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Proc. n.º 829/96 Plenário Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. M... requereu, na Repartição de Finanças do 12º Bairro Fiscal de Lisboa e ao abrigo do disposto nos Decretos-Leis n.ºs 330/81, de 4 de Dezembro, 189/82, de
17 de Maio e 392/82, de 18 de Setembro, a avaliação fiscal extraordinária da fracção autónoma, letra A, correspondente à loja do n.º l-A, do prédio sito na Praceta S..., números l e l-A, em Lisboa, da qual é arrendatária a sociedade por quotas R..., Lda., que vinha pagando a renda mensal de 115 000$00, perfazendo anualmente o montante global de 1 380 000$00. A Comissão de Avaliação - constituída nos termos do artigo 5º do Decreto n.º
37021, de 21 de Agosto de 1948 – por meio de deliberação de 10 de Dezembro de
1990, fixou em 21 600 000$00 a renda anual da referida fracção autónoma. Informada, interpôs R..., Lda. recurso para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, o qual, por sentença de 15 de Janeiro de 1992, homologou o laudo dos membros da Comissão de Avaliação, declarando-se fixada a respectiva renda anual em 21 600 000$00, o que corresponde a uma renda mensal de 1 800 000$00. Desta decisão, interpôs a recorrente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando nas suas alegações a questão de constitucionalidade da norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37021. Por Acórdão de 11 de Julho de 1996, o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando não ser o recurso legalmente admissível, não tomou conhecimento do seu objecto, considerando que, 'nos termos do § único do art. 15º deste decreto, aditado pelo Dec. Reg. nº 1/86, de tal decisão não há recurso. E, ao contrário do que pretende a apelante nas suas alegações, em antecipação a este mais que provável entendimento, de nenhuma forma o mesmo viola os princípios constitucionais do não retrocesso e da igualdade.' Entreposto Lisboa – Comércio de Viaturas, Ldª - habilitada por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 1996 com sucessora da recorrente R..., Lda. - interpôs, nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade da norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37021, 'por violação dos princípios do não-retrocesso e da igualdade constitucionalmente consagrados'. Pelo Acórdão n.º 695/98, proferido na 1ª Secção em 15 de Dezembro de 1998, o Tribunal Constitucional, 'julgar a norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º
37021, de 21 de Agosto de 1948, na redacção do Decreto Regulamentar n.º 1/86, de
2 de Janeiro inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na medida em que não permite o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão de questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária requerida'. Em consequência, concedeu provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em consonância com o juízo de inconstitucionalidade.
2. Notificado deste Acórdão em 17 de Dezembro de 1998, veio o Ministério Público
'interpôr recurso para o Plenário, visando a uniformização da jurisprudência das Secções, nos termos do artigo 79º-D da Lei n.º 28/82', invocando como fundamento a 'colisão com o entendimento recentemente adoptado pela 2ª Secção, no Acórdão n.º 638/98'. Pretendia, assim, que 'a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 15º, § único do Decreto n.º 37021, de 21 de Agosto de 1948
(na redacção do Decreto Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro), fosse submetida a apreciação do Plenário, com vista fixar definitivamente o entendimento do Tribunal sobre tal matéria.' Em 15 de Janeiro de 1999, o relator proferiu nos autos o seguinte despacho:
'Prevê o artigo 79º-D, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional que da decisão que julgue a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das suas Secções ‘cabe recurso para o Plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido’. No presente caso, o Ministério Público não interveio nem como recorrente nem como recorrido, pelo que carece de legitimidade para interpor o recurso previsto na referida norma, e uma vez que esta não é de interpretar no sentido de apenas prever os casos de obrigatoriedade de recurso, conferindo sempre legitimidade ao Ministério Público para promover a uniformização da jurisprudência. Tal interpretação, para além de não corresponder ao sentido mais natural da letra do artigo 79º-D, n.º 1, daria prevalência absoluta ao interesse público, na uniformização da jurisprudência, sobre o interesse das partes, que se conformem com a decisão, na disponibilidade da tutela jurisdicional, do mesmo passo admitindo, porém, um recurso facultativo para uniformização de jurisprudência, deixado na discricionariedade do Ministério Público, que não parece que deva ser aceito. Por esta razão, não admito o recurso de fls. 254 e 255.' O Ministério Público veio, então, reclamar desse despacho para o Plenário, com os seguintes fundamentos:
'1º - Afigura-se que - na interpretação que nos parece, salvo melhor opinião. a mais correcta e adequada - o Ministério Público terá legitimidade para interpor recurso para o Plenário deste Tribunal em todos os casos em que se verifiquem divergências jurisprudenciais entre as Secções. no que respeita à apreciação do mérito de uma questão de constitucionalidade normativa.
2ª - Independentemente de ser ou não parte principal no processo em que foi proferido o acórdão que originou o referido conflito jurisprudencial.
3ª - Neste sentido. invocamos. desde logo. o elemento literal, que parece apontar para a plena admissibilidade de tal recurso por parte das pessoas ou entidades a quem o acórdão proferido deve ser notificado - apenas se explicitando que ele reveste natureza obrigatória para o Ministério Público quando tiver tido intervenção principal, como recorrente ou recorrido, no processo.
4º - Ou seja: de tal interpretação resulta que o Ministério Público poderá recorrer para o Plenário sempre que, não sendo ‘parte principail’ na causa, se aperceba do conflito jurisprudencial originado; e deverá recorrer para o mesmo
órgão sempre que - por ter tido intervenção principal no recurso - se deva necessariamente ter apercebido da criação de tal conflito.
5º - De um ponto de vista funcional ou teleológico, tal legitimação para recorrer parece-nos fundar-se na tutela do interesse público na uniformização da jurisprudência - tarefa tradicionalmente cometida, no nosso ordenamento jurídico, ao Ministério Público - visando evitar que se consolidem irremediavelmente decisões contraditórias sobre a conformidade constitucional de uma mesma norma jurídica, com os evidentes inconvenientes em termos de segurança e certeza do direito.
6º - Deste modo, o fundamento da legitimação para recorrer que, a nosso ver, é conferida ao Ministério Público pela citada norma será - não obviamente a tutela do interesse particular da parte que será reflexamente beneficiada com a interposição (e eventual procedência) do recurso - mas a tutela do interesse público em que se não consolidem no ordenamento jurídico decisões contraditórias sobre a constitucionalidade de uma mesma norma.
7º - Não estaremos, pois, confrontados com uma ‘normal’ legitimidade para recorrer, fundada no artigo 680º do Código de Processo Civil - destinada a tutelar o interesse da ‘parte principal’ na causa, que haja ficado ‘vencida’ - mas perante uma legitimação para agir que assentará antes na tutela do interesse público na uniformização da jurisprudência, o qual deverá prevalecer, no caso, sobre a pura disponibilidade do (concreto) processo pelos interessados.
8º - Tarefa essa, aliás, tradicionalmente cometida ao Ministério Público, e que sempre comportou a atribuição da faculdade (ou do dever de recorrer) com vista a solucionar conflitos jurisprudenciais (cfr. artigos 770º do CPC, na redacção anterior à reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, artigos 437º, 446º e
447º do CPP, artigo 104º, n.º 1, da LPTA), bem como a consagrar a necessária intervenção em tal tipo de recursos do Ministério Público (artigos 79º-D, n.º 3, da Lei n.º 28/82, artigos 732º-A, n.º 2 e 732º-B, n. 1 do Código de Processo Civil), mesmo quando não haja sido o recorrente.
9º - Invoca-se, finalmente, em apoio da tese ora sustentada, o precedente resultante da tramitação do processo n.º 642/92, da 1ª Secção, que culminou na prolação do acórdão n.º 176/97, que confirmou a decisão constante do Acórdão n.º
508/96.
10º - Na verdade, embora o Ministério Público não tivesse intervenção principal neste processo - em que figuravam como recorrente José Alberto Taveira Marques e como recorrido o Secretário de Estado do Tesouro - foi interposto pelo Ministério Público recurso, nos termos do artigo 79º-D, invocando contradição entre aquele aresto e o Acórdão n.º 106/95, o qual foi admitido e apreciado pelo próprio Tribunal Constitucional, culminado na prolação do Acórdão n.º 176/97, que solucionou efectivamente o conflito jurisprudencial surgido entre as Secções deste Tribunal.
11º - Termos em que deverá, salvo melhor opinião, proceder a presente reclamação, admitindo-se o recurso interposto nos autos.' II. Fundamentos
3. A questão objecto da presente reclamação – isto é, saber se assiste legitimidade ao Ministério Público para interpor o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional previsto no artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional, quando não tenha intervindo no processo nem como recorrente nem como recorrido – foi recentemente objecto de decisão, tomada pelo Tribunal Constitucional em Plenário no Acórdão n.º 57/99. Nos termos da conclusão deste aresto, 'o Ministério Público – que não teve intervenção no recurso de constitucionalidade, como recorrente ou recorrido – carece de legitimidade para interpor o presente recurso'. Nos presentes autos, há tão-só que fazer aplicação desta jurisprudência, decidindo a reclamação em conformidade com ela. III. Decisão Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Lisboa, 24 de Março de 1999 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Messias Bento José de Sousa e Brito Vitor Nunes de Almeida Artur Maurício (vencido nos termos da declaração de voto exarado no Acórdão nº
57/99) Alberto Tavares da Costa (vencido, nos termos da declaração de voto junta ao acórdão nº 57/99) José Manuel Cardoso da Costa