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Processo nº 318/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação do Porto em que é recorrente M... e figura como recorrido o Ministério Público, aceita-se, na sua essencialidade, a fundamentação constante da exposição lavrada nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aqui dada por reproduzida, e que mereceu 'inteira concordância' do recorrido.
É certo que, na resposta oportunamente apresentada, o recorrente, se bem que reconheça não ter equacionado quanto à eventual inadmissibilidade do recurso para a Relação qualquer objecção dimensionada constitucionalmente - não obstante expressamente notificado para afrontar aquela questão - alega ter confiado na adopção pelo mesmo Tribunal de outro entendimento, de acordo com o seu ponto de vista, cuidando que o mesmo não procedesse à aplicação de norma inconstitucional. Semelhante perspectiva não o dispensava, no entanto, de adoptar uma estratégia processual congregadora dos pressupostos exigidos para a admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 318/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- Nos autos de processo comum singular que correram termos na comarca de Oliveira de Azeméis sob o nº 1041/94, em que o ora recorrente, M... se constituíu assistente, o Ministério Público, com a adesão deste último, acusou C... e J..., todos devidamente identificados nos autos, da autoria material de um crime de homicídio negligente, com culpa grave, previsto na alínea b), 2ª parte, do artigo 59º do Código da Estrada de 1954, além de transgressões causais do acidente, entretanto prescritas.
Por sentença de 4 de Dezembro de 1995, a fls. 375 e segs., foi a acusação julgada procedente por provada e, consequentemente, condenado cada um dos arguidos pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo nº
1 do artigo 136º do Código Penal de 1982 (aplicável por força do nº 4 do artigo
2º do mesmo diploma) na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano.
Inconformado com o assim decidido, o assistente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto alegando, no essencial, vícios da sentença que implicam o reenvio do processo à comarca, preconizando, além do mais, a condenação do arguido J... como autor material de um crime de homicídio voluntário.
Quer o arguido C..., na resposta à motivação do recurso oportunamente apresentada, quer o magistrado do Ministério Público junto da Relação, na sua intervenção processual, suscitaram a questão da falta de legitimidade do assistente para recorrer, sobre a qual foi expressa e explicitamente ouvido o recorrente, que se pronunciou no sentido da improcedência de semelhante problemática.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22 de Janeiro de 1997 (fls. 475 e segs.) decidiu-se no sentido do não conhecimento do objecto do recurso por inexistir legitimidade do assistente para recorrer, considerando o disposto no artigo 401º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
Reagindo, veio o assistente arguir a nulidade do acórdão, equacionando a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo indicado aresto àquela norma processual que, em seu entender, viola o disposto no nº 5 do artigo 32º da Constituição da República (CR).
A arguição viria a ser julgada improcedente pelo acórdão de 23 de Abril último (fls. 505 e segs.).
1.2.- Novamente inconformado, vem, agora, o assistente recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
Pretende que o Tribunal Constitucional 'aprecie a inconstitucionalidade da norma da alínea b), segunda parte, do nº 1 do artigo
401º do Código de Processo Penal, quando interpretada da forma que o fez o primeiro Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos presentes autos e confirmado por aquele que recaiu sobre a arguida nulidade'.
Segundo alega, 'a interpretação de tal normativo que fez vencimento nos Acórdãos proferidos nos autos, viola a estrutura acusatória do processo penal português, plasmada na primeira parte do nº 5 do artigo 32º da Constituição da República', facto que, afirma, teve oportunidade de acentuar no requerimento de arguição de nulidade do primeiro acórdão.
2.1.- Entende-se - na linha jurisprudencial sustentada uniformemente por este Tribunal e reiterada amiudadamente - não poder conhecer-se do objecto do presente recurso, por inverificação de todos os seus pressupostos de admissibilidade.
O que, de resto, pressupõe, in casu, a suficiência da identificação da concreta interpretação normativa impugnada, sendo certo ser ao recorrente que compete indicar precisamente a interpretação adoptada que tem por violadora da Constituição (cfr., inter alia, o acórdão nº 361/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Novembro de 1995). Da leitura do aresto recorrido decorre que o mesmo parte da admissão hoje por ele tida sem reserva, de que o jus puniendi, ou o direito de punir as condutas antijurídicas penalmente censuráveis é de eminente interesse público que pertence em exclusivo ao Estado e por este é exercido através do Ministério Público; no concreto caso, em que só está em causa a punição criminal, pois não foi deduzido qualquer pedido de indemnização cível, e em que os arguidos foram condenados pelo crime de que vinham acusados pelo Ministério Público, com adesão do assistente, não surgindo recurso do Ministério Público por considerar a decisão correcta e adequada, não pode - é a tese da Relação - entender-se que se está perante uma decisão proferida contra o assistente [alínea b), segunda parte, do nº 1 do artigo 401º do CPP].
2.2.- Um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade com base na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 consiste na suscitação durante o processo da questão de inconstitucionalidade, entendendo-se esta locução num sentido funcional, de modo a que o tribunal recorrido ainda dela possa conhecer (v.g., entre tantos outros, os acórdãos deste Tribunal nºs.
3/83, 206/86, 94/88, 80/92 e 701/96, publicados no Diário da República, II Série, de 26/1/84, 23/10/86, 22/8/88, 18/8/92 e 22/7/96, respectivamente; J.M.Cardoso da Costa, A Jurisprudência Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 51; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, págs. 329 e segs; Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra, 1997, págs. 41 e 51).
Ora, a esta luz, mais se vem considerando que o requerimento de arguição de nulidades da decisão recorrida não constitui, em princípio, o momento adequado para suscitar a questão de inconstitucionalidade, só assim não sucedendo nos casos, de feição excepcional ou anómala, de qualquer modo imprevisíveis, em que ao interessado não será razoável exigir a adopção de uma estratégia processual idónea para a eventualidade da prolação de uma decisão desse jaez, ou se, porventura, não dispuser de oportunidade processual para equacionar a questão naquela perspectiva temporal (cfr. os autores citados e, na jurisprudência, inter alia, os acórdãos nºs. 635/93 e 102/95, publicados no Diário da República, II Série, de 31/3/94 e 17/6/95, respectivamente).
Assim sendo, independentemente de sempre ser argumentável aludir à compaginação do decidido com o habitual critério utilizado pelos tribunais, quer em face da norma questionada, quer na óptica na norma que a antecedeu - a do § 2º do artigo 647º do Código de Processo Penal de 1929 - o que comporta, em si, certa carga argumentativa (noticiada, por exemplo, por José Damião da Cunha no seu trabalho 'Algumas Reflexões sobre o Estatuto do Assistente e seu Representante no Direito Processual Penal Português', publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 5º, nº 2, 1995, págs. 153 e segs., maxime págs. 158 e segs.), e retira imprevisibilidade à problemática em questão, sempre se pode afirmar que o recorrente podia tê-la equacionado a tempo de o tribunal recorrido dela conhecer.
Com efeito, e já houve oportunidade de o referir, a questão da eventual falta de legitimidade do assistente - que se compadeceu com a acusação pública e a ela se agregou - foi enunciada por um dos arguidos, no articulado de resposta produzido ao abrigo do artigo 413º do Código de Processo Penal, e no parecer do Ministério Público junto da Relação, de ambas as peças tendo sido dado conhecimento ao assistente, por despacho expresso do Desembargador Relator (fls. 465), sendo certo que, na resposta então oferecida, em passo algum o assistente e ora recorrente suscita qualquer questão de inconstitucionalidade na hipótese de o tribunal vir a entender inexistir legitimidade de sua parte, ou falta de interesse em agir (fls. 466 e segs.).
3.- Em face do exposto, por falta do pressuposto que consiste em ter sido suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma impugnada, emite-se parecer no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.