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Acórdão 289/98ACTA Aos vinte e oito de Abril de mil novecentos e noventa e oito, achando-se presentes o Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente, José Manuel Moreira Cardoso da Costa, e os Ex.mos Juízes Conselheiros Messias Bento, Maria Helena de Brito, Alberto Tavares da Costa, Paulo da Mota Pinto, Guilherme da Fonseca, Vítor Nunes de Almeida, Maria dos Prazeres Beleza, José Manuel Bravo Serra e Artur Faria Maurício, foram trazidos à conferência os presentes autos. Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte ACÓRDÃO Nº 289/98
1. O Juiz de Direito do Tribunal da comarca da Guarda oficiou ao Presidente do Tribunal Constitucional solicitando 'cópia de todas as declarações' de património e rendimentos apresentadas por A..., ex-presidente da Câmara Municipal da Guarda, 'destinando-se tal informação a ser junta ao processo de falência [ ...] em que é requerente a Caixa Geral de Depósitos e requerido o supracitado' cidadão A... Pretende o Ex.mo Magistrado oficiante, pois, ter acesso ao conteúdo de todas as declarações que o mencionado cidadão haja apresentado neste Tribunal, por força do disposto na Lei nº 4/83, de 2 de Abril; e pretende, mais do que isso, obter tal acesso mediante o fornecimento de cópia (ou, o que é o mesmo, a passagem de certidão) dessas declarações.
2. Posto isto, deverá deixar-se claro, desde logo, que – nos termos expressos do artigo 108º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro – o acesso a tais declarações, mesmo quando se trate de uma entidade pública, há-de ser feito 'através da sua consulta na secretaria do Tribunal', e que só 'no seguimento da consulta, e mediante requerimento devidamente fundamentado, pode ser autorizada a passagem de certidão da declaração ou de elementos dela constantes'. O facto de o impetrante do acesso ser uma entidade pública apenas lhe confere a faculdade privilegiada de, em lugar de proceder pessoalmente à consulta, 'credenciar para o efeito agente ou funcionário com qualificação e grau de responsabilidade adequados' (nos termos., ainda, do nº 1, in fine, do citado artigo 108º). Seja como for, a solicitação do Ex.mo Juiz de Direito da Guarda incorpora ou traduz uma pretensão de acesso ao conteúdo das declarações a que se reporta – pelo que há que considerá-la e apreciá-la nesses termos.
3. Pois bem: apura-se da informação prestada pela secretaria do Tribunal que as declarações de património e rendimentos, previstas na Lei nº 4/83, apresentadas no Tribunal Constitucional pelo cidadão A... respeitam, todas elas, ao exercício de cargos políticos (o referido cargo de presidente da Câmara Municipal da Guarda e, ainda, o de Deputado) em mandatos que, ou transcorreram integralmente antes da entrada em vigor da Lei nº 25/95, de 28 de Agosto, que alterou aquele outro diploma, ou, de todo o modo, se iniciaram (é o caso do último mandato como presidente da Câmara) antes do momento determinante (17 de Setembro de 1995, de acordo com a jurisprudência a seguir referida) para aplicação do regime estabelecido por essa segunda Lei. Quer isto dizer que tais declarações – conforme jurisprudência consolidada deste Tribunal (Acórdão nº 471/96, de 14 de Março, e outros da mesma data, não publicados) – estão sujeitas, nomeadamente no que toca à possibilidade de a elas se ter acesso, ao regime constante da versão originária da dita Lei nº 4/83, e não ao que a Lei nº 25/95 veio introduzir.
4. Assim, o acesso às mesmas declarações – como resulta do disposto no nº 2 do artigo 5º, nessa redacção inicial da Lei nº 4/83 – depende de autorização deste Tribunal e só poderá ser concedido a quem 'justifique', perante ele, 'interesse relevante no respectivo conhecimento'.
5. Entretanto, sempre este Tribunal entendeu – conforme igualmente flui de uma sua bem consolidada jurisprudência: v., por todos, Acórdãos nºs 59/85 e 11/86, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 5 e 7-I, respectivamente – que, no quadro desse regime originário da Lei nº 4/83, a exigência da demonstração perante ele de um 'interesse relevante' no conhecimento das declarações, como condição de acesso às mesmas, se aplica ainda quando o requerente desse acesso seja uma entidade pública, e mesmo um órgão jurisdicional (tal qual ocorre no caso). Importa, consequentemente, indagar se um tal 'interesse relevante' se verifica na situação sub judice.
6. A resposta a uma tal indagação não pode ser, porém, senão negativa. Efectivamente, como o Tribunal Constitucional logo esclareceu no seu Acórdão nº
104/84 (v. Acórdãos, cit., vol. 4), repetiu, quanto à mesma situação, no já citado Acórdão nº 11/86, e depois reiterou, explícita ou implicitamente, em numerosos arestos, o 'interesse relevante', de que se trata na versão originária do nº 2 do artigo 5º da Lei nº 4/83, 'terá obviamente que ter conexão com as funções exercidas pelos declarantes , tendo em conta as finalidades perseguidas
[ por aquela] Lei'. E, quanto a estas finalidades, indiscutível será , por seu turno, que as mesmas só podem reconduzir-se ao objectivo de assegurar que os titulares de cargos políticos e equiparados exerçam as respectivas funções com respeito pelas regras da moralidade pública e que, designadamente, não se aproveitem de tais funções para retirar benefícios pessoais de ordem patrimonial. Só a defesa deste valor, na verdade, justifica que sobre tais cidadãos impenda o
ónus de declarar o seu património e rendimentos. Consequentemente, no quadro de um regime legal em que o acesso às mesmas declarações esteja condicionado pela
'justificação' de um 'interesse relevante' no seu conhecimento, é óbvio que semelhante interesse apenas existirá quando tal acesso tenha em vista a salvaguarda daquele valor – a moralidade no exercício de funções políticas. Ora, já se vê que nenhum dos requisitos enunciados se encontra preenchido no caso presente: na verdade, pretendendo-se ter acesso às declarações do cidadão A... em ordem a um processo de falência em que o mesmo é requerido, é claro que o interesse em tal acesso, nem se prende com o exercício das funções políticas em que o mesmo cidadão esteve investido, nem pode visar a prossecução da mencionada finalidade de defesa da moralidade pública. Unicamente podem estar em causa, na situação em apreço, os interesses dos credores do declarante – mas estes interesses, ou são puramente privados, ou, ainda quando tenham dimensão
'pública' (no caso, evidentemente, dos credores que sejam 'entidades públicas', incluindo aí a própria Fazenda Nacional), não estão cobertos pela precípua finalidade da Lei nº 4/83.
7. Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não autorizar o acesso, solicitado pelo Ex.mo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, às declarações de património e rendimentos, previstas na Lei nº 4/83, de
2 de Abril, apresentadas neste Tribunal por A.... Messias Bento Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa