas acrescentou que essa liberdade tem um limite. E esse limite é o de que a justiça seja realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem necessidade de recorrer ao sistema de apoio judiciário, uma vez que o nosso ordenamento jurídico concebe este sistema como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor). E, por isso - disse também -, o legislador, ao fixar as custas judiciais, deve ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar incomportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito de acesso aos tribunais. As decisões legislativas nesta matéria, sendo embora sindicáveis ratione constitutionis, só, porém, deverão ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas, quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.
Mais recentemente, o Tribunal, no acórdão n.º 1.182/96 (publicado no Diário da República; II série, de 11 de Fevereiro de 1997), ao apreciar, num determinado segmento, a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do mencionado Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II a ele anexas - que julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade -, recordou a doutrina daquele aresto. Acrescentou que 'as custas judiciais não deixam de assumir, no processo de actuação dos agentes económicos, um papel similar ao dos 'custos de produção' - o que equivale a dizer que influenciam o comportamento desses agentes. Por isso
- disse -, 'se uma justiça fiscal eficaz potencia uma melhor tributação, a existência de custos irrisórios de utilização desta não deixa de potenciar uma menor eficácia da tributação' - e, consequentemente, do sistema fiscal. Mas, então - ponderou -, tendo em conta 'a especificidade do fenómeno jurídico' em torno do qual se desenvolve a controvérsia na jurisdição fiscal, as custas a pagar nos processos que aí correm termos não têm que corresponder às custas devidas noutras espécies de processos. No entanto - frisou -, 'não podem ser desproporcionalmente mais altas ou pôr em risco o acesso à justiça'.
5.2. Pois bem: como vai ver-se, in casu, a taxa de justiça, quando comparada com aquela que, em situação idêntica, teria que pagar-se numa acção cível, é 'desproporcionalmente' elevada.
De facto, sendo o valor da causa de 520.317$00, por aplicação da tabela I anexa ao Decreto-Lei n.º 199/90, corresponde-lhe uma taxa justiça de
82.090$00. E, como se trata de um processo de impugnação, cuja petição foi liminarmente indeferida - por força do que preceitua o artigo 9º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 449/71, de 26 de Outubro -, essa taxa de justiça é reduzida a dois terços - o que significa que o seu montante é 54.727$00, como atrás se referiu.
Ora, numa acção cível de igual valor, a taxa de justiça seria no montante de 28.000$00; e, como a acção terminou antes de proferido despacho a ordenar a citação, essa taxa de justiça - por força do que preceitua o artigo
17º, alínea a), do Código das Custas Judiciais - seria reduzida a um quarto - o que significa que seria de 7.000$00.
Há-de convir-se que existe uma considerável diferença entre uma taxa de justiça de 54.727$00 e uma de 7.000$00: aquela é mais de sete vezes superior a esta.
Uma tal diferença não encontra justificação na 'especificidade do fenómeno jurídico' em torno do qual gira a controvérsia nos processos atribuídos
à jurisdição fiscal.
A aplicação da referida tabela I conduz, em geral, a uma desproporção similar à que se deixa apontada. O facto de, nalgum caso, essa desproporção não ser tão significativa não justifica, por isso, que a norma sub iudicio seja julgada inconstitucional apenas em parte, e não na sua totalidade.
5.3. Conclusão: a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com a tabela I anexa, é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). julgar inconstitucional - por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade - a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho, com a tabela I anexa;
(b). em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão da inconstitucionalidade.
Lisboa, 4 de Fevereiro 1998 Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida