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Processo n.º 240/14
1ª Secção
Relator: Conselheiro João Pedro Caupers
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é reclamante A., por acórdão de 25 de junho de 2013 (fls. 366-369), o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu negar provimento aos recursos interpostos e confirmar a sentença proferida, em 19 de dezembro de 2012, pela 2.ª Vara das Varas de Competência Mista de Guimarães.
Com interesse para a presente decisão pode ler-se neste acórdão o seguinte:
«[…]
I. Começando pela questão da invocada falta de citação do réu A., vejamos o que ocorreu:
[...]
O referido Réu, é certo, não foi citado.
No entanto, fez chegar ao processo requerimento em que refere que tinha tomado conhecimento através da sua ex-mulher (a Ré B.) da instauração da presente acção, indicou a sua nova morada em Angola e pediu que lhe fosse dado conhecimento do processo para o poder contestar.
Isto significa que, não tendo sido citado, o Réu interveio no processo, denunciou a falta da sua citação e requereu o suprimento da irregularidade, indicando a sua nova residência em Angola, o que deu origem ao despacho de 24/04/2012, que considerou o Réu citado e ordenou a sua notificação para o endereço indicado com remessa de cópia dos articulados, como requeria.
E com efeito, quando a falta de citação é arguida pelo citando, como foi o caso através do referido requerimento, a notificação do despacho dispensa a renovação da citação, desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 235º, estabelece o artigo 198º-A do Código Processo Civil e a razão de ser desta norma consta do dito despacho e consiste na circunstância de, destinando-se a citação a dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele uma acção e se chama ao processo para se defender – artigo 228º, nº1 – tendo ele já conhecimento da existência da acção, nada justifica a sua citação, posto que lhe sejam entregues todos os elementos que a devem acompanhar que são os referidos no artigo 235º citado.
Foi o que sucedeu, conforme se retira de folhas 86, em que se dá conta da notificação do despacho que dispensou a citação, do conteúdo de folhas 2 a 66, ou seja, da petição inicial e dos documentos que a acompanham e bem assim o prazo para contestar, tudo por carta registada enviada para o endereço que o Réu informou ser a sua actual residência, como o impunha o artigo 255º, nº1 do Código de Processo Civil, sendo certo que a carta nunca foi devolvida ao tribunal, pelo que se terá de considerar o Réu como regularmente citado.
[…]».
Não se conformando com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, o ora reclamante interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 383-398) invocando, entre o mais, que «o entendimento de que o citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos dos artº. 235.º do Cód. Proc. Civil é inconstitucional, por violação do disposto no artº. 20.º da CRP».
Por acórdão de 3 de dezembro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça (através da formação de apreciação preliminar a que se refere o n.º 3 do artigo 721.º-A do Código do Processo Civil, então vigente) não admitiu a revista excecional com fundamento no não preenchimento de nenhum dos requisitos estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil, então vigente (fls. 432-438).
2. O ora reclamante interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) (fls. 451-453), mediante requerimento com o seguinte teor:
«[…]
A., recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a douta decisão que não admitiu o recurso que interpôs do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, pretende interpor recurso deste último para o Tribunal Constitucional, porquanto a douta decisão que não admitiu o recurso de revista excepcional é definitiva e insusceptível de recurso – cfr. artº.721-A, nº 4, do Cód. Proc. Civil, na redacção anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e artº. 672º, nº4, do Cód. Proc. Civil, redacção actualmente vigente.
O presente recurso prende-se com a interpretação dada pelas instância cíveis às disposições conjugadas dos artºs.198º-A e 235º do Cód. Proc. Civil, na redacção anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, segundo a qual o citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos dos artº. 235º do Cód. Proc. Civil é inconstitucional, por violação do disposto no artº. 20º da CRP.
Na situação em apreço, o recorrente, que vive e trabalha em Angola, país não subscritor da Convenção de Haia Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, situando-se a sua residência a centenas de quilómetros de Luanda, mais propriamente em ANTIGA ESTRADA DE CATETE, KM 50, MAZOZO, BENGO, ANGOLA.
O recorrente soube da existência do presente processo pela sua ex-mulher, que lhe comunicou que o tribunal andava a tentar encontrá-lo, tendo solicitado àquela que lhe desse os elementos para contactar o tribunal, o que fez, indicando a morada onde podia ser citado.
Logo no dia em que a sua carta chegou ao processo, o Tribunal de 1ª instância, sem mais, considerou o recorrente citado e mandou que lhe fosse enviada comunicação contendo os elementos referidos no artº.235º do Cód. Proc. Civil na redação anterior à Lei nº41/2013, de 26 de Junho
Tal notificação nunca chegou à posse do recorrente, encontrando-se tal facto demonstrado no processo, pois a notificação enviada para o recorrente em 26/04/2013, foi devolvida, tendo dado entrada no processo onde ainda hoje se encontra, sem que o signatário tenha sido notificado dessa devolução.
Apesar disso, o recorrente foi julgado sem poder apresentar qualquer defesa, mesmo depois de ter vindo a Portugal e contactado o signatário para ser citado pessoa deste.
No modesto entender do recorrente, um cidadão português a trabalhar e residir no estrangeiro, pelo simples facto de saber que corre termos um processo contra si e de, na impossibilidade de o fazer pessoalmente, contactar o tribunal por carta, no sentido de tentar saber o que necessita fazer para se defender, não pode ser considerado automaticamente citado e ficar desde logo sujeito as consequências jurídicas da citação.
Daí que o entendimento de que citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos dos artº.235º do Cód. Proc. Civil é inconstitucional, por violação do disposto no artº.20º da CRP.
O douto entendimento aqui em causa, que o recorrente contesta, padece do vício de inconstitucionalidade, por violação do disposto no nº1 do artº.20 da CRP, o qual foi invocado perante o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e perante o Supremo Tribunal de Justiça nas respectivas alegações e conclusões dos recursos.
O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 e nº2, do artº.70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, uma vez que a douta decisão recorrida não admite recurso – cfr. artº.70º, nº2 da L.O.T.C.
[…]».
Foi proferido pelo Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 464) despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, com a seguinte fundamentação:
«Não admito o recurso para o Tribunal Constituciona1, já que o recorrente não procedeu, como lhe impõem os artigos 70º e 75-A da Lei da Organização, Funcionamento e do TC (Lei nº28/82 de 15 de Novembro), à indicação das normas cuja inconstitucionalidade tivesse suscitado durante o processo e que tenham, por efectivamente aplicadas, sido determinantes para a decisão final.
Desde logo duas perplexidades: o pugnar pela não aplicação de normas (sem especificar quais) que reconhece serem inconstitucionais (ou que deveriam ter sido aplicadas).
E, e outra banda, arguir de inconstitucional uma deliberação quando tal vício só pode ser assacado a uma norma, seu segmento ou sua interpretação, quando efetivamente aplicadas - ou determinantes - do decidido.
Ademais, a simples invocação da Constituição da República, na parte reportada à função jurisdicional e à dogmática das decisões dos tribunais é um mero apelo a conceitos programáticos não reportados a quaisquer segmentos do Acórdão ora questionado.
Finalmente, e “last but not least”, este Colectivo/Formação (nº3 do artigo 721-A CPC) limita-se a verificar da presença dos requisitos do nº1 daquele preceito cuja inconstitucionalidade não foi suscitada nos termos acima referidos.
Irrelevante, em consequência, o aceno de eventuais violações de preceitos da lei fundamental».
3. Contra esta decisão foi apresentada a presente reclamação, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, onde se lê, entre o mais o seguinte:
«O recorrente interpôs recurso de uma douta sentença da 2ª Vara Mista de Guimarães, para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, na qual invocou a violação do disposto nos artº.s 247º, nºs.1, 2 e 3, 252º-A, nº4, 194º, 195º e 206º, nº1, todos do Cód. Proc. Civil, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei nº41/2013, de 26 de Junho.
O recurso supra referido não mereceu provimento, tendo o recorrente interposto recurso do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, com base na violação por aquela douta decisão do disposto nos artºs. 198º-A, 235º, 247º ou artº.254º, nº1, ex vi artº.255º, nº1, todos do Cód. Proc. Civil, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei nº41/2013, de 26 de Junho.
No recurso interposto para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente invocou também que o entendimento de que citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos dos artº.235º do Cód. Proc. Civi1 é inconstituciona1, por violação do disposto no artº.20º da CRP.
O Colendo Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de revista excepcional, ou seja, não conheceu do objeto do mesmo, pelo que o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constituciona1, o que fez nos seguintes termos:
[…]
O Exmº. Senhor Conselheiro-Relator não admitiu o recurso interposto pelo recorrente, com base, desde logo, no facto de o recorrente não ter indicado as normas cuja inconstitucionalidade tivesse suscitado no processo e que tenham, por efetivamente aplicadas, tenham sido determinantes para a decisão final.
Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, ao recorrente não está vedado o direito de indicar qual a interpretação das normas que, no seu entender, estiveram na base da decisão recorrida.
Com efeito, resulta dos autos, e do requerimento de interposição de recurso, a factualidade que, no modesto entender do recorrente, é subsumível nas normas que estiveram na base da douta decisão do Venerando Tribunal da Re1ação e Guimarães.
Ora, lendo a mesma, constata-se que ali são referidos expressamente os artºs. 198º-A e 235º do Cód. Proc. Civil, na redação anterior à Lei nº41/2013, de 26 de Junho, sendo a menção aos mesmos feita nos seguintes termos: “E com efeito, quando a falta de citação é arguida pelo citando, como o caso através do referido requerimento, a notificação do despacho dispensa a renovação da citação, desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no art.º 235º, estabelece o artº. 198º-A do Código Processo Civil e a razão de ser desta norma consta do dito despacho e consiste na circunstância de, destinando-se a citação a dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele uma ação e se chama ao processo para se defender – artº. 228º, nº1 – tendo ele já conhecimento da existência da ação, nada justifica a sua citação, posto que lhe sejam entregues todos os elementos que a devem acompanhar que são os referidos no artº. 235º citado.
Foi o que sucedeu, conforme se retira de folhas 86, em que se dá conta da notificação do despacho que dispensou a citação, do conteúdo de folhas 2 a 66, ou seja, da petição inicial e dos documentos que a acompanham e bem assim o prazo para contestar, tudo por carta registada enviada para o endereço que o Réu informou ser a sua atual residência, como o impunha o artº255º, nº1 do Código de Processo Civil, sendo certo que a carta nunca foi devolvida ao tribunal, pelo que se terá de considerar o Réu como regularmente citado (Sublinhado nosso)”.
A douta decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães foi proferida no dia 25/06/2012, sendo que, no dia 19/04/2012, mais de um mês antes da prolação da mesma, a carta ali referida tinha sido devolvida à 2ª Vara Mista de Guimarães, tudo como melhor se vê dos documentos adiante juntos sob os nºs.1 e 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Docs. nºs.1 e 2).
Não tendo o Colendo Supremo Tribunal de Justiça conhecido do recurso, o decisão do Venerando Tribunal da Re1ação de Guimarães, ainda não transitada, apenas poderia ser atacada pela via do presente recurso.
Acresce, ainda, que nos termos do disposto no nº5 do artº.75º-A da Lei Orgânica do Tribuna1 Constitucional, a não indicação dos elementos previstos em tal artigo implica a obrigação para o juiz de convidar o requerente a prestar tal indicação no prazo de 10 dias.
Assim, face ao supra exposto, requer seja deferida a presente rec1amação, com a subsequente admissão do presente recurso, tudo com as legais consequências.».
Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se (fls. 492-503) no sentido do indeferimento da reclamação dizendo, entre o mais, o seguinte:
«[…]
23. Ora, crê-se que assiste razão ao Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
Por um lado, a questão de constitucionalidade a que o recorrente se reporta, no seu recurso, não tem conteúdo normativo, tal como o exige jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional, limitando-se a uma referência vaga ao art. 20º da Constituição.
Por outro lado, o Acórdão recorrido não aplicou o art. 235.º do Código do Processo Civil, a que o Réu alude no seu recurso, pelo que esta disposição não integrou a ratio decidendi do mesmo Acórdão.
Com efeito, os motivos, que levaram à rejeição da revista excepcional, encontram-se na não verificação dos pressupostos de aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 721º-A do Código de Processo Civil.
[…]».
Considerando a hipótese de não se conhecer do objeto do recurso com fundamentos na não aplicação da interpretação normativa cuja sindicância se pretende como ratio decidendi da decisão recorrida e na não suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, foi determinada a notificação do reclamante para se pronunciar, querendo.
O reclamante respondeu sustentando, nomeadamente, o seguinte, referindo-se ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça:
«(…) Ora, salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, as razões da não apreciação do recurso por parte do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, porque nada tiveram a ver com a invocada inconstitucionalidade, não implicam que a mesma não possa ser conhecida.
Com efeito, se assim fosse, sempre que fosse invocada a inconstitucionalidade de uma norma ou de uma interpretação de uma determinada norma perante um tribunal de recurso, bastaria que este não conhecesse o mesmo, para que a questão de constitucionalidade não pudesse ser apreciada pelo Tribunal Constitucional».
Conclui de seguida (fls. 507) que uma tal tese configuraria “prevalência do direito adjetivo sobre o substantivo, o que contraria o próprio art.20º da CRP”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Como resulta do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, no qual se afirma que o recorrente, por não se conformar «com a douta decisão que não admitiu o recurso que interpôs do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, pretende interpor recurso deste último para o Tribunal Constitucional”, a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
O despacho reclamado fundamenta a decisão de não admissão do recurso na circunstância do recorrente não ter procedido à indicação das normas cuja inconstitucionalidade tivesse suscitado durante o processo e que, por efetivamente aplicadas, tenham sido determinantes para a decisão final. Considerou que o recorrente não especificou as normas por cuja não aplicação pugna e que arguiu de inconstitucional uma deliberação quando tal vício só pode ser assacado a uma norma, seu segmento ou sua interpretação.
Como resulta do requerimento de interposição do recurso, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da decisão recorrida mas sim a inconstitucionalidade de uma interpretação normativa, alegadamente aplicada na decisão recorrida, - a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 198.º-A e 235.º do Código do Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, segundo a qual o citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos referidos no artigo 235.º do Código de Processo Civil.
Como estabelece o n.º 4 do artigo 77.º da LTC, a decisão que defira a reclamação, deduzida nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da mesma lei - revogando, em consequência, o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade -, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso. Tal significa que, no julgamento da reclamação, o que importa decidir é se se verificam todos os pressupostos processuais de que dependem, nos termos da lei, a admissão e o conhecimento do recurso de constitucionalidade - e não apenas se se verificam ou não os requisitos processuais que se consideraram em falta na decisão de rejeição.
O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. São requisitos da admissibilidade deste recurso: a aplicação da norma ou interpretação normativa cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida; e o esgotamento dos recursos ordinários (n.º 2 do artigo 70.º da LTC). Estes requisitos são cumulativos, pelo que basta a não verificação de qualquer um deles para que o recurso não possa ser admitido.
Como vimos, o ora reclamante pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional da interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 198.º-A e 235.º do Código do Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, segundo a qual o citando que invoque a falta de citação está citado independentemente de receber a notificação contendo os elementos referidos no artigo 235.º do Código de Processo Civil.
Ora, não só esta interpretação normativa não foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida, como a questão de constitucionalidade não foi suscitada previamente de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a decisão recorrida não interpretou os referidos preceitos legais no sentido que agora se coloca à apreciação do Tribunal Constitucional mas sim, precisamente, em sentido oposto.
Na verdade, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães pode ler-se que «quando a falta de citação é arguida pelo citando (….) a notificação do despacho dispensa a renovação da citação, desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 235º, estabelece o artigo 198º-A do Código Processo Civil»; e que, tendo o réu já conhecimento de que «foi proposta contra ele uma ação (….) tendo ele já conhecimento da existência da ação, nada justifica a sua citação, posto que lhe sejam entregues todos os elementos que a devem acompanhar que são os referidos no artigo 235º citado» (destacados nossos).
Daqui decorre que a decisão recorrida aplicou a interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 198.º-A e 235.º do Código do Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, segundo a qual o citando que invoque a falta de citação está citado se receber a notificação contendo os elementos referidos no artigo 235.º do Código de Processo Civil, e não a interpretação normativa objeto do recurso.
O que se verifica é que o Tribunal da Relação de Guimarães considerou o Réu regularmente citado pelo facto da carta de notificação do despacho que dispensou a renovação da citação, acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 235.º do Código de Processo Civil, nunca ter sido devolvida ao tribunal, julgamento este com que o recorrente não se conforma, porquanto, segundo alega, na data em que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido, a referida carta já havia sido devolvida à 2ª Vara Mista de Guimarães. No entanto, esta é uma questão que ao Tribunal Constitucional não cabe sindicar, pois os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade normativa (artigo 71.º da LTC).
Acresce que, ainda que assim não se entendesse, o Tribunal não poderia conhecer do objeto do recurso, pois nas alegações e conclusões dos recursos que apresentou perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Face ao exposto, ainda que por fundamentos distintos, é de confirmar a decisão, ora em reclamação, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso.
III. Decisão
5. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – João Caupers – Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria Lúcia Amaral.