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Proc. n.º 70/98
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório:
1. A... intentou, em 26 de Abril de 1996, acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma ordinária, contra o Estado Português e a C..., E.P. (em liquidação), pedindo a sua condenação solidária em 5 546 088$00, correspondendo tal quantia a indemnização por despedimento, remuneração equivalente ao período de aviso prévio em falta e correcção do valor da moeda, conforme a variação anual do índice dos preços desde a data da extinção da empresa – que situa em 7 de Maio de 1985, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio – até àquela data. Por despacho saneador-sentença do juiz do Tribunal do Trabalho de Lisboa, onde a acção fora interposta, foi, além do mais, julgada procedente a excepção peremptória da prescrição, em relação a ambos os Réus, com a consequente improcedência dos pedidos.
2. Interposto recurso, pelo A., para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este, por Acórdão de 21 de Janeiro de 1998, entre o mais, a negar provimento ao recurso, confirmando 'a decisão absolutória constante do despacho saneador-sentença recorrido que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição, em relação à Ré C...' e considerando o Réu Estado absolvido da instância 'por incompetência absoluta do Tribunal.'
3. Com fundamento em ter tal Acórdão feito aplicação implícita da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio, norma já anteriormente declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/95, publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Maio de 1995, veio o A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Admitido o recurso, alegaram A., Ministério Público e recorrida: os dois primeiros no sentido de que a decisão recorrida fez aplicação implícita da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio, e de que, portanto, deveria ser dado provimento ao recurso; a última – invocando igualmente outras formas de extinção da obrigação da recorrida que não cabe a este Tribunal apreciar no contexto do presente processo – no sentido de que a decisão recorrida não fez aplicação da norma declarada inconstitucional, nem sequer de forma implícita.
II. Fundamentos:
4. A exemplo do que aconteceu noutros processos, a decisão recorrida pronunciou-se expressamente sobre a questão de constitucionalidade suscitada, invocando inclusivamente os Acórdãos do Tribunal Constitucional de que resultou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, e a interpretação do sentido de tal declaração (Acórdãos n.ºs 162/95 e 528/96, respectivamente). Entendeu, porém, que havia um fundamento autónomo da decisão: a prescrição dos créditos emergentes de uma relação de trabalho que teve um termo objectivo. O sentido das decisões do Tribunal Constitucional sobre a extinção da empresa pública C... não é, bem entendido, o de excluir que, por quaisquer razões, de direito ou de facto, os trabalhadores que prestavam serviço a tal empresa possam ser excluídos do direito a uma indemnização de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo. Mas já é, seguramente, o de excluir que possam perder esse direito por razões que dimanem da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, justamente porque esta foi arredada do ordenamento jurídico, ex tunc, pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Assim, porque a extinção (válida) da C... não pode ter a virtualidade de determinar a extinção dos contratos de trabalho de quantos se encontravam ao seu serviço, resultante daquela norma, não se lhe pode atribuir a virtualidade de encetar um qualquer prazo prescricional que assente nessa extinção, que se inicie em momento anterior à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. É certo que se argumentou, em contrário, com o simile do despedimento inválido – que, ainda que posteriormente declarado nulo, não obsta
à contagem do prazo de prescrição desde o momento da cessação efectiva da relação laboral. Mas tal analogia não colhe: enquanto que ao trabalhador despedido à margem da lei está aberta a via de oposição jurisdicional, aos trabalhadores da C..., tal recurso só se tornou possível após a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: havia antes uma aparência de legalidade que é o inverso da ilegalidade aparente de qualquer despedimento inválido. Assim, só fazendo relevar, implicitamente, a norma inconstitucionalizada é que é possível construir a solução adoptada na decisão recorrida. E porque aquela norma não pode fundar nenhuma argumentação jurídica que pressuponha a produção dos efeitos que intencionava, conclui-se que a prescrição não é, afinal, um fundamento autónomo da decisão. A questão a decidir afigura-se, assim, simples, tendo já sido objecto de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, designadamente as dos Acórdãos n.ºs 513/97 e 179/98, juntos aos autos pelos AA. nas alegações produzidas neste Tribunal. III. Decisão:
5. Com os fundamentos de tais arestos, o Tribunal decide:
(a) fazer aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão n.º 162/95 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Maio de 1995), na parte em que ela tem por objecto a alínea c) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio;
(b) em consequência, conceder provimento ao recurso e revogar o Acórdão recorrido, que deve ser reformado em conformidade com essa declaração de inconstitucionalidade, com o sentido e alcance que este Tribunal lhe fixou no Acórdão n.º 528/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1996), e que é o de que tal declaração de inconstitucionalidade 'impede, pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização – recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo.'
Lisboa,23 de Junho de 1998 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa