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Proc.nº 520/97 (Reclamação)
2ª Secção Relator:Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I RELATÓRIO
No Tribunal de Trabalho de Lisboa, C... e outros, todos trabalhadores da CN..., intentaram contra o Estado Português e a referida CN..., E.P. (em liquidação) acção com processo comum ordinário emergente de contrato individual de trabalho, peticionando o pagamento de um total de Esc.84.186.428$00, correspondentes a indemnização por despedimento, a remunerações equivalentes aos períodos de aviso prévio em falta e de correcção do valor da moeda, desde 1985 até ao presente, valores acrescidos da taxa de inflação que se verificarem, até integral pagamento.
Através do saneador/sentença de fls.266/270 foram os referidos créditos julgados extintos por prescrição, absolvendo-se os réus dos pedidos.
Inconformados recorreram os autores para a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, formulando nas respectivas alegações as conclusões que se passam a transcrever :
' - A norma da alínea a) do nº 1 do artigo 4º do DL nº 138/85, de 3 de Maio, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional está viciada ab initio - nulidade absoluta;
- E todos os actos praticados ao abrigo dessa norma, estão igualmente inquinados do mesmo vício, ou seja são nulos e de nenhum efeito;
- E os direitos dos trabalhadores consti-tucionalmente protegidos seriam totalmente postergados;
- A excepção à regra dos efeitos gerais retroactivos da declaração de inconstitucio-nalidade, que é o caso julgado, expressamente prevista no nº 3 do artigo 282º da Constituição, não pode ser ampliada de modo a abarcar outras situações, como a prescrição ou a caducidade;
- O entendimento das apelantes (os aqui reclamantes) radica-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 528/96, em virtude do qual fica claramente demonstrado que, não tendo sido paga aos trabalhadores da ex-CN... a indemnização correspondente à que lhes seria devida, se tivesse havido despedimento colectivo, os contratos de trabalho não se extinguiram;
- Este Acórdão faz a interpretação do sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade do Acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional e é vinculativo para todos os tribunais;
- Não se pode, consequentemente, invocar a prescrição do direito à indemnização,
à qual os autores têm pleno direito;
- Ao julgar procedente a excepção invocada pelos réus, foram violados o artigo
282º nºs 1 e 3 da Constituição, o Acórdão do tribunal Constitucional nº 162/95
(...), e o Acórdão do tribunal Constitucional nº 528/96 (...).'
O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso, confirmando o despacho impugnado, designadamente no seu entendimento quanto à questão da prescrição dos créditos reclamados.
2. De novo irresignados, pretenderam os autores recorrer, desta feita para este Tribunal, fundando-se na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em virtude da decisão impugnada
'ter feito aplicação implícita da alínea a) do nº 1 do artigo 4º do DL nº
138/85, de 3 de Maio, norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95'
(sublinhado no original a fls.348).
O Tribunal a quo, através do despacho do Exmº Desembargador Relator constante de fls 351, invocando o disposto no artigo 76º nº 2 da Lei nº 28/82, não admitiu tal recurso, negando a existência de qualquer aplicação 'implícita ou expressa' da norma sobre a qual incidiu o Acórdão nº
162/95.
Defendendo a posição contrária, reclamam os autores para este Tribunal.
3. Colhido Parecer do Ministério Público (defendendo a procedência da reclamação) e corridos os competentes vistos, cumpre decidir. II FUNDAMENTAÇÃO
4. Estamos perante recurso pretendido interpor ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional), rejeitado nos termos do artigo 76º nº 2 (indeferimento por a decisão não admitir recurso). A não admissibilidade decorreria da circunstância de a norma a que se reporta o Acórdão alegadamente não cumprido, não ter sido aplicada, mesmo implicitamente.
Estabelece a norma em causa (o artigo 4º nº 1 alínea c) do DL nº 138/85, de 3 de Maio) implicar a extinção da CN... (determinada pelo artigo 1º nº 1 do mesmo diploma):
' A extinção por caducidade imediata de todos os contratos de trabalho em que seja parte a CN..., com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida, à data da extinção do contrato de que se trate.'
A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral plasmada no Acórdão nº 162/95 deste Tribunal, publicado no Diário da República I Série-A de 8 de Maio de 1995, assenta no entendimento que se pode resumir na seguinte passagem dele extraída:
'as normas em causa, consignando uma nova causa de extinção do contrato individual de trabalho e, do mesmo passo, ao não preverem o «direito» dos trabalhadores das CT... e CN... que perderam o seu posto de trabalho, em consequência da extinção daquelas empresas, a perceberem qualquer indemnização, violam o direito à segurança no emprego estabelecido no artigo 53º da Constituição, além de, dispondo elas unicamente para aqueles trabalhadores e estatuindo sobre matéria de «direitos, liberdades e garantias» sem que o
Governo dispusesse de autorização legislativa, igualmente violaram os artigos
18º nº 3 e 168º nº 1 alínea b), do mesmo diploma fundamental.'
O alcance desta declaração foi interpretado/explicitado pelo Acórdão nº 528/96, publicado no Diário da República II Série de 18 de Julho de 1976, no âmbito de uma reclamação em que a decisão de que se pretendia recorrer afirmava, como obstáculo à indemnização, a existência de uma extinção da obrigação em causa, por 'remissão abdicativa ou por transacção extrajudicial'.
Neste Acórdão, com efeito, refere-se que a anterior declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral:
'impede pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização - a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo.'
Mais recentemente, numa situação em tudo igual à aqui em causa, este Tribunal, de novo, entendeu que a conclusão contida no Acórdão aí recorrido segundo a qual 'à data da propositura da acção os créditos (...) estavam prescritos e por conseguinte extintos há alguns anos' envolvia uma aplicação 'pelo menos implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do DL nº 137/85, de 3 de Maio (estava aí em causa a CTM), com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, proferida no Acórdão nº 162/95' (Acórdão nº 513/97, ainda inédito).
É, essencialmente o sentido destas decisões que aqui há que reafirmar, no caso, admitindo, porque manifestamente recorrível, o recurso pretendido interpor pelos reclamantes. III DECISÃO
5. Nestes termos, defere-se a reclamação, revogando-se o despacho reclamado que deve ser substituído por outro admitindo o recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1998 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida