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Proc. nº 764/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. J... e S... intentaram acção emergente de contrato de trabalho no Tribunal de Trabalho de Lisboa contra o ESTADO PORTUGUÊS e C..., EP, pedindo a condenação solidária destes no pagamento das respectivas indemnizações por despedimento e remunerações equivalentes aos períodos de aviso prévio em falta, acrescidas das correcções monetárias.
Por despacho saneador de 13 de Outubro de 1996, o juiz a quo julgou procedente a excepção de prescrição dos créditos, invocada pelo Estado e pela C....
2. Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 1 de Outubro de 1997, a Relação negou provimento ao recurso, confirmando o despacho saneador recorrido.
Nessa decisão, após se considerar que os contratos de trabalho dos recorrentes haviam cessado na data da extinção da C..., entendeu-se que:
Houve assim uma cessação da relação laboral em 7 de Maio de 1985 e é sempre a partir do dia do rompimento de facto do vínculo laboral, ainda que ela tenha sido ilícito, que se tem de contar o prazo prescricional.
No caso vertente, atentas as datas das cessações da relação de trabalho e a data já referida da propositura da acção, aquela em 7 de Maio de
1985 e esta em 21/3/96, decorreu muito mais que um ano, encontrando-se assim indubitavelmente prescritos os créditos peticionados.
E nada impedia os AA. de ter proposto a acção dentro do prazo de um ano a contar da cessação da relação laboral.
E note-se que a declaração de inconstitucionalidade, com obrigatoriedade geral, da alínea c) do nº 1 do D.L. 138/85, proferida no acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95 publicado no D.R. 1ª série A, de 8 de Maio de 1995 nenhuma influência impeditiva pode ter na verificação da prescrição dos créditos dos AA..
Com efeito, para o início do prazo prescricional previsto no artigo
38º da L.C.T. o que releva é a situação de facto do contrato de trabalho independentemente da validade do acto que lhe deu causa [...]
Assim os efeitos do acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95 de
8/5/95 não se reflectem na contagem do prazo prescricional, não paralizando o seu decurso.
3. Dessa decisão pretenderam os recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC,
«em virtude de o Acórdão recorrido ter feito aplicação implícita da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95».
Por despacho de 22 de Outubro de 1997, o recurso não foi admitido. Afirmou-se nesse despacho:
Assim, não tendo havido no Acórdão em causa, aplicação da mencionada alínea c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 138/85 de 3 de Maio, não é admissível recurso desse Acórdão para o Tribunal Constitucional, fundado na alínea g) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, e na dita aplicação daquele preceito legal.
Desse despacho reclamaram então os recorrentes, alegando, em suma, o seguinte:
Porém, a verdade é que a norma em questão foi aplicada no aresto sob recurso, na medida em que nele se entendeu que o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 38º, nº 1 da LCT (e também no artigo 26º, nº 1 do Decreto-Lei nº 74/73, de 1 de Março), já tinha decorrido à data da propositura da acção, que foi posterior à data da publicação da declaração de inconstitucionalidade
(publicada no Diário da República, I série, de 8 de Maio de 1995).
Ora, este entendimento não corresponde de modo algum ao sentido e alcance da mencionada declaração de inconstitucionalidade, que foi explicitado no Acórdão nº 528/96 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II série, de 18.7.96.
[...]
O que é certo é que, no acórdão recorrido, não foi reconhecido aos autores o direito a uma indemnização fundada nas regras do despedimento colectivo, precisamente por se ter considerado extinto, por prescrição, tal direito.
Houve, consequentemente, aplicação implícita da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio.
4. Subiram os autos a este Tribunal, onde o Ministério Público, no seu visto, emitiu parecer no sentido do procedimento da reclamação, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Os reclamantes fundamentaram o recurso, como se pode ver do respectivo requerimento de interposição, na al. g) do nº 1 do artigo 70º da L.T.C.
O que significa que entendem que a decisão recorrida aplicou norma já anteriormente julgada inconstitucional, mais concretamente, que o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão contrária ao conteúdo do Acórdão nº 162/95, deste Tribunal. Para apurar se se está perante o pretendido recurso de constitucionalidade, há que verificar se a decisão recorrida procedeu à aplicação da norma anteriormente julgada inconstitucional, competindo a este tribunal fazer a interpretação do sentido e alcance das suas declarações de inconstitucionalidade.
Esta questão foi já apreciada por este Tribunal, no seu Acórdão nº
528/96, (publicado no Diário da República, II Série, nº 165, de 18 de Julho de
1996), e também pelos Acórdãos nº 564/96, que remete para o anterior, e nº
1121/96, ambos inéditos.
Dada a identidade de situações, adopta-se aqui a orientação seguida naqueles arestos:
a) que cabe o recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, quando haja contradição entre a decisão recorrida e acórdão do Tribunal Constitucional que haja declarado uma inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
b) que cabe ao Tribunal Constitucional fazer a interpretação do sentido e alcance da suas declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral;
c) que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº 162/95, «impede pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo»;
d) que o acórdão recorrido «não teve em conta o sentido e o alcance, atrás fixados, da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral»;
e) que, consequentemente, se encontra preenchido o pressuposto do recurso de constitucionalidade.
7. Com efeito, o que os reclamantes peticionaram, além do mais, foi o direito a uma indemnização, tendo o acórdão recorrido entendido que, verificada a cessação de facto dos contratos de trabalho, os créditos dos ora reclamantes se encontravam prescritos, ou seja, extintos.
Pois bem, este tribunal apreciou já essa questão no Acórdão nº
513/97, ainda inédito, no qual afirmou:
...o certo é que a conclusão contida no acórdão recorrido de que «à data da propositura da acção os créditos dos AA. estavam prescritos e por conseguinte extintos, há alguns anos», envolve aplicação pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com preterição da declaração de inconstitu-cionalidade com força obrigatória geral dessa norma, proferida no Acórdão nº 162/95, deste Tribunal, publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Maio de 1995.
Tanto basta para que se considere preenchido o pressuposto processual deste tipo de recurso de constitucionalidade.
III - DECISÃO
8. Nestes termos, defere-se a presente reclamação.
Lisboa, 3 de Junho de 1998 Luis Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Maria dos Prazeres Beleza José Manuel Cardoso da Costa