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Processo n.º 1120/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos em que é recorrente A. e são recorridos B. e a C., SA, a primeira interpôs ação declarativa de condenação, em processo comum, contra os segundos no Tribunal do Trabalho de Lisboa em 17 de abril de 2009. A sentença foi proferida em 22 de dezembro de 2012. O co-réu B. foi absolvido.
Dessa decisão judicial apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou o recurso improcedente, por acórdão de 5 de dezembro de 2012. A apelação da co-ré C., SA, foi julgada procedente, tendo a sentença recorrida sido revogada e tendo a co-ré sido absolvida.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Este recurso foi indeferido por despacho da relatora no Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de fevereiro de 2013 (fls. 524-528).
Não se conformando com o despacho proferido, dele apresentou reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça. Esta reclamação foi indeferida por despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2013 (fls. 579-587).
Desta decisão, reclamou a recorrente para a conferência (fls. 595-599), tendo igualmente apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, no caso de fazer vencimento o entendimento de que a decisão não admitiria recurso ordinário, por dela não caber reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700.º do Código de Processo Civil (CPC) (fls. 591-594). O Supremo Tribunal de Justiça, tendo admitido a reclamação para a conferência, veio a indeferi-la, através de acórdão de 4 de julho de 2013.
Na sequência recorreu para o Tribunal Constitucional.
2. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [LTC])
Em sede de exame preliminar foi proferida decisão a rejeitar o conhecimento do objeto do recurso, no essencial, com a seguinte fundamentação:
“4. Prima facie, o presente recurso suscita questões relativamente a um dos requisitos de admissibilidade: a ausência de suscitação processualmente atempada da questão de constitucionalidade.
Para que ocorra uma suscitação processualmente atempada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação «durante o processo» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada. A necessidade de suscitação da questão «durante o processo» deve ser interpretada num sentido funcional (e não formal), devendo ocorrer em momento processual em que ainda seja possível ao tribunal a quo dela conhecer, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita. É este o único sentido do requisito que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação, portanto, de uma questão suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela (Cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 352/94, 155/95, 618/98, 519/2012 e 442/2013, disponíveis no sítio da internet supra aludido).
5. Ora, a recorrente manifestamente não cumpriu este seu ónus.
A recorrente no requerimento de reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça – que originou o acórdão de que agora recorre – apenas suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 700.º, n.º 3, do CPC e não dos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º-C, n.º 2, alínea b), do CPC, que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Apesar de a recorrente ter já, em momento anterior do processo, invocado a questão da inconstitucionalidade dos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º-C, n.º 2, alínea b), ambos do CPC, tal não a exime de a reiterar e recolocar ao tribunal a quo, de modo a que este saiba que tem, necessariamente de apreciar e julgar tal questão de inconstitucionalidade.
Conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, não satisfazem o requisito ínsito na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, relativo à suscitação da questão de inconstitucionalidade «durante o processo», os casos em que o recorrente, tendo inicialmente suscitado tal questão perante um tribunal inferior, acabou por abandoná-la aquando do recurso ao tribunal superior, que desta forma não foi chamado a apreciar e decidir essa questão. Sob pena de se considerar que a questão de inconstitucionalidade foi abandonada, sempre teria de ser recolocada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (cf. artigo 72.º, n.º 2, da LTC) - (cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 326/98, 292/2002 e 82/2010). Tal não ocorreu.
6. Deve-se, portanto, concluir que a questão de constitucionalidade não foi atempadamente suscitada perante o tribunal a quo. Assim, na falta do preenchimento do requisito processual em causa, não é possível conhecer do recurso.”
3. Não concordando com aquela decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando a reclamação essencialmente nos seguintes fundamentos:
“1. Entendeu a Exma. Conselheira Relatora que a questão de constitucionalidade suscitada não havia sido enunciada “durante o processo” de forma a permitir que o Tribunal se pronunciasse sobre a mesma.
2. Salvo o devido respeito, assim não é.
3. Como refere a Exma. Conselheira, “a necessidade de suscitação da questão «durante o processo» deve ser interpretada num sentido funcional (e não formal), devendo ocorrer em momento processual em que ainda seja possível ao tribunal a quo dela conhecer, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão da constitucionalidade respeita”.
4. Julga-se ter sido o que ocorreu nos presentes autos.
5. A Recorrente, que viu recurso de revista interposto para o STJ indeferido com fundamento em contrariedade com o disposto nos artigos 684.º-B, n.º 2 e 685.º-C, n.º 2, ambos do CPC.
6. E, logo aí, apresentou reclamação contra a rejeição do recurso na qual expressamente arguiu desconformidade dessas normas com o artigo 20.º da CRP, e designadamente do princípio pro actione (n.ºs 25 e seguintes). Assim, escreveu-se:
“...a ser aplicável in casu o artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b) do CPC, conforme se defende no despacho recorrido, encontramo-nos ante uma aplicação que fere o direito fundamental de acesso aos tribunais, vertido no artigo 20.º da CRP e, designadamente, o princípio pro actione
7. Esse vício foi desatendido pelo STJ.
8. E, daí veio interposto o recurso de constitucionalidade.
9. Desta forma a aqui Recorrente atuou de forma a possibilitar que o Tribunal apreciasse a questão - cumpriu esse ónus.
10. E cumpriu-o no exato momento em que foi defrontada com a posição judicial que, estribada nessas normas da lei ordinária, lhe indeferiu o recurso de revista.
11. Não podia a Recorrente supor, antes desse momento, que a questão viria a ser levantada.
12. Pelo que - crê-se - cumpriu o ónus do artigo 72.º, n.º 2, da LTC.”
Notificados da reclamação, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Nos presentes autos foi proferida decisão, em sede de apreciação liminar, que rejeitou o conhecimento do objeto do recurso com fundamento em falta de suscitação atempada perante o tribunal recorrido.
De acordo com o entendimento expresso naquela decisão, no requerimento de reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça – que originou o acórdão de que agora recorre – a recorrente apenas suscitou a questão da inconstitucionalidade de “norma” resultante do artigo 700.º, n.º 3, do CPC (mais concretamente da sua parte inicial que refere “salvo o disposto no artigo 688.º …”) e não de qualquer sentido normativo extraível dos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º-C, n.º 2, alínea b), do CPC, designadamente «quando determinam que o recurso que seja interposto desacompanhado de alegação deve ser indeferido», critério normativo que agora pretende ver apreciado pelo Tribunal Constitucional.
5. Para contrariar o vício invocado que serviu de fundamento à decisão de não conhecimento do recurso, cabia, pois, à reclamante demonstrar que, diferentemente do entendido na decisão reclamada, suscitou perante o tribunal recorrido a questão de constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada.
A este propósito, a reclamante limita-se a referir que suscitou a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional (questão referente aos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º-C, n.º 2, alínea b), do CPC) na reclamação que apresentou do despacho proferido no Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu o recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na referida reclamação, no que ora releva, a recorrente alegou que «a ser aplicável in casu o artigo 685.º-C, n.º2 alínea b) do CPC, conforme se defende no despacho recorrido, encontramo-nos ante uma aplicação que fere o direito fundamental de acesso aos tribunais, vertido no artigo 20.º da CRP, e designadamente, o princípio pro actione».
Ora, independentemente da apreciação sobre se aquela anterior invocação preenche os requisitos da suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, certo é que o ora invocado pela reclamante não permite infirmar os fundamentos da decisão sumária reclamada. Pelo contrário, ela comprova que a recorrente não colocou perante o tribunal recorrido, no momento oportuno e de forma adequada, a questão de constitucionalidade objeto do recurso de constitucionalidade ora interposto.
Na verdade, e como se explica na decisão sumária, por referência a jurisprudência do Tribunal Constitucional ali citada, a invocação, em momento anterior do processo, da questão da inconstitucionalidade não a dispensava de a reiterar e recolocar ao tribunal a quo, de modo a que este soubesse que tinha, necessariamente de apreciar e julgar tal questão de inconstitucionalidade. Sob pena de se considerar que aquela questão de inconstitucionalidade foi abandonada, sempre teria de ser recolocada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Ora, perante a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente limitou-se a suscitar uma questão de constitucionalidade por referência «à parte inicial do artigo 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil», não coincidente, pois, com a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada no presente recurso e que se prende com as normas dos artigos 684.º-B, n.º 2, e 685.º-C, n.º 2, alínea b), do CPC.
Desta forma, a recorrente incumpriu o ónus da suscitação prévia e de forma adequada da questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada.
Com efeito, para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade normativa, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o Tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a matéria em causa.
Em face do exposto importa confirmar a decisão reclamada.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.